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26 maio 2011

Borboleta

Quando o sujeito de "Borboleta" (Marcelo Jeneci/ Zélia Duncan / Arnaldo Antunes / Alice Ruiz) abre seu canto dizendo que "Música é que nem borboleta / Ela voa pra onde quer / Ela pousa em quem quiser / Não é homem e nem mulher" ele toca no cerne daquilo que é uma canção: perfume. Ou seja, artifício da sensualidade, da sensorialidade, necessário à existência.
As canções emolduram, e por vezes preenchem, nosso cotidiano. Palavra, melodia e voz, a canção encapsula os elementos que nos conectam à vida: à subjetivação, ao coletivo individualizado. Pousando em qualquer um, a canção torna-se minha, quando lhe absorvo em mim: às minhas necessidades do instante. Ao mesmo tempo ela é e sempre está livre para ser de outros.
Deste modo, "Borboleta" (bônus do disco Feito pra acabar, 2010) é uma ode à feitura e ao consumo de canções. Obviamente, o sujeito ao usar o termo "música" fica mais próximo do ouvinte, já que culturalmente aprendemos a denominar de "música" também as "canções": letra, melodia e performance voz.
Aqui música e canção são sinônimos e não cabe a distinção, embora prefiramos para fins didáticos o termo canção. Vale mais passear (voar) nas asas da borboleta-título e perceber as peripécias - o processo de sair da gaveta e travestir-se na voz - porque passa uma canção a fim de entrar na cabeça do ouvinte mantendo a autonomia: a liberdade - uma liberdade que contamina quem escuta.
O sujeito de "Borboleta" é um cantor da artesania cancional: canta as artimanhas de domínio. Avassaladora, a canção faz do ouvinte um refém (in)voluntário: cria no ouvinte a sensação de que ela foi feita para ele.
Quantas vezes ao longo do dia, sem que tenhamos consciência de tal gesto, tamborilamos, assobiamos? Quantas vezes criamos versões verbais íntimas para uma determinada melodia que nos sequestrou em algum momento do dia?
Para o sujeito de "Borboleta" tudo é possível, quando o que está em jogo é a capacidade de sedução da canção: "Se não decorar a letra / Pode cantar ola e larala / A melodia pode assoviar / Pode até dar um berro pode berrar".
Tal e qual borboleta, a música (a canção mais especificamente) colore o dia: humores. Algumas depois que entram dentro da cabeça não querem mais sair: quer repetir, repetir, repetir - asas farfalhando ligeiras (atrapalhadas): versos, silêncios e melodias.
E há música para tudo:"música para jogar baralho / música para subir serpente / música para querer morrer / música para baixar o santo / música para estourar o falante / música para escutar no rádio / música para ouvir música para ouvir música para ouvir", com lista o sujeito da canção "Música para ouvir", de Arnaldo Antunes e Edgard Scandurra.
Ao final, o que elas querem - as canções de toda cor: "De acalanto, de baile de amor / De restaurante, de elevador - é sair do casulo do alto-falante, do carrossel e da roda gigante pra que você e todo mundo cante".
Com o querer-não-querendo de nossa parte, isso acontece. E a vida, naturalmente, como se disso ela dependesse, como de fato depende, fica mais leve: frágil e perecível ao tempo, como as borboletas, mas, pela consciência da morte (do fim da canção), talvez, intensa e mais feliz.



***

Borboleta
(Marcelo Jeneci/ Zélia Duncan / Arnaldo Antunes / Alice Ruiz)

Música é que nem borboleta
Ela voa pra onde quer
Ela pousa em quem quiser
Não é homem e nem mulher
Música que sai da gaveta
Se traveste na voz de alguém
Quando entra dentro da cabeça
Não é sua nem ninguém

Te invade, te assalta e te faz refém
Se a rima não vem já sabe
Bater palma com a mão
E quando chegar o refrão
Bater com os pés no chão

Se não decorar a letra
Pode cantar ola e larala
A melodia pode assoviar
Pode até dar um berro pode berrar

Às vezes ela é como um ladrão
Ou como um convidado trapalhão
Depois que entra não quer mais sair
Quer repetir, repetir, repetir

Te invade, te assalta e te faz refém
Se a rima não vem já sabe
Bater palma com a mão
E quando chegar o refrão
Bater com os pés no chão

Verde, branca, azul ou vermelha
Também tem música de toda cor
De acalanto, de baile de amor
De restaurante, de elevador
Música é que nem borboleta
Sai do casulo do alto-falante
Do carrossel e da roda gigante
Pra que você e todo mundo cante

Te invade, te assalta e te faz refém
Se a rima não vem já sabe
Bater palma com a mão
E quando chegar o refrão
Bater com os pés no chão

La la la la la la
La la la la la la
La la la la la la
La la la la la la

Um comentário:

Serenissima disse...

Parabéns pelo belíssimo trabalho. Vindo de lá, das 365 Canções, que também foi um projeto maravilhoso.
Senti falta da possibilidade de ouvir a canção. Seria perfeito!
Pensa nisso com carinho, tá? Já estou seguindo você nessa viagem musical ;)

Abraço