Resenha escrita via whatsapp pelo grupo de pesquisa
POESIA E TRANSDISCIPLINARIDADE: A VOCOPERFORMANCE (UERJ) para o texto “O que vem
primeiro: o texto, a música ou a performance?”, de Ruth Finnegan.
No texto “o que vem
primeiro: o texto, a música ou a performance?”, Ruth Finnegan sugere diferenças
e aproximações entre canto, declamação e recitativos, três modos da palavra
cantada. A partir de um conceito amplo de canção, a autora, para quem “Quando
você procura ‘canção’ no catálogo de uma biblioteca, encontra listas intermináveis
de textos predominantemente verbais. É neles que se crê poder encontrar a
verdadeira realidade – e não certamente na efêmera e incapturável performance”
(p. 20-21), ajuda-nos a compreender a substância complexa e fugidia da
performance. “A performance cantada é evanescente, experimental, concreta,
emergindo na criação momentânea dos participantes. Como bem formulou Peggy
Phelan, ‘a única vida da performance é no presente’” (p. 24), anota. Gravada,
registrada, ela deixa de ser performance, passa a ser fotografia, filme,
registro fonográfico, pois a mesma tem esse átimo de vida que ocorre apenas no
momento em que está sendo realizada. Ou seja, a canção não existe apenas no
texto escrito, nas palavras, mas ela se dá nas especificidades da sua
materialização em performance (p. 24).
Se “a literatura oral
só existe no aqui e agora”, como acessar, experimentar a performance fora do
instante-já performático? Para alguns é impossível. As técnicas de reprodução
não dão conta de registrar o que é incapturável. Mas estas mesmas técnicas tem
ajudado bastante a compreender o conceito de canção, pois entende-se que resulta
incompleta qualquer interpretação da canção, da palavra cantada que não
equilibre texto, música e voz indissociavelmente em ação (soando no ar): gestualidades
vocais, leituras comparativas com experiências anteriores, indumentária,
memória. Sendo a performance o momento em que todos os elementos se aglutinam,
“é irrelevante perguntar se texto ou música vem primeiro. É sua performance,
integrada, o primordial” (p. 24). Entretanto, há algumas questões sobre como os
elementos verbais e musicais se originam (e qual deles vem primeiro).A
performance será trabalhada pela pesquisadora não apenas restrita à audição,
mas envolve também “o visual, o somático, o gestual, o teatral, o material” (p.
35). O leitor-ouvinte pesquisador dos estudos da palavra cantada trabalha sob
os modos como o cancionista lê a voz do poeta por meio da “entonação
embrionária”, expressão cunhada por Luiz Tatit.
O provérbio em latim é
direto “as palavras voam e os escritos permanecem”. Imersos no mundo
videocêntrico, para usar um termo caro a Adriana Cavarero, e também por não
sermos tecnicamente preparados para tratar a palavra cantada de outro modo nas
Letras, temos dado mais importância ao texto, sem compreender que este só
funciona, só é eficaz porque animado por alguém cantando. Finnegan se posiciona
sobre o que chama de “textualidade” (p. 30-31), relativizando o conceito de
semântica para o contexto da performance. Esta pode abdicar de um sentido
lógico, linguístico (de significado “cognitivo” ou “proposicional”), para dar
vez à preponderância melódica, sonora, que às vezes retoma o sentido
ritualístico e sacro do impresso. Na página 34, ela questiona: “o elemento
verbal não seria na prática mais periférico do que supomos?”, questionando o
privilégio do texto impresso. Admite-se a transcrição de performances, pois
assim o texto mantém mais prestígio que a oralidade. Mais adiante ela comenta
que a performance ressona com evocações multimidiáticas para além do evento
singular, exigindo outras competências do leitor “comum”, tradicionalmente
educado para apenas “ler com os olhos”. “São os textos verbais que
aparentemente contêm ‘a coisa de verdade’. Não é de surpreender que a palavra
escrita ou passível de ser escrita tenha com tanta frequência tido o lugar
central no estudo das canções – é ela que pode ser isolada para análise e
transmissão” (p. 19). E justamente por ser tratar de uma prática tradicional (a
supervalorização do texto), a ideia de refletir texto, música e performance
como um conjunto, e não alguma dessas dimensões com uma prioridade maior sobre
a outra (p. 16), será um grande desafio. Tencionando a hierarquia, a autora
observa que “as letras de canções podem ser facilmente esquecidas, mesmo pelos
próprios cantores, enquanto a música é lembrada” (p. 33). E quem nunca se viu
cantarolando uma música, enquanto tentava se lembrar da letra?
Em “Átimo” Gal Costa
canta que “Um átimo de som num átomo de ar / Pode ser capaz de disparar / O que
pensa cada poro / O que sente o pensamento / Num mecanismo tão claro como
ponteiro no tempo”. Ruth Finnegan compreende isso ao anotar que “tudo de que
precisamos é de um ouvido que escute e de uma voz que soe” (p. 15). Para Ruth,
a
canção é tomada de modo arcaico, como uma combinação de música e poesia
(literatura), a primeira destacada pelo som, emite a emoção; a segunda, podendo
ser destacada pelo texto (p. 18), emitindo sentido na voz de alguém cantando.
Se para a Academia textos geram verdades, por sua vez, quem estuda a palavra
cantada defende que a verdade (ou a sugestão desta) é e está na voz de alguém
cantando, este “funcionamento,
entre estar e ser no vento / Como a pele que invento sobre a velha pele
dentro”, canta Gal Costa.
A canção continua: “Um
átimo de som num átomo de ar / Pode ser capaz de disparar / O que sente o
pensamento / O que pensa a sensação / Antes mesmo de virar canção”. Fica
evidente que para a autora, a canção não se refere a texto, mas a performance,
daí, destaca-se a diferença entre letra de canção e texto. Uma das grandes
querelas, sempre em voga, nas Letras. Finnegan questiona porque a notação
musical (a partitura) incomoda menos, ou não incomoda, do que as letras de
canção e a literatura oral. O fato é que o avanço da tecnologia também
contribuiu para que as pessoas tivessem acesso à performance, como o rádio e
aparelhos de gravação. E estudar a performance vem ganhando cada vez mais
reconhecimento para análise das criações humanas. Mas, para além do crescente
movimento transdisciplinar que marca o contemporâneo, como temos nos
instrumentalizado para isso? Para o tratamento do efêmero, da voz em
performance?
A experiência dos
ouvintes também baliza a questão de quem vem primeiro. Na África Central, a
autora percebeu que textos poéticos são acompanhados por instrumentos; no
Zimbábue, não era o registro escrito que importava, mas o som vindo do rádio,
que permanecia na memória e na consciência das pessoas. Ela dá exemplos de como
nós não prestarmos atenção ao que está sendo “falado” em uma canção, o elemento
verbal sendo periférico na canção. Já no heavy metal, o significado da letra é
parte de algo que envolve os músicos e fãs e os faça gostarem dele. No samba, a
dança e a música podem ser consideradas tão importantes quanto a letra (p.33).
O que os participantes trazem consigo moldam o significado da performance
(p.36). Destaca-se, assim, a questão da memória, tanto para quem faz a
performance como para quem assiste.
Em resposta à pergunta
do título desse texto, Finnegan parece determinar que é a performance que vem
primeiro. E parece ancorada na origem da poesia. Embora a resposta não seja tão
simples. Por exemplo, a mesma letra e melodia podem ter diferentes
performances, emergem da criação momentânea de cada participante: quem canta e
quem ouve, “a experiência dos ouvintes” (p. 34). A voz não apenas conduz, ela é
parte da substância, ela produz presença: “substância encarnada”. “Canção e
poesia oral são a voz humana ativada pelo corpo” (p. 24). Mesmo quando a letra
é feita antes, como um poema impresso que anos mais depois de sua publicação
tenha sido cantado, por exemplo, a canção-em-si só se efetiva na performance,
explorando complexos conjuntos auditivos, assim como seus diferentes modos de
emissão (p. 30). Alguns dirão que o texto vem primeiro, em uma leitura
apressada, de um analista acadêmico. Mas existe o exemplo de não se precisar
saber a letra da música ou entender o que se canta, e, mesmo assim, é possível
se emocionar, se sentir tocado por um conjunto de palavras cantadas. Como
exemplo, a autora trata da poesia de louvação iorubá (p. 31).
Destaque-se que “Por vezes, texto e música são,
pelo menos em algum sentido, criados em conjunto. Mas esse 'em conjunto' também
tem variações (...). Aqui, pelo menos em certo sentido, pode-se dizer que
'performance' vem primeiro, já que nem aquele texto específico nem aquela
interpretação musical específica tinham existência autônoma antes da
performance. Outros casos de composição conjunta de letra e música acontecem
antes do evento da performance (...) O ponto aqui, entretanto, é que nesses
casos nem letra nem música são criadas como entidades separadas e independentes”
(p. 25).
Em
suma, o discurso de Ruth Finnegan propõe que o levantamento ou estudo das modalidades
que envolvem canção (texto, música e performance) precisam ser analisadas não
desmerecendo nenhuma delas, a intenção não é tentar diminuir, no caso, a
escrita, mas trazer à luz a importância da performance na canção.
FINNEGAN, Ruth. O que vem primeiro: o
texto, a música ou a performance?”. MATOS, Cláudia Neiva de; TRAVASSOS,
Elizabeth; MEDEIROS, Fernanda Teixeira. Palavra
cantada: ensaios sobre poesia, música e voz. Rio de Janeiro: 7Letras, 2008.
Um comentário:
Descobri este escritor - pensador.
Leonardo Davino. DIVINO.
SE PARAIOCA for Paraíba Carioca
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