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15 outubro 2023

O filho da mãe


"O prazer do outro pode ser insuportável, ainda mais quando não há um labor [procriação] aí, quando o prazer é ostensivamente um fim em si mesmo", diz Bernardo Carvalho numa entrevista. Daí porque um trecho como “Qualquer tchetcheno a quem se fizer a pergunta dirá que não há homossexuais na Tchetchênia. E talvez por isso Ruslan e Akif não tenham sido vistos durante os meses em que encontraram nas ruínas do prédio da escola de medicina. Porque eram invisíveis" valha o livro O FILHO DA MÃE por inteiro; isto é, por conter a ambivalência que as vidas das personagens impõe: num contexto de guerra e patrulha ideológica, quais corpos importam? Se, em entrevista de 1982, Foucault afirmou: "o melhor momento, no amor [entre homens], é quando o amante se distancia no táxi", no livro de Carvalho, "Andrei se aproxima e desabotoa as calças do batedor de carteiras. Quatro horas depois, quando abrir os olhos, ele já não estará mais ao seu lado". As histórias se repetem noutros lugares, noutros corpos, noutras subjetividades afetadas pela guerra: "Ruslan passou a associar o amor ao risco e à guerra, porque não conhecia outra coisa. Associou o sexo à trégua (o desejo deixava a realidade em suspenso) e o amor à iminência da perda. E daí em diante só conseguiu amar entre ruínas”. O livro enfrenta isso com delicadeza e crueza singulares. "O sexo e a guerra são o que todo homem tem em comum, rico ou pobre, educado ou não", lemos mais adiante. Se "histórias de amor podem não ter futuro, mas têm sempre passado", O FILHO DA MÃE articula os escombros dessas subjetividades marcadas pelo horror do outro, da alteridade, da diferença que, em alguma medida, fascina o desejo, posto "que sempre haverá alguém pronto para reconhecer e atacar a vulnerabilidade onde quer que ela se manifeste".

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