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30 dezembro 2021

Discos de 2021

O disco (este conjunto de canções em um todo orgânico) resiste. Eis em ordem aleatória os discos de 2021 com os quais mais convivi: Linn da Quebrada - Trava Línguas; Romulo Fróes - Aquele Nenhum; Thiago Amud - São; Maria Bethânia - Noturno; Juçara Marçal - Delta Estácio Blues; Marcia Castro - Axé; BaianaSystem - OXEAXEEXU; Juliana Linhares - Nordeste Ficção; Caetano Veloso - Meu Coco.

31 agosto 2021

O navio negreiro

Ao comentar seus primeiros contatos com a poesia livresca, Caetano Veloso escreve que "Sabia dos heterônimos [de Fernando Pessoa] e de algum folclore sobre sua vida, e juntava aqueles poemas ao repertório de poesia brasileira moderna (Vinicius, Drummond, Bandeira e Cecília, depois também Cabral) e isso era (com os negros de Castro Alves e os índios de Gonçalves Dias mais os ciganos de Lorca) toda a poesia que eu conhecia" (Veloso, 1997, p. 339). Quero destacar aqui a relação com seu conterrâneo: Antônio de Castro Alves (1847-1871), começando pelo famoso poema "O navio negreiro" (escrito em 1868), que teve trechos oralizados por Caetano no disco Livro (1997).
Da primeira das seis partes do poema, Caetano oraliza apenas parte do primeiro verso "Stamos em pleno mar", desprezando todo o excesso romântico castroalvino e focando na tragédia: os "desgraçados", conforme diz o texto, transportados no porão do navio negreiro. Mas é na primeira parte do poema que o eu poemático - "deixai que eu beba / Esta selvagem, livre poesia..." - pede o auxílio das asas do Albatroz, para assim poder planar sobre o navio, ver e cantar o horror: "Que cena infame e vil!... Meu Deus! meu Deus! que horror", diz no final da terceira parte que, assim como a segunda, não tem nenhum verso oralizado por Caetano. Desse modo, ficamos sabendo que, diferentemente da Preta Susana, do romance Úrsula, publicado por Maria Firmina dos Reis em 1859, o eu poemático castroalvino não vive em si o horror do porão. Por sua vez, o texto da canção começa na quarta parte do poema: "Era um sonho dantesco...".  
Para Flávio Kothe, "no cânone, ressoam as trombetas da vitória, não da luta dos oprimidos" (Kothe, 2000, p. 275); e "a literatura de Castro Alves faz parte de um processo de neutralização de qualquer revolta e cobrança dos negros" (Kothe, 2000, p. 301). Canônico, patriótico e onipresente na maioria dos livros didáticos, o poema tem recebido críticas tanto pelo seu anacronismo, já que aquilo que o poema roga (o fim do tráfico de pessoas) fora promulgado na Lei Eusébio de Queirós, em 4 de setembro de 1850, embora, na prática, a lei não tenha abolido o tráfico; quanto pela despotencialização do poema que inspirou Castro Alves, a saber: "Das Sclavenschiff", do alemão Heinrich Heine. Para o professor Flávio Kothe, "Castro Alves faz a sua fama básica com um poema que não é dele" (Kothe, 2000, p. 277). Castro Alves pode ter feito o seu poema a partir da tradução francesa de Gérard de Nerval, de 1854: "Le négrier". "A epígrafe que Castro Alves coloca em seu livro Os escravos provém de Heine e está em francês" (Kothe, 2000, p. 279).
Se "no navio negreiro, a única escrita é do livro de contas, que se refere ao valor da troca dos escravos" (Glissant, 2005, p. 17), a propagada intenção castroalvina de "humanizar" os escravizados não se efetiva, já que esses não têm voz no poema e são apresentados sempre a partir da ideologia cristã disseminada no espírito brasileiro do século XIX. Por isso também, é o messianismo romântico, promotor do controverso "levantai-vos heróis do novo mundo", a exigir da vítima a solução para o problema, que Caetano rasura ao inserir na oralização do poema um trecho de um canto de capoeira entoado em coro, formado por Nara Gil, Paula Morelenbaum e Belô Veloso.
Assim, ao "Senhor Deus" e às "preces [que] ressoam", Caetano insere o que de fato importa: o canto do escravizado de África. Se no poema a dança é imposta pelo chicote, na canção, a capoeira - que pergunta e responde "Que navio é esse que chegou agora? / É o navio negreiro com escravos de Angola" - é signo de luta, arte, resistência, ancestralidade. Essa é a rasura revisionista que Caetano faz no poema castroalvino. O arranjo para percussão de Carlinhos Brown também imprime protagonismo àquilo que fora silenciado no poema: a cultura de matriz africana. E Caetano sempre esteve interessado nessa biopolifonia que se espraiou na cultura brasileira.
É preciso notar que a vocoperformance de Caetano tem base no rap. 1997 é o ano também de Sobrevivendo no inferno, disco dos Racionais MC's que redefiniu para sempre o modo de fazer canção no Brasil, pois ritmo e poesia se juntaram para cantar o povo de um lugar até então excluído da indústria fonográfica. Essa informação é importante para pensar o contexto do poema de Castro Alves e sua consequente canonização literária, bem como a revisão crítica desse cânone feita por Caetano num contexto de emergência de vozes historicamente subalternizadas na formação de nossa literatura. Se o texto de Heine é para ser lido em silêncio, o de Castro Alves, tendo a forma da ode, pede a leitura em voz alta. Eis a importância da canção - rap - caetânica: vocaliza o que já era para a voz, mas subverte o lugar de quem fala por trás do texto.
É o apagamento do sujeito escravizado que Caetano ensaia contrariar ao evocar e inserir no corpo do texto castroalvino versos cantados de capoeira. O que o cânone literário apagou, a canção acende. Se "a literatura tem uma dívida moral com o sofrimento no país que ela nunca há de conseguir resgatar" (Kothe, 2000, p. 274), Caetano Veloso reforça sua fé na canção popular, na gaia ciência, no domínio público dos versos do canto de capoeira: a voz do poema de Castro Alves deixa de ser individual para se tornar coletiva no disco.
Castro Alves prefere apelar para Deus, para a Musa (que no disco é dramatizada pela cantora Maria Bethânia), para o Mar. Primeira invocação: "Senhor Deus dos desgraçados!"; segunda invocação: "Dize-o tu, severa Musa"; e terceira invocação: "Ó mar, por que não apagas, / Co'a esponja de tuas vagas / Do teu manto este borrão?". Essa trindade é recolhida na sexta parte do poema: "Meu Deus! meu Deus!"; "Silêncio!... Musa!"; e "O trilho que Colombo abriu na vaga".
Observe-se que a aliteração do verso castralvino "que a brisa do Brasil beija e balança" serve de eco para o final da faixa do disco de Caetano, como que reafirmando a manutenção das práticas do século XIX no final do século XX. Não à toa "Todo camburão tem um pouco de navio negreiro", cantara O Rappa em 1994.
O disco Livro não foi a primeira vez que Caetano Veloso tratou a presença de Castro Alves em seu imaginário de cidadão e artista. Em texto para o Pasquim, de 02 a 09/04/1970, ele escreve: "na Praça Castro Alves o mar está acima do nível da mão do poeta e não há geografia que explique que descreva que estude o azul é do povo como o vermelho e o amarelo" (1977, p. 61); e "o Teatro Castro Alves é do corvo como o parto é dos com dor" (1977, p. 62). Essa última citação refere-se ao lugar do último show que Caetano e Gilberto Gil fizeram antes do exílio forçado pela ditadura civil-militar. O áudio do show ao vivo está registrado no disco Barra 69 (lançado em 1972). Já a primeira citação, a praça como lugar de convergência do carnaval baiano, ressurgiria anos mais tarde, na canção "Aquele frevo axé" (1999): "Meu amor / Ando na praça vazia e espero o sol se pôr / Vejo o clarão se extinguir / Por trás da mão do poeta".
Antes, o poema castroalvino "O povo ao poder" também ressurge revisado por Caetano, que parodia atualizando os versos em "Um frevo novo" (1972), pois o céu não é mais do condor, ave símbolo do movimento romântico do qual Castro Alves é ícone: "A praça Castro Alves é do povo / Como o céu é do avião / Um frevo novo, um frevo, um frevo novo / Todo mundo na praça e muita gente sem graça no salão", canta o tropicalista Caetano, valorizando a força da rua, espaço de disputas narrativas; valorizando o carnaval.
"Nossa dor, meu amor, é que balança nossa dor, o chão da praça", diz o verso de "Chão da praça", de Fausto Nilo e Moraes Moreira (1978), cantado por Caetano Veloso em Cê ao vivo (2007). "Dia 13 de maio em Santo Amaro / Na Praça do Mercado / Os pretos celebravam / (Talvez hoje inda o façam) / O fim da escravidão", canta em "13 de maio" (Noites do Norte, 2000). A praça é o lugar da voz caetânica. Voltarei a essas outras presenças de Castro Alves na obra caetânica noutro momento.
Importante destacar ainda que o final de "O navio negreiro" - notadamente o verso "Levantai-vos, heróis do Novo Mundo!" - oferece o mote para "O herói" (, 2006): "nasci num lugar que virou favela / cresci num lugar que já era / mas cresci a vera / fiquei gigante, valente, inteligente / por um triz não sou bandido / sempre quis tudo o que desmente esse país / encardido". Esses versos parecem reafirmar a "fatalidade atroz", o destino dado aqueles que vieram para cá escravizados, mas que, "por um triz", cumpre outra estrela, subverte a fatalidade: "descobri cedo que o caminho / não era subir num pódio mundial / e virar um rico olímpico e sozinho / mas fomentar aqui o ódio racial / a separação nítida entre as raças / um olho na bíblia, outro na pistola / encher os corações e encher as praças / com meu guevara e minha coca-cola".
Quem fala em "O herói" é uma voz em primeira pessoa - nasci, cresci, descobri. Voz que depreende-se de uma tomada de consciência do sujeito cancional, voz que rejeita, e aqui a citação a Castro Alves é direta, ser "a brisa que o Brasil beija e balança". Voz que canta: "já fui mulato, eu sou uma legião de ex-mulatos / quero ser negro 100% americano / sul-africano, tudo menos o santo / que a brisa do Brasil beija e balança".
Essa aparente recusa à mestiçagem pode estranhar à primeira audição, já que o pensamento mestiço é marca e defesa recorrente na obra de Caetano Veloso, mas ela surge aqui mais como diagnóstico de um novo tratamento dado às questões étnico-raciais no país. Ele mesmo já cantara em "Ele me deu um beijo na boca" (Cores, nomes, 1982): "Mas eu sou preto, meu nego / E sei que isso não nega e até ativa o velho ritmo mulato". Mantêm-se a lucidez e a utopia tropicalista, a lírica e a participação, a subjetividade e o engajamento. E Caetano Veloso esboça essas reflexões promovendo a revisão crítica do canônico, a partir do conterrâneo Castro Alves.
A poesia retórica, repleta de hipérboles e antíteses, embriaguez verbal, força da "inspiração" do gênio, "improvisos" que forçam à leitura em voz alta do texto castroalvino, serve para Caetano colocar em prática a lição de Maiakóvski: "tirando os monumentos do pedestal, devastando-os e virando, nós mostramos aos leitores os Grandes por um lado completamente desconhecido e não estudado" (1984, p. 167).

CANDIDO, Antonio. “O Direito à Literatura” in: Vários Escritos. São Paulo: Duas Cidades, 2004.
GLISSANT, Édouard. Poétique de la Relation. Poétique III. Paris: Gallimard, 2005.
GLISSANT, Édouard. Introdução a uma poética da diversidade. Trad. Enilce do Carmo Albergaria Rocha. Juiz de Fora: Editora UFJF, 2013.
HEINE, Heinrich. Heine, hein? Poeta dos contrários. Trad. André Vallias. São Paulo: Perspectiva: Goethe-Institut, 2011.
KOTHE, Flávio R. O cânone imperial. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2000.
MAIAKÓVSKI, Vladimir. Como fazer versos. In: A poética de Maiakóvski. Org. e Trad. de Boris Schnaiderman. São Paulo: Perspectiva, 1984.
VELOSO, Caetano. Alegria, alegria. Uma caetanave organizada por Waly Salomão. Rio de Janeiro: Pedra Q Ronca, 1977.
VELOSO, Caetano. Verdade tropical. São Paulo: Companhia das Letras, 1997.

31 julho 2021

Os três mal-amados

Quando Caetano Veloso cantou "Minha música vem da / Música da poesia de um poeta João que / não gosta de música / Minha poesia vem / Da poesia da música de um João músico que / Não gosta de poesia" ("Outro retrato", Estrangeiro, 1989), além de estar reconhecendo e homenageando "o dado de Cabral / a descoberta de Donato" em sua formação, também faz referência à alardeada rejeição de João Cabral de Melo Neto (1920-1999) a uma suposta melodia implícita à poesia, à musicalidade do poema.
Fato é que o poeta, que Caetano apresenta como "o maior poeta brasileiro surgido depois do modernismo, pertencente, pela idade, à geração de 45, mas em tudo oposto a ela: um poeta das coisas vistas com olho lúcido e expressas em linguagem seca e rigorosíssima" (Veloso, 1997, p. 212-213) e afirma como "meu poeta favorito - e o que mais extensamente li, (...) diante dele tudo parecia derramado e desnecessário" (Veloso, 1997, p. 339); esse poeta que escrevera “saio de meu poema / como quem lava as mãos” (Melo  Neto,  1999,  p.  93) afirmou: “É essencial em poesia ter um som, uma ligação com a fala. Mas é uma dicção diferente, que não é cantável. Realmente não gosto de música, nunca gostei. Sou um poeta visual, não auditivo. A única música que gostei foi o flamenco, que é dissonante, pois o sujeito canta no extremo da voz” (Gazeta Mercantil, 1997).
João Cabral de Melo Neto sabia que a noção de lírica mudara no momento em que a poesia escrita passou a superar a poesia cantada na cultura. O corpo e a voz do poeta tinham um modo-de-usar-e-dizer o poético que não será o mesmo no papel. Cabral quis limpar a palavra escrita de toda reminiscência de um tipo de lirismo próprio à voz. Mas ele sabia também que a música, a entonação implícita persiste nas palavras, mesmo escritas. Seu trabalho foi o de escamotear este impulso vocal externo ao poema escrito e iluminar a palavra no suporte da página.
É por esta perspectiva que entendemos o que Paul Zumthor escreve em A letra e a voz: "O texto 'literário' é fechado: simultaneamente por causa do ato que, material ou idealmente, o circunscreve e na intervenção de um sujeito que efetua esse fechamento. Mas essa intervenção provoca o comentário, suscita a glosa, de modo que, nesse nível, o texto abre-se, e um dos traços próprios à 'literatura' é sua interpretabilidade. O texto tradicional, em contrapartida, pelo simples fato de que transita pela voz e pelo gesto, só pode ser aberto, numa abertura primária, radical, a ponto de escapar, por lampejos, à linguagem articulada; por isso ele se esquiva à interpretação, pelo menos a toda interpretação globalizante" (1993, p. 283-284).
João Cabral tinha consciência da potência de nossa canção popular e afirmou: "Eu acho que a música popular pode ajudar enormemente a poesia, não no sentido de esta poesia vir a ser melhor, mas no sentido de aumentar a propagação da poesia" (O Globo, 27/10/1973). E desde 1966 quando Airton Barbosa e Chico Buarque musicaram Morte e Vida Severina (1955) para o teatro, até o disco Transfiguração (2006) da banda Cordel do Fogo Encantado, em que a vida de Severino é base para a canção "Morte e Vida Stanley", passando pelo disco de Cátia de França, Vinte palavras ao redor do sol (1979), com título inspirado nos versos de João Cabral de Melo Neto - "Falo somente com o que falo: / com as mesmas vinte palavras / girando ao redor do sol", e pela citação caetânica (1989), pelo disco Severino (1994) da banda Paralamas do Sucesso, a antilírica cabralina tem presença na canção popular. Destaque-se aqui a declamação feita por José Paes de Lira, Lirinha, então vocalista do Cordel do Fogo Encantado, de trechos do poema em prosa "Os Três Mal-Amados" (O palhaço do circo sem futuro, 2002).
No texto “o que vem primeiro: o texto, a música ou a performance?”, Ruth Finnegan sugere diferenças e aproximações entre canto, declamação e recitativos, três modos da palavra cantada, entre outros. A partir de um conceito amplo de canção, a autora, para quem “quando você procura ‘canção’ no catálogo de uma biblioteca, encontra listas intermináveis de textos predominantemente verbais. É neles que se crê poder encontrar a verdadeira realidade – e não certamente na efêmera e incapturável performance” (Finnegan, 2008, p. 20-21), ajuda-nos a compreender a substância complexa e fugidia da performance. “A performance cantada é evanescente, experimental, concreta, emergindo na criação momentânea dos participantes. Como bem formulou Peggy Phelan, ‘a única vida da performance é no presente’” (idem, p. 24). Não é essa experiência o que vivem Lirinha e seu público durante “Os Três Mal-Amados”?
Sintonia, êxtase, catarse são termos apropriados. Ou, melhor, "o ritmo constitui a força magnética do poema. Por suas repetições, a voz sistematiza uma obsessão; pela sincope, ela faz explodir os signos em uma simbolização virtualmente histérica: transmite-se assim um conhecimento liberto de temporalidade, identificado com a própria vida, palpitação imemorial” (Zumthor, 2010, p. 185). No caso, a repetição é marcada por "O amor comeu..." presente no início das frases selecionadas do personagem Joaquim. Não é à toa, já que ele também aparece na "Quadrilha" de Carlos Drummond de Andrade, referência para Cabral. Lirinha deixa de fora as queixas de João e Raimundo sobre Teresa e Maria, respectivamente.
Lirinha realiza um trabalho de antologista, posto que seleciona quais partes do poema oralizar, encarnando a figura do repentista. Das onze falas de Joaquim, o cancionista escolhe três - as falas mais viscerais? O timbre potencializa o cognitivo, o ouvinte é instado à ação. A declamação visceral do vocalista Lirinha ficou famosa durante a turnê da banda e seu coro sempre emocionado. Se no poema lemos os nomes dos três personagens, na performance temos uma multidão de vozes comidas pelo amor.
Quando Lirinha chega à derradeira fala - "O amor comeu minha paz e minha guerra, meu dia e minha noite, meu inverno e meu verão. Comeu meu silêncio, minha dor de cabeça, meu medo da morte" - o público já está seduzido e extasiado. Neste jogo entre expressão e comunicação, Lirinha aprofunda e embaralha o que João Cabral anotara na orelha do livro Duas águas: "de um lado, poemas para serem lidos em silêncio, numa comunicação a dois, poemas cujo aprofundamento temático quase sempre concentrado exige mais do que leitura, releitura; de outro lado, poemas para auditório, numa comunicação múltipla, poemas que, menos que lidos, podem ser ouvidos" (1956).
Se por um lado, e de modo mais comumente praticado, temos cancionistas que cantam poemas escritos, vertendo poesia em letra, permitindo a reminiscência mais rápida do texto; por outro lado há cancionistas que deglutem, torcem, parodiam a poesia escrita antes de torná-la letra de canção. Em ambos os casos a parceria entre poetas e letristas é firmada. Mas o segundo caso exige de quem escuta um trabalho maior, a fim de aprofundar o registro da autoria de quem labora, citando direta ou indiretamente, o poema escrito ao cantá-lo. Ao que parece, nestes casos a leitura da poesia demorou mais, não se esgotou na primeira vez, quando o ímpeto de cantar, dizer o texto em voz alta aparece. Há aqui um processo de devoração do conteúdo de leitura acumulado. Em "Os Três Mal-Amados" Lirinha embaralha tais categorias com precisão.


FINNEGAN, Ruth. O que vem primeiro: o texto, a música ou a performance?”. MATOS, Cláudia Neiva de; TRAVASSOS, Elizabeth; MEDEIROS, Fernanda Teixeira. Palavra cantada: ensaios sobre poesia, música e voz. Rio de Janeiro: 7Letras, 2008.
MELO NETO, João Cabral. Obras Completas. Rio de Janeiro: Editora Nova Aguilar, 1999.
______. Música. Gazeta Mercantil, 28/12/1997. Documento on-line não paginado. Disponível em: http://www.tirodeletra.com.br/musica/ JoaoCabraldeMeloNeto.htm. Acesso em: 09 ago. 2021.
ZUMTHOR, Paul. A letra e a voz: a "literatura" medieval. Trad. Amálio Pinheiro, Jerusa Pires Ferreira. São Paulo: Companhia das Letras, 1993.
______. Introdução à poesia oral. Trad. Jerusa Pires Ferreira, Maria Lúcia Diniz Pochat, Maria Inês de Almeida. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2010.

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Os três mal-amados

O amor comeu meu nome, minha identidade, meu retrato. O amor comeu minha certidão de idade, minha genealogia, meu endereço. O amor comeu meus cartões de visita. O amor veio e comeu todos os papéis onde eu escrevera meu nome. O amor comeu minhas roupas, meus lenços e minhas camisas. O amor comeu metros e metros de gravatas. O amor comeu a medida de meus ternos, o número de meus sapatos, o tamanho de meus chapéus. O amor comeu minha altura, meu peso, a cor de meus olhos e de meus cabelos. O amor comeu minha paz e minha guerra, meu dia e minha noite, meu inverno e meu verão. Comeu meu silêncio, minha dor de cabeça, meu medo da morte.

30 junho 2021

Vagalumes

Na transcriação do poema de livro para a voz na canção corre-se um risco. Sedutora, a voz humana tende a direcionar e organizar algo que na página do livro, em geral, na boa poesia, existe enquanto latência à espera do leitor que em “silêncio” experimenta modos de ler. Nesse sentido, cantar um poema deveria ser um convite a pensar junto as possibilidades de leitura e não a condução do ouvinte-leitor. “Sempre vi a leitura, ou outras formas de recepção estética, não como uma tradução da vida, mas como uma vivência em si; não como uma intermediação entre nós e o mundo, mas como uma via de acesso direto à experiência do mundo, através da (trans)formação de nossa consciência e sensibilidade”, afirmou Arnaldo Antunes em entrevista a Gisele Barão, para o jornal Rascunho (julho de 2021).
Arnaldo é um artista que desde o começo de sua obra enfrenta o risco, porque ele cria numa clave de experimentação verbivocovisualperformática que transita por variados suportes e linguagens. “Assim como há os poemas que dependem de um trabalho gráfico-visual, há aqueles mais voltados à oralidade, onde as assonâncias e o ritmo têm papel fundamental. Alguns beiram a linguagem da canção. Nas performances poéticas que apresento, costumo explorar diferentes registros de emissão vocal das palavras – faladas, cantadas, entoadas, berradas, sussurradas, incorporando ruídos – dando a elas novas sugestões de sentidos”, diz ele na mesma entrevista.
Paralela à discografia autoral, a presença da verve letrista de Arnaldo Antunes na discografia da cantora Marisa Monte é recorrente. Ela abre seu primeiro disco MM (1989) com “Comida”, de Arnaldo Antunes, Marcelo Fromer e Sérgio Britto; o segundo disco Mais (1991) começa com a radiofônica “Beija eu”, de Marisa Monte, Arnaldo Antunes e Arto Lindsay; em 1994, no disco Verde, anil, amarelo, cor de rosa e carvão, Marisa canta “Alta noite”, de Arnaldo Antunes, além de registrar a assinatura dos dois em “De mais ninguém” e “Bem leve”; antes, no projeto Nome (1993), de Arnaldo Antunes, ela coloca voz em “Cultura”, “Carnaval”, “Direitinho” e “Alta noite”; e em Memórias, crônicas e declarações de amor (2000), os dois assinam “Não vá embora” e dividem com Carlinhos Brown a autoria de “Não é fácil” e “Água também é mar” – além de Arnaldo oralizar trecho do livro Primo Basílio de Eça de Queiróz em “Amor, I love you”, de Marisa Monte e Carlinhos Brown.
Brown é o outro eixo de um tripé sonoro importante. Com o projeto Tribalistas (2002 e 2017) o trio se afina definitivamente e sacode o mercado musical brasileiro. A afinação marca também os trabalhos individuais dos três, com participações, coproduções, etc. Ainda na discografia de Marisa Monte, Universo ao meu redor e Infinito particular (2006) e O que você quer saber de verdade (2011) são discos que registram a sonoridade da tribo.
A parceria com Arnaldo Antunes se mantém em Portas, disco que Marisa Monte lança no pandêmico 2021. Para voltar à questão inicial, ou seja, a musicalização de poemas, destaco, destaco “Vagalumes”, canção que tem por base o poema “On-off”, publicado por Arnaldo no livro Algo antigo (2021). “Vaga-lume”, escrito assim com hífen, é palavra que encerra o poema “On-off”, concluindo um ciclo verbivisual em que forma é conteúdo e exige a imaginação do leitor para o jogo lúdico das aproximações sonoras das palavras.
A metáfora é certeira: o vaga-lume é o “chispa chama” que liga e desliga – daí o “on-off” com hífen – a memória (crítica) do leitor. A fim de figurativizar o ritmo acelerado entre presença e ausência visual do vaga-lume, o poema é composto por versos trissílabos, mesma estrutura utilizada por Manuel Bandeira no famoso e veloz ritmicamente “Trem de ferro”. Ou seja, imitando o “pisca-pisca”, os versos com três sílabas poéticas imprimem cadência e alternância rápida entre sílabas fortes e fracas. Eis o poema do livro:

chispa chama
recendeia
descandeia
refaísca
desfagulha
recentelha
desatiça
recintila
descorisca
relampeia
desestrela
reacende
pisca-pisca
reluzente
desilude
renitente
vaga-lume

Marisa Monte sabe que o quarteto é forma clássica eficaz à oralização. As quadrinhas guardam nossa filosofia popular. Ao musicar o poema, os versos são separados em grupos de quatro e cantados emulando um fado, numa rara mudança no tom rítmico que marca o disco Portas do começo ao fim. Segue-se a sequência do poema até “reacende”, quando, ao invés de cantar “pisca-pisca” (o verso ímpar, o verso que rompe com a reiteração on-off das iniciais 're' e 'de' das palavras justapostas), Marisa Monte salta para “reluzente / desilude / renitente / vaga-lume”.
Em seguida, dentro do clima sonoro nostálgico da melodia – sustentada pelo meticuloso trabalho de Marisa Monte no violão; Dadi nos ukulele, baixo, piano Fender Rhodes; Davi Moraes nos violão, guitarra, bongo, shaker, unha; e Pedro Baby com guitarra Fractal e shaker –, a palavra “manhã” é repetida para fazer as vezes de refrão. É assim que o que era sugestão no poema torna-se luz branda, acende e permanece solar, bisando uma “canção de amor” – essa fórmula em que textos de rápida comunicabilidade são emoldurados em alongamentos das vogais e batida lenta, tão presente em nosso cancioneiro.
“Para a canção, acabei criando uma parte nova, que não consta no poema original como está no livro”, diz Antunes na entrevista a Barão. Assim, um trecho, digamos, mais narrativo-figurativo foi acrescentado ao texto do poema. Volta o pisca-pisca suprimido: “Pisca-pisca pesca o olho com a luz da sua isca / Quando apaga recomeça como o ar que se respira / Fogo fôlego varia como água que respinga / Uma coisa tão pequena pode transformar a vida”. Desse modo, a letra da canção explica para o ouvinte a metáfora do poema; o que era latência e ferocidade – os pares significantes, a promessa não cumprida da luz na escuridão – é diluído na manhã reconfortante que a voz bonita da cantora engendra.
Ao piscar, o vaga-lume nos lembra do real que resiste à ilusão da luminosidade. A dúvida que o vaga-lume representa torna-se promessa da felicidade. O vagalume é reduzido a índice da nostalgia de um suposto espaço/tempo idílico que a voz de acalanto promete restituir. O plural no título da canção parece indicar a comunhão entre quem ouve e quem canta. Para usar um elemento que Marisa Monte ostenta na capa do disco Portas, a cantora apresenta uma “chave” de leitura. Mas, se para Pasolini e Didi-Huberman, os vaga-lumes resistem e sobrevivem ao excesso do progresso vazio com a politização de nossa capacidade humana de imaginar, como acontece no poema “On-off” de Arnaldo Antunes, na canção “Vagalumes” essa capacidade é subestimada.
Temos no Brasil uma forte tradição de musicalização/oralização de poesia. O mesmo Arnaldo Antunes, por exemplo, já musicou poema de Augusto dos Anjos sem detrimento da densidade estruturante da poesia em si, ao contrário, atualizou a força do texto. Também Marisa Monte musicou poema de Octávio Paz em versão de Haroldo de Campos e potencializou o texto. Nesses casos, ambos demonstram que, ao encontrar e vocalizar a melodia imanente no arranjo de palavras, quem canta atua a fim de singularizar e expandir a experiência estética do poema.
Obviamente, o texto para ser lido/cantado requer tratamento próprio e diferente do texto para ser lido/visto na página do livro, mas ambos são expressões de uma mesma força motriz, a poesia. No caso de “On-off”, ou melhor, de “Vagalumes”, a potência perene da poesia, o que faz com que o leitor retorne a ela, é turvada, alienada.
O vagalume que a poesia é fica em segundo plano. Se o ouvinte volta a ouvir a canção é para ter conforto – o que quer que isso signifique no Brasil de 2021. Parafraseando o poema de Carlos Drummond de Andrade, musicado por Milton Nascimento, Marisa Monte canta uma canção que faz adormecer os homens e as crianças. “Vagalumes” é puro acalanto. O poema “On-off” não.
Não é a primeira vez que Marisa Monte e Arnaldo Antunes “ajustam” um poema deste último para uma canção. No disco O que você quer saber de verdade temos “Amar alguém”, do livro N.D.A. (2010). Daquela vez, se o título do poema foi mantido para nomear também a canção, a seleção e a montagem dos versos foram radicais. O que poderia ser lido como um poema sobre o amor na contemporaneidade, com toda a complexidade que o tema exige, verteu-se em mais uma letra agradável, positiva, tranquilizadora. Novamente a promessa de conjunção amorosa dá o tom.
Trechos do poema como “ninguém comanda a tentação que tem / cupido não divulga quando vem / deixando o alvo tenro sem porém”, ou “os corpos vivos sofrem atração / apaixonados não têm coração”, ou ainda “amar é só continuar querendo / embora cause tanto sofrimento” não são cantados. Muito Apolo, pouco Dionísio; novamente, muita luz, pouca sombra.
A canção “Amar alguém” é assinada por Arnaldo Antunes, Dadi e Marisa Monte. No canto, mantem-se a estrutura dos quartetos presentes no poema do livro. Mas a partir da terceira estrofe os versos passam a se misturar, vindos das outras estrofes do poema. Mais do que refrão, o verso eficaz para postagens em redes sociais – “Amar alguém só pode fazer bem” – é repetido várias vezes, apaziguando qualquer ameaça de dor.
No poema, Arnaldo Antunes aciona a tradição de poemas de amor ao evocar os versos “transforma-se o amador na coisa amada, / por virtude do muito imaginar”, de Luís de Camões; bem como a tradição da canção de massa, posto que o poema termina com “por isso então não chora mais, meu bem”. A referência a “não sofra, não pense, não chore mais, meu bem”, de “Esqueça (Forget Him)”, versão de Roberto Côrte Real para canção de Mark Anthony, é evidente. Essa canção, eternizada na voz de Roberto Carlos, foi gravada por Marisa Monte para a trilha sonora do filme A taça do mundo é nossa (2003).
A rede que alimenta a poesia de livro e a canção popular brasileira é vasta e desierarquizada. Marisa Monte, cantora de voz afinada e de emissão perfeita forjada nos estudos de canto, na Portela e na escuta das canções de rádio, demonstra ter consciência disso. Basta ouvir sua discografia. Porém, nos dois casos aqui destacados, identificamos um investimento na seleção e positivação de palavras reconfortantes, uma domesticação da ferocidade da linguagem poético-cancional. Domesticação incômoda especialmente num momento em que, como diria Maiakovski, “não é tempo / de palavrinhas amorosas”.

***

Vagalumes
(Marisa Monte / Arnaldo Antunes)

Chispa chama
Recendeia
Descandeia
Refaísca

Desfagulha
Recentelha
Desatiça
Recintila

Descorisca
Relampeia
Desestrela
Reacende

Reluzente
Desilude
Renitente
Vagalume

Manhã

Pisca-pisca pesca o olho com a luz da sua isca
Quando apaga recomeça como o ar que se respira
Fogo fôlego varia como água que respinga
Uma coisa tão pequena pode transformar a vida

Manhã
 

30 abril 2021

Triste Bahia

Esquecido até o Romantismo, quando foi publicado por Varnhagen (Florilégio da poesia brasileira, 1850), só em 1968 teve-se acesso ao que se considera ser a “Obras completas” da poesia atribuída a Gregório de Matos Guerra (1636-1696), graças à iniciativa do escritor e crítico James Amado. Quatro anos depois, exilado em Londres como consequência da ditadura militar brasileira, Caetano Veloso incluiu o canto de parte do soneto “À cidade da Bahia” no disco Transa (1972). Os versos “Triste Bahia! ó quão dessemelhante / Estás estou do nosso antigo estado!” diagnosticam o estranhamento e a vontade de pertencimento do sujeito cancional de Caetano no seu primeiro disco de grupo, gravado como um show ao vivo e arranjado por Jards Macalé, Tutti Moreno, Moacyr Albuquerque e Áureo de Sousa. Se para Gregório a Bahia, capital política do Brasil colônia, era triste porque mestiça, mulata, cabocla, para Caetano a Bahia torna-se triste porque, sob o julgo da ditadura militar, a liberdade e a diversidade estão sob ameaça – aquilo que era a alegria da cidade, ou seja, a mistura, o encontro, o contraditório, encontra-se solapado.
“A alegria é a prova dos nove”, escreveu Oswald de Andrade. Alegria é a força maior, sugeriu Nietzsche. Por sua vez, “Eu quero aproximar o meu cantar vagabundo / Daqueles que velam pela alegria do mundo”, cantaria Caetano em “Podres poderes” (1984). E, de fato, a alegria trágica (em nada alienada) é um dos eixos de sua poética. Caetano resignifica os versos gregorianos “Pobre te vejo a ti, tu a mim empenhado / Rica te vejo eu, já tu a mim abundante” ao mover os parâmetros quiasmáticos do que sejam pobreza e riqueza, empenho e abundância, alegria e tristeza na canção cantada entre a realidade dos anos de chumbo e o falso “milagre econômico brasileiro” alardeado pelo governo militar.
A astúcia de Caetano está em, enunciando um poema (hoje) do cânone, problematizar a permanência e a pertinência dos mecanismos de silenciamento daquilo que extraoficialmente caracteriza a cultura brasileira, a saber: o logos vocalizado, a gaia ciência das ruas, dos terreiros, da fala sempre à margem da escrita. E isso singulariza o gesto cancional de Caetano porque todos os procedimentos técnico-persuasivos da poesia à época de Gregório são recuperados, no entanto, para inverter o ethos colonial, expor sua decadência e impertinência.
Caetano mostra que Gregório é seu (nosso) contemporâneo: ao invés do “Rica te vi” gregoriano, lemos “Rico te vejo eu”, no encarte do disco; assim como do “A mim foi-me trocando” ouvimos “A mim vem me trocando” na voz do cancionista. Essa agoridade do estado de ânimo do sujeito cancional é significativa para a construção de sentido do olhar retrospectivo e da atualidade da cidade e do país. Vejamos o verso “Estás e estou do nosso antigo estado”. À “ostensiva ornamentalidade da retórica barroca” (Oliveira, 2003, p. 37), aqui marcada na aliteração em /t/, Caetano propõe uma nova mirada no “estado antigo” do Estado atual (1970!). Para tanto, ele despreza e substitui os tercetos do poema, pondo no lugar uma profusão de significantes afro-ameríndios, rasurando e recriando o conceito de autoria e a imagem do país. Com efeito, o cancionista engendra “o cantar [de outras] verdades de todos sabidas, mas de muitos esquecidas”.
Cantar Gregório do modo como Caetano canta, inserindo versos de domínio público é também restituir a discussão em torno da autoria da poesia atribuída ao poeta. Sobre isso, Ana Lucia Oliveira destaca que: “1) não se conhece texto autógrafo de Gregório de Matos; 2) não há texto seu impresso em vida; 3) seus poemas foram recolhidos, sem nenhum critério normativo, em códices manuscritos por copistas dos séculos XVII e XVIII, que podem ter-lhe atribuído autoria da produção alheia” (2003, p. 33). Portanto, Caetano recoloca num disco de canção popular, ou seja, na boca do povo, algo que era, em origem, “público”.
Desse modo, se Gregório imitou para superar seus modelos – Gôngora, Guevedo e, no caso de “Triste Bahia!”, a Imitatio Sancta fora aplicada sobre o soneto “Fermoso Tejo Meu” do português quinhentista Francisco Rodrigues Lobo: “Fermoso Tejo meu, quão diferente / Te vejo e vi, me vês agora e viste: / Turvo te vejo a ti, tu a mim triste, / Claro te vi eu já, tu a mim contente. // A ti foi-te trocando a grossa enchente / A quem teu largo campo não resiste; / A mim trocou-me a vista em que consiste / O meu viver contente ou descontente!”, dizem os dois quartetos –, por sua vez, Caetano imita o modelo gregoriano para superar a visão limitada de Brasil que o contexto ditatorial instaura. Dito de outro modo, ao parodiar o soneto, implodindo, substituindo e corrompendo seus tercetos, Caetano inverte ironicamente, tanto o lugar privilegiado que o soneto ocupa em nossa cultura livresca, quanto o ethos eurocêntrico. Assim, a generalista e artificiosa técnica da sátira gregoriana ganha tons personalistas contraculturais do contexto do país em 1972: “triiiiiiiiiiste Recôncavo”, canta o santamarense.
Não é qualquer cancionista que consegue manipular tais referências, registrá-las em disco, colocá-las nas casas e na voz da classe média brasileira. Lembremos que é de Caetano a frase “Nego-me a folclorizar meu subdesenvolvimento para compensar as dificuldades técnicas”. Logo, mais do que uma valorização acrítica do “domínio público” nacional, Caetano identifica na potência vocal desse domínio “a mais avançada das mais avançadas das tecnologias” (“Um índio”, 1976): a gaia ciência. 
Berço do cancionista exilado, o Recôncavo Baiano foi o centro da economia açucareira escravista, concentrando inúmeros engenhos. Fundamental à época de Gregório – “Deste em dar tanto açúcar excelente / Pelas drogas inúteis, que abelhuda / Simples aceitas do sagaz Brichote”, dizem os tercetos suprimidos e substituídos na canção –, a cana doce, a “Sugar cane fields forever” como Caetano cantará em 1973 rasurando o título da canção “Strawberry fields forever” dos Beatles, reaparece na paisagem da cidade de Santo Amaro caetânica: por exemplo, “Cana doce, Santo Amaro / gosto muito raro / trago em mim por ti” (“Trilhos urbanos”, 1979) e “Que doce amargo cada vez que o vento traz / a nossa voz que chama verde do canavial, canavial” (“Motriz”, 1983). Note-se que é em “Sugar cane fields forever” que o santamarense canta “Sou um mulato nato / No sentido lato / Mulato democrático do litoral”, para desespero de Gregório, digo, das forças antidemocráticas.
Enquanto os versos atribuídos a Gregório pedem que a Bahia se feche à ameaça estrangeira – “Oh se quisera Deus que de repente / Um dia amanheceras tão sisuda / Que fora de algodão o teu capote!”, dizem os últimos versos do poema –, o projeto antropófago e tropicalista de Caetano elogia a devoração crítica da diferença, do diferente: “Enquanto os homens exercem seus podres poderes / Índios e padres e bichas, negros e mulheres / E adolescentes fazem o carnaval / Queria querer cantar afinado com eles” (“Podres poderes”). Ao tom desiludido do primeiro acorde de berimbau, seguido do icônico “triiiiiiiiiiste Bahia”, num procedimento de colagens já presente nas canções tropicalistas, Caetano justapõe: “Pastinha já foi à África / Pra mostrar capoeira do Brasil”.
Em “Triste Bahia”, acompanhado por uma massa percussiva singular, os versos “Bandeira branca enfiada em pau forte” e “O vapor de cachoeira não navega mais no mar” são repetidos num encaminhamento de êxtase, ou melhor, de “transe”, para dialogar com o título plurisignificante do disco. Quando canta “O vapor da cachoeira não navega mais no mar” Caetano novamente rasura o texto de Gregório com “triiiiiiiiiiste Recôncavo, oh, quão dessemelhante”, personalizando e atualizando as visões do purgatório-Brasil às realidades éticas e estéticas do contexto histórico. Ao canto de “Maria pegue o mato é hora, / arriba a saia e vamo-nos embora / Pé dentro, pé fora, / quem tiver pé pequeno vai-se embora” une-se “Oh, virgem mãe puríssima”, numa reiteração elogiosa ao sincretismo. Todos os símbolos religiosos dançam ao ritmo de afoxés e sambas de roda. Algo impensável à época de Gregório.
Ao combinar, repetir, encaixar e remanejar significantes sonoros e imagéticos, Caetano engendra um procedimento a la Gregório, porém, não mais para registrar uma tristeza ressentida e sim para lamentar a perda da utopia que a mestiçagem representara. “Talvez tenha sido pecado apostar na alegria”, canta em “Queixa” (1982). Ao cantar “Triste Bahia”, Caetano reverbera mais o sujeito que diz “a Bahia já me deu régua e compasso”, da canção “Aquele abraço” (1969), de Gilberto Gil. Aliás, é Gil, companheiro da Tropicália e do exílio londrino, quem canta em “Back in Bahia” (1972) a saudade da “luz do luar / do luar que tanta falta me fazia junto com o mar / mar da Bahia / cujo verde vez em quando me fazia bem relembrar”. Ou seja, é mais saudade do que ressentimento o que entristece o sujeito caetânico. Saudade da Bahia que ele cantara em “Viva a Bahia, ia, ia”, em “Tropicália” (1969), em que Bahia rima com Maria, musa invocada nos versos da canção barroco-tropicalista: "Maria, pegue o mato é hora / arriba a saia vamo-nos embora". 

ÁVILA, Affonso. O lúdico e as projeções do mundo barroco. São Paulo: Companhia das Letras, 1994.
DUNN, Christopher. Brutalidade jardim: a Tropicália e o surgimento da contracultura brasileira. Trad. Cristina Yamagami. São Paulo: Editora UNESP, 2009.
HANSEN, João Adolfo. A sátira e o engenho: Gregório de Matos e a Bahia do século XVII. São Paulo: Companhia das Letras: Secretaria de Estado da Cultura, 1989.
JULIÃO, Rafael. Triste Bahia: Caetano Veloso e o caso Gregório De Matos. In. Revista Terceira Margem, v. 21, n. 36, UFRJ, 2017. Disponível em: https://revistas.ufrj.br/index.php/tm/article/view/17831/10820
OLIVEIRA, Ana Lúcia Machado de. Breves anotações sobre a musa praguejadora da “Época Gregório de Matos”. In: ROCHA, Fátima Cristina Dias. Literatura brasileira em foco. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2003.
VELOSO, Caetano. Verdade tropical. São Paulo: Companhia das Letras, 1997.
VIEIRA, Antonio. Sermão da Sexagésima. In: Sermões I; edição crítica. Direção científica de Arnaldo do Espírito Santo. Lisboa: Centro de Estudos de Filosofia / Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 2008. p. 21-62.
WISNIK, José Miguel. Poemas escolhidos de Gregório de Matos. São Paulo: Companhia das Letras, 2010.
ZUMTHOR, Paul. A letra e a voz: a “literatura” medieval. Trad. Amálio Pinheiro; Jerusa Pires Ferreira. São Paulo: Companhia das Letras, 1993.
ZUMTHOR, Paul. Escritura e nomadismo: entrevistas e ensaios. Trad. Jerusa Pires Ferreira e Sonia Queiroz. Cotia,SP: Ateliê Editorial, 2005.


31 março 2021

Dias dias dias

Desde o primeiro momento, o poeta Augusto de Campos reconheceu no gesto dos artistas tropicalistas uma convergência com a proposta da Poesia Concreta. Usar a canção popular como suporte do poético expandia a verbivocovisualidade da poesia que, para os concretos, não deveria mais se limitar apenas ao livro, à página do papel, e precisava ganhar o corpo do artista e ser difundida na televisão - esse importante veículo de comunicação massiva. "O risco e a coragem da aventura ("A poesia - toda - uma viagem ao desconhecido", como queria Maiakóvski), estes pertencem antes a Caetano e Gil, "inventores", como pertencem antes a Tom e a João". E a música brasileira nunca precisou tanto de "inventores" como agora...", escreveu Augusto em 1968 (CAMPOS, 1978, p. 160).
Caetano também anota isso no capítulo "A poesia concreta" do seu livro Verdade tropical: "O conjunto dos aspectos instigantes na música ela mesma e da considerável articulação dos esboços de ideias que se encontravam em minhas entrevistas, chamou, desde muito cedo, a atenção do poeta Augusto de Campos. Antes de o tropicalismo ganhar corpo e nome, Augusto, tendo ouvido Maria Odete cantar "Boa palavra" no festival da TV Excelsior, e, por outro lado, tendo lido minha intervenção num debate sobre música popular na Revista Civilização Brasileira, no qual eu insistia na ênfase sobre João Gilberto e preconizava a "retomada da linha evolutiva" que este representava, escreveu um artigo chamado "Boa palavra sobre a música popular", saudando minha chegada no cenário da MPB como um fato auspicioso" (1997, p. 208). E continua: "Ninguém depois de Augusto, até que o tropicalismo estivesse nas ruas, tocou com tanta precisão os pontos-chaves dos problemas específicos da música popular de então. Seu artigo dizia, por exemplo, que os "nacionalóides" preconizavam um "retorno ao sambão quadrado e ao hino discursivo folclórico-sinfônico"; que eles queriam "voltar àquela falsa concepção 'verde-amarela' que Oswald de Andrade estigmatizou em literatura como triste xenofobia que acabou numa macumba para turistas" (VELOSO: 1997, p. 209-210).
A afinidade ética-estética entre Augusto e Caetano se verifica, por exemplo, no fato de ambos terem percebido, Caetano intuitivamente, posto que ainda não tinha contato com a crítica antropófaga oswaldiana, contato que viria a acontecer exatamente sob a mediação dos concretos, que o iê-iê-iê se transformou no Brasil, que não era mera cópia. É assim que com os poetas concretos aprendemos que poesia não é propriamente literatura e que os aspectos físicos da palavra, o papel, a tipografia, a cor e os espaços em branco são tão importantes quanto o dito: são indissociáveis, na verdade.
Augusto de Campos, Haroldo de Campos e Décio Pignatari convocaram à liberdade das grades da escrita a qual a palavra poética fora confinada desde que a musa aprendeu a escrever e o grafocentrismo ganhou a hegemonia da concretude poética. Os poetas concretos compreenderam o alerta de Oswald de Andrade: "Só atendemos ao mundo orecular". Urgia revocalizar o logos, experimentar, inventar modos de poetar que utilizassem os recursos técnicos do contexto. "A poesia concreta fala a linguagem do homem de hoje", escreveu Haroldo de Campos em "Contexto de uma vanguarda", Jornal de Letras, fev/mar, 1963). 
A tropicália agregou à proposta verbivocovisual da poesia concreta a politização do cotidiano: a presença do corpo do artista na casa das pessoas pela TV passa a ser também o conteúdo do poético. Nesse sentido, Caetano incorpora a "tensão de palavras-coisas no espaço-tempo" como previra o "Plano Piloto da Poesia Concreta" assinado por Augusto e Haroldo de Campos e Décio Pignatari em 1958. Forma é conteúdo e, em canção, o modo de dizer é tão importante quanto o que é dito. Sobre essa proximidade entre concretos e tropicalistas, Santuza Cambraia Naves anotou que, "se ambas as tendências partilham o gosto por experimentalismos, os tropicalistas, no entanto, de maneira diferente dos concretos e das vanguardas construtivistas, afeitos a ideais de racionalidade e contenção e tendentes a rejeitar grande parte da tradição estética, costumam ser mais flexíveis e abertos para os diferentes temas legados pelos repertórios culturais brasileiro e estrangeiro" (2009, p. 19).
Lembremos: o "Lance de dados" de Mallarmé, a arte ideogramática de Ezra Pound, as palavras-montagens de James Joyce, as experiências tipográficas de Cummings, a insurreição sonora e o texto polilíngue de Sousândrade, o rigor e o espinhaço da linguagem de João Cabral de Melo Neto, a antropofagia oswaldiana e a máxima de Maiakóvski - "não há arte revolucionária sem forma revolucionária" - alimentaram o paideuma concretista e, por consequinte, caetânico, cujas obras visam desautomatizar a língua, a linguagem, a pátria - atitude que Lucia Santaella chamou de "lance de um olhar de lince sobre a tradição" (1985, p. 93). Para a autora, Poesia Concreta e Tropicalismo "acabaram por produzir contra-ideologias estéticas ou estratégias culturais profundamente semelhantes. (...) Ambos foram igualmente portadores de uma mesma força contra-ideológica em relação ao ranço sentimentalóide-romântico-popularesco-ufanista (mesmo quando este se disfarça sob a voz altissonante do protesto). Ambos se situaram em cheio, sem medos e camuflagens, na dialética nacional-universal da criação" (p. 103-104).
Caetano anota que "Augusto e seu irmão Haroldo, juntamente com Décio Pignatari, formavam o núcleo do grupo de poetas que, no meio dos anos 50, lançaram o movimento de poesia concreta, uma retomada radical do espírito modernista dos anos 20 - e das idéias de vanguarda do inicio do século -, contra os pudores antimodernistas e antivanguardistas que tomaram conta da poesia e da literatura brasileiras, primeiro com os romancistas regionalistas dos anos 30 e, depois, com os poetas da chamada "geração de 45"" (1997, p. 211-212). E continua: "Gostava de reconhecer nos poemas a complexidade que, muitas vezes, à primeira vista eles não pareciam ter. Pequenos ovos de Colombo, eles poderiam parecer ao mesmo tempo demasiado óbvios e demasiado artificiosos, mas em muitos deles tinha-se de fato a experiência, defendida teoricamente pelo grupo (segundo Mallarmé), de "subdivisão prismática de uma idéia"" (1997, p. 218).
A referência desses poetas críticos pode ser percebida direta e indiretamente de vários modos na obra de Caetano. Do barroquismo verbivocovisual da canção "Batmacumba" composta com Gilberto Gil para o disco manifesto Tropicália ou Panis et circencis (1968); passando pela canção "Gilberto misterioso", feita a partir de um verso de Sousândrade, poeta revisado e fixado pelos irmãos Campos; até a vocoperformance de poemas como "Dias dias dias", "Pulsar", "Circuladô de fulô". Por exemplo, sobre “Lua lua lua lua” (Joia, 1975), Caetano comenta: "gosto de “estanca” e “branca, branca, branca”, que têm o eco de alguma coisa de Haroldo de Campos, dos poemas dele que eu lia nos anos 60 e que traziam palavras como “estanco” e “branco”” (VELOSO: 2003, p. 45-46).
Destacaria ainda a reconciliação (anti-exótica) de Caetano, via "salto participante" concretista e seu "nacionalismo crítico", com temas difíceis como "o povo do Nordeste" ou "os pobres do Brasil" presentes em várias canções. Mas é sobre a presença nítida de Augusto na poética caetânica que quero tratar aqui.
Antes, preciso lembrar que o primeiro tropicalista a registrar um poema concreto em disco foi Tom Zé, que chamou o próprio Augusto de Campos para oralizar o poema "Cidade" (1963) na abertura da canção "Senhor cidadão" (Se o caso é chorar, 1972). Vários prefixos latinos montam, iconizam a cidade. A justaposição dessa pesquisa com os versos de Tom Zé "Oh senhor cidadão, / Eu quero saber, eu quero saber / Com quantos quilos de medo, / Com quantos quilos de medo / Se faz uma tradição?" adensa a motivação antropófaga, concretista e tropicalista de uma só vez.
Parece-me significativo que Augusto de Campos tenha escolhido o poema "VIVA VAIA" para nomear e figurar na capa da coletânea que reunia três décadas de sua obra no ano de 1979. A frase de Jean Cocteau que Augusto tomou como epígrafe do livro Viva vaia - "Aquilo que o público vaia, cultive-o, é você" - singulariza a discussão do poema. Feito como uma espécie de reação à hostilidade do público dos Festivais da Canção às inovações que Caetano apresentava no palco, não estaria Augusto revivendo a própria rejeição de certo público à sua obra?
Não é a toa que no disco que acompanhava o livro ouvimos a oralização de Caetano Veloso para os poemas "Dias dias dias" (de POETAMENOS) e "O pulsar". Gravações feitas em 1973 e 1975, respectivamente. Na capa do disco Viva vaia feita por Augusto e Julio Plaza sobre foto de Ivan Cardoso temos a imagem de Caetano segurando o poema de Augusto sobre o peito. Note-se que o primeiro poema é de 1953, portanto, anterior ao "Plano Piloto da Poesia Concreta". 
"Dias dias dias" é poema-jogral que registra o que Philadelpho Menezes (1991) chamou de "fase geométrica não-figurativa". Na sua oralização Caetano Veloso faz uso da partitura cromática do poema. Cada uma das seis cores ganha um tratamento vocal, uma entonação que singulariza a sintaxe ideogramática que, por sua vez, estilhaça a nitidez de um eu previsível. Nessa justaposição de ideias (montagem), esse conteúdo passa por uma revisão constelar da história da língua portuguesa no Brasil; seja na referência ao soneto do poeta Luís Vaz de Camões, notadamente no verso "Os dias, na esperança de um só dia", seja na citação do verso "(Oh! se me lembro! e quanto!)", do parnasiano Luís Guimarães. Augusto implode o soneto, essa estrutura fixa e de conteúdo predominantemente subjetivista, feito para a memorização e para a voz, e instaura a "subdivisão prismática de uma ideia" do eu contemporâneo. Essa atitude de (quase) saturar suas obras de referências diversas, como que mimetizando a cultura brasileira, é herança crítica que Augusto e Caetano recebem de Oswald de Andrade e Sousândrade.
Na forma e no conteúdo, Augusto de Campos devora as referências portuguesas e Caetano imprime isso na voz: acelerações, passionalizações, ecos, timbres singularizam a combinação de cores que sustenta o enigma que a língua brasileira é. Se lidas separadamente, podemos restituir em cada cor/timbre resquícios (tons/matizes) da lírica amorosa que definem o poema e a canção no Brasil - essas linguagens indistintas desde a origem da poesia e cuja indistinção parece rediviva no Brasil, apesar do apelo academicista, grafocêntrico e livresco.
Dito de outro modo, o texto espacializado no vazio da página em branco trata conjunções e disjunções amorosas, revisita o lirismo tradicional e apresenta uma entidade (brasileira) fragmentada, logo, moderna, interditando, ou pelo menos dificultando, a possibilidade da figuração de um ser integral. Essa entidade vislumbrada entre os escombros da memória tipográfica - além das cores, observem-se os usos também da caixa alta e da separação incomum das sílabas - e sonora aparece fantasmagoricamente quando Caetano incorpora o canto dos versos "Volta / Vem viver outra vez ao meu lado! / Não consigo dormir sem teu braço, / Pois meu corpo está acostumado". O desejo de completude cantado por Lupicínio Rodrigues reforça a realidade espectral da voz do poema.
Se na oralização de "Dias dias dias" temos apenas o uso da voz e do piano elétrico, em "Pulsar" (1975) a percussão tem papel importante. É ela quem acompanha a voz de Caetano e sublinha as alturas timbrísticas das vogais. O = dó; E = ré - uma oitava acima do dó anterior; e A e U = sol. Novamente, Caetano se utiliza da partitura (visual) sugerida pelo poema, já que E = estrela e O = círculo, ora mais abertos, ora mais fechados, a depender da intenção da voz. Da citação de Lupicínio Rodrigues na oralização anterior passamos à referência autofágica, já que na versão de 1984 no disco Velô Caetano cita a melodia de "Não identificado" após oralizar "abra a janela e veja". Como já anotei, essa circularidade de significantes entre Augusto e Caetano é bastante frutífera. Por exemplo, na sua intradução "Sol de maiakóvski" (1982-1993), Augusto incorpora o verso "Gente é pra brilhar" da canção "Gente", de Caetano Veloso (Bicho, 1977).
Outrossim, a tópica do pulsar como signo da resiliência do ser em tempos sombrios aparece tanto nos versos "Os ruídos terão sentidos e teus sentidos perdidos / Os pulsars, os quasars, o laser, os meses / Tudo tão perto de nós", da canção "Pulsars e Quasars", de José Carlos Capinan e Jards Macalé, na voz de Gal Costa (1969), quanto em "O pulso ainda pulsa / O corpo ainda é pouco", de "O pulso", de Arnaldo Antunes, Marcelo Fromer e Tony Bellotto (Õ Blesq Blom, 1989). Seja na voz desavorada de Gal, seja na atitude dos titãs, o tema parece ressignificar as matérias que nos anos 1950 pretenderam agredir a Poesia Concreta e seus poetas: "O rock'n Roll da Poesia" (O Cruzeiro); "Rock'n Roll e poesia concreta são aspectos de um mesmo fenômeno: o de uma juventude desorientada" (Diário de Notícias).
Lembro ainda que depois de convidar Augusto de Campos para o dueto da canção homônima sobre o poema "O verme e a estrela", do poeta simbolista Pedro Kilkerry, no disco A fábrica do poema (1994), Adriana Calcanhotto canta o poema "Sem saída", de Augusto, no disco Maré (2008). Diferentemente do procedimento de Caetano Veloso em "Dias dias dias", Calcanhotto uniformiza em sua performance vocal o colorido e labiríntico poema verbivisual. Aquilo que em cada linha/cor - "Curvas enganam o olhar" - serve para embaralhar e interditar a saída - "Não posso ir mais adiante / Não posso voltar atrás" - é cantado com uma passionalização linear imprevista por um sujeito "sem saída": "Nunca saí do lugar". O que não deixa de também revelar uma certa leitura crítica de Calcanhotto.
Como já adiantei, Caetano regrava "Pulsar" em Velô (1984). Se a princípio o título do disco remete a uma economia do nome do cancionista (Velô de Veloso), plurissignificando a palavra, como ele mesmo já fizera com "better, better, beta, beta, bethânia" (Caetano Veloso, 1971), o termo também pode ser lido como uma permanência da referência concretista, ou seja, uma citação do poema "Velocidade" (1957) de Ronaldo Azevedo, mais especificamente a quarta linha - "VVVVVVVELO". Seja como for, sem significativas mudanças melódicas e de arranjo, a oralização do poema aparece ainda em Caetano Veloso (1986) e Fina estampa ao vivo (1995). Mais recentemente, durante a pandemia de covid-19 (2020) e diante da ascensão de um governo autoritário no Brasil, acompanhado de seus três filhos, Caetano oralizou "Pulsar" em uma live disponível na plataforma Globoplay: retorno de "o pulsar quase mudo" em tempos sombrios, "Que nenhum sol aquece / E o oco escuro esquece".


CAMPOS, Augusto de. Balanço da bossa e outras bossas. São Paulo: Perspectiva, 1978.
CAMPOS, Augusto de; CAMPOS, Haroldo de; PIGNATARI, Décio. Mallarmé. São Paulo: Perspectiva, 2006.
MENEZES, Philadelpho. Poética e visualidade: uma trajetória da poesia brasileira contemporânea. Campinas: Unicamp, 1991.
NAVES, Santuza Cambraia. Velô, de Caetano Veloso. Rio de Janeiro: Língua Geral, 2009.
SANTAELLA, Lucia. Convergências: poesia concreta e tropicalismo. São Paulo: Nobel, 1986.

 


28 fevereiro 2021

Escapulário

A intertextualidade entre a obra de Caetano Veloso e a obra de Oswald de Andrade tem sido bastante comentada na fortuna crítica do cancionista. As referências à obra de Oswald muitas vezes são feitas de forma indireta, aparecem como reminiscências do leitor-cantor. Aliás, a obra cancional de Caetano tem essa qualidade de exigência: para fruir e entender uma canção caetânica o ouvinte precisa ter conhecimentos – de cultura letrada e oral, massiva e canônica.
Por exemplo, em 1971, Caetano publica um poema-montagem no jornal contracultural Flor do mal com várias citações, colagens, referências e, entre outras visões da nacionalidade, ele justapõe: "não quero o reino dos céus: / só me interessa o que não é meu. // a cruz do crucificado: / o chico e o roberto carlos // mesmo do lado de fora: / não permita deus que eu morra" (VELOSO, 1977, p. 82).
É esse Caetano que cita e ressignifica o aforismo oswaldiano "só me interessa o que não é meu" que quero comentar, ao propor uma leitura da canção "Escapulário" (Joia, 1975), feita a partir do poema homônimo de Oswald (Pau Brasil, 1925). Nele a herança católica brasileira é devorada através do uso parodístico e recontextualizado da oração "Pai Nosso", como veremos. Os discos complementares Joia e Qualquer coisa são acompanhados por manifestos. Na terceira estrofe (ou parágrafo; ou aforismo) do "Manifesto do movimento Joia" lemos: "respeito contrito à ideia de inspiração. jóia. meu carro é vermelho. inspiração quer dizer: estar cuidadosamente entregue ao projeto de uma música posta contra aqueles que falam em termos de década e esquecem o minuto e o milênio". Reafirma-se o questionamento da herança: gesto oswaldiano. Daí também porque Caetano evocar e embaralhar (supostos) opostos - Chico Buarque e Roberto Carlos - no poema de 1971.
Se "Escapulário" é o poema que abre o livro Pau Brasil, a canção homônima, ou, o poema cantado em ritmo de samba, com o coro de As gatas (do programa do Chacrinha), a percussão do grupo Cream Crackers e a bateria de Tuty Moreno, fecha o disco Joia de Caetano. Parece coerente que depois de evocar a musa - "Minha mulher" -; cantar os elementais da paisagem brasileira - "Guá", "Pelos olhos", "Asa, asa", "Lua, lua, lua, lua" -, singularizar a potência da gente que vive aqui - "Canto do povo de um lugar", "Pipoca moderna", "Joia" - e abrir-se ao mundo - "Help", "Gravidade", "Tudo, tudo, tudo", "Na asa do vento", o instinto de nacionalidade de Caetano engendre um samba, "o grande poder transformador", como cantará em "Desde que o samba é samba" (Tropicália 2, 1993). "Bárbaro e nosso. A formação étnica rica. Riqueza vegetal. O minério. A cozinha. O vatapá, o ouro e a dança", escreveu Oswald no "Manifesto da Poesia Pau Brasil".
Está posta a discussão da poesia que, segundo Oswald, "existe nos fatos". Os significantes do pensamento e da poética, logo, da ética e da estética oswaldianos espraiam-se de modo singular na obra de Caetano. E "Escapulário", com sua des-ressacralização do sagrado (a oração), pelo profano (o samba), é um bom exemplo disso. Caetano entende a "rubrica" deixada por Oswald na edição de 1925 impressa pelo "Sans Pareil" de Paris: "Pau-Brasil. Cancioneiro de Oswald de Andrade". Ou seja, Caetano vocoperforma um texto que pede a voz, a vocalização, o corpo carnavalizado do sujeito poético. Caetano realiza o desejo oswaldiano, a saber: "a carnavalização antropofágica que rompe com o dominador usando-o satiricamente como a própria arma de luta", elabora Bina Friedman Maltz (1993, p. 10).
Mas a relação entre os dois poetas tem mais filigranas de intimidade. Como não reconhecer nos versos de "Enquanto seu lobo não vem" (Tropicália ou Panis et circensis, 1968) - "Vamos passear na floresta escondida, meu amor / Vamos passear na avenida / Vamos passear nas veredas, no alto meu amor / Há uma cordilheira sob o asfalto / (Os clarins da banda militar...) / A Estação Primeira da Mangueira passa em ruas largas / (Os clarins da banda militar...) / Passa por debaixo da Avenida Presidente Vargas / (Os clarins da banda militar...)" - ecos carnavalizantes, irônicos de "Na avenida / A banda de clarins / Anuncia com os seus clangorosos sons / A aproximação do impetuoso cortejo" (Pau Brasil)? E não é a mesma avenida que no final de O santeiro do Mangue surge: "Não há mais o Mangue, dizem / - Aquela nojeira! / Puseram por cima do Mangue Timoschenko / Os lustres / Duma avenida ilustre"?
Do mesmo modo que os versos "Nem quero saber se o diabo / Nasceu foi na Bahia / O trio elétrico / O sol rompeu / No meio dia" ("Atrás do trio elétrico") parecem parodiar o aforismo 13 do “Manifesto antropófago”, que diz: “Nunca fomos catequizados. Vivemos através de um direito sonâmbulo. Fizemos Cristo nascer na Bahia. Ou em Belém do Pará”. Se Oswald escreveu esse aforismo inspirado no maxixe “Cristo nasceu na Bahia”, de Sebastião Cirino e Antônio Lopes de Amorim Diniz (Duque), de 1926 – “Dizem que Cristo nasceu em Belém”, diz o primeiro verso da letra –, Caetano inverte as potências e tenciona o polo diabólico, amalgamando literatura e canção (cultura popular), gesto modernista condensado no aforismo 17 “Só podemos atender ao mundo orecular”, ou seja, fazer do ouvido oráculo, restituir a ontológica potência vocal da poesia, que Caetano mantém e desenvolve.
Caetano Veloso é baiano de Santo Amaro, autor dos versos "O carnaval é invenção do diabo / Que Deus abençoou / Deus e o diabo no Rio de Janeiro / Cidade de São Salvador / (...) / Cidades maravilhosas / Cheias de encantos mil / Cidades maravilhosas / Dos pulmões do meu Brasil" ("Deus e o diabo"), que, por sua vez, ao espelhar a Bahia no Rio, parecem desdobrar o aforismo dois – “O Carnaval no Rio é o acontecimento religioso da raça. Pau-Brasil. Wagner submerge ante os cordões de Botafogo. Bárbaro e nosso. A formação étnica rica. Riqueza vegetal. O minério. A cozinha. O vatapá, o ouro e a dança” – do “Manifesto da Poesia Pau Brasil”. Essa horizontalidade entre o maxixe e Wagner interessou a Oswald e repercute na obra de Caetano.
Voltando a tratar de "Escapulário", e ampliando o jogo intertextual oswaldiano, como não identificar no pedido do sujeito do poema - "Dai-nos Senhor" -, a súplica de Eduleia, personagem de O santeiro do Mangue? "Onde estás Senhor que não ouves o canto sangrado da prostituta, a prostituta que quer sair desta vida, que não faz para comer", clama aquela a quem só restam "a cachaça e o amô", ao invocar o corrosivo Jesus das Comidas, que, por sua vez, ao final do colóquio, diz "Eu me recolho ao Corcovado", revelando o Senhor do "Pão de açucar" a quem o sujeito de "Escapulário" roga. Além disso, na "Oração do Mangue", temos "os braços parados do Cristo / do Corcovado". Essa circularidade de significantes, essas autorreferenciações via assimilação crítica, também ocorrem com frequência no cancioneiro de Caetano. São muitos os versos retornados, reelaborados.
Podemos supor ainda que é dos versos de O Santeiro ("Tem por sentinelas / Equipagens e estrelas / Taifeiros madrugadas / E escolas de samba") que Caetano recolhe o ritmo eficaz para a canção "Escapulário": o samba! Note-se que o termo "escapulário" aparece em O santeiro do Mangue, quando o Coro canta "Vam fudê vam / Vam buchê vam / Temos um escapulário aqui / E duas troquesa lá / Vem cá". Do mesmo modo que a referência ao determinismo conformista religioso ecoa em "Será feita a sua vontade" no trecho "Uma criança não tem defesa / Nasceu norro / É fêmea / O que ela vai ser? / O que a sociedade mandar / Será feita a sua vontade / É destino / Das classes / Menos favorecidas". Para o saudoso professor Renato Cordeiro Gomes, "a este teocentrismo, Oswald, à maneira de Brecht, opõe o sociocentrismo. Informado pela filosofia marxista, vê a religião como ópio do povo, motivo de alienação e instrumento para manter imutável uma ordem social injusta, de privilégios, comprometida com a sociedade capitalista, burguesa e cristã" (1985, p. 29-30).
Percebe-se que não é à toa que O santeiro do Mangue é dedicado à "poesia em Cristo" de Murilo Mendes e Jorge de Lima. Eis o polêmico Oswald em ação: "O pau nosso de cada dia", diz um São Tesão em sua contra-ideologia; "O pau nosso / Dai-nos hoje", diz o Coro das Mulheres de Jerusalém. Ou seja, "efetua-se um jogo de forças: a questão religiosa permanece como um substrato que borra a superfície do texto, como num jogo dramático entre coadjuvante e protagonista" (GOMES, 1985, p. 34). Interações dialéticas, tomemização do tabu, assim como quando Oswald nomeia Seu Olavo o santeiro de seu poema dramático. Uma referência ao "príncipe dos poetas" Olavo Bilac? "Desde Bilac / Somos internacionalistas e portugueses juniors", escreve no poema "Estrondam em ti as iaras"; "Por que será que só no Mangue inda compra santo?", pergunta em sua ópera-chanchada. "Nunca fomos catequizados. Fizemos foi Carnaval. O índio vestido de senador do Império. Fingindo de Pitt. Ou figurando nas óperas de Alencar cheio de bons sentimentos portugueses", defende no aforismo 24 de seu "Manifesto antropófago". Que poesia é essa que circula no Brasil? A quem ela se destina? De quem? Por quem? "O estado de inocência substituindo o estado de graça que pode ser uma atitude do espírito", escreve Oswald no "Manifesto da Poesia Pau Brasil".
Há ainda a crítica ao modo de vida burguesa nos versos "Eu quis cantar minha canção iluminada de sol / Soltei os panos sobre os mastros no ar / Soltei os tigres e os leões nos quintais / Mas as pessoas na sala de jantar / São ocupadas em nascer e morrer" (“Panis et circenses”, de Caetano Veloso e Gilberto Gil) que, sintomaticamente, repercute por reminiscência o aforismo "A Poesia Pau-Brasil é uma sala de jantar das gaiolas, um sujeito magro compondo uma valsa para flauta e a Maricota lendo o jornal. No jornal anda todo o presente.", do "Manifesto da Poesia Pau Brasil". Ou seja, a pregnância da obra de Oswald na obra de Caetano é vasta e significativa.
Poderia ainda listar diálogos entre os versos "Mucosa roxa, peito cor de rola / Seu beijo, seu texto / Seu queixo, seu pelo / Sua coxa" ("Deusa urbana", , 2006) e o sexo no Mangue: "Mucosas / (...) / Cor de coxa nua"; entre o Mangue enquanto "desafogo dos machos, válvula de garantia das famílias e gáudio honesto dos imperialistas em trânsito" e o brado "Seja imperialistas!", da canção "Língua" (Velô, 1984) - canção, aliás, que tem o enigmático "Será que ele está no Pão de Açúcar?" - ele quem? O Jesus das comidas de O Santeiro do Mangue? Esse poema dramático que, assim como Caetano citou Gonçalves Dias no poema de 1971, diz: "Ó leques das Palmeiras do Mangue / Suave Mangue / Sob o cristal da noite estelar / Pareceis abonar as felicidades meretrícias / Que psalmodiam / Com Deus me deito / Com Deus me levanto / Esmeraldas noturnas / Para os caçadores dos palmares do Mangue".
É conhecida a paródia "Minha terra tem palmares / onde gorjeia o mar" ("Canto de regresso à pátria", de Pau Brasil, 1925) que Oswald faz para "Minha terra tem palmeiras, / Onde canta o Sabiá" ("Canção do exílio", Primeiros cantos, 1847), de Gonçalves Dias. Cânone em constate revisão é um gesto antropófago de Oswald, de Caetano, quando canta a idílica juventude na terra natal: "Itapuã / Quando tu me faltas, tuas palmas altas / Mandam um vento a mim / Assim, Caymmi", canta em "Itapuã" (Circuladô, 1991).
Caetano regravou a canção "Escapulário" no disco Abraçaço ao vivo (2014), quando forças ultraconservadores novamente começaram a ameaçar a democracia e a utopia antropofágica defendida por Oswald e Caetano. Sintomaticamente, "Escapulário" aparece entre as canções "Estou triste" e "Funk melódico", ou seja, entre o diagnóstico e a terapia: a metáfora - a poesia, que "existe nos fatos". É bom lembrar que a capa do disco Joia foi censurada pela ditadura civil-militar na época do lançamento. Os corpos nus do cancionista, de Dedé (mãe de seu filho) e Moreno (seu filho) desenhados incomodaram a pudica sombra desumana dos moralistas.
A pergunta da canção "Podres poderes" (Velô, 1984), que aparece como síntese do poema dramático oswaldiano, ainda tem pertinência: "Será que nunca faremos senão confirmar a incompetência da América católica, que sempre precisará de ridículos tiranos?". Essa parceria crítica entre Oswald de Andrade e Caetano Veloso finca posição aqui. Do mesmo modo que, se O santeiro do Mangue termina com um canto de esperança e desejo de uma sociedade onde "não existam mais os reis do Mangue", nem "senzalas Atlânticas", a obra de Caetano empenha-se no "otimismo programático", conforme afirmou na live feita com Paul B. Preciado, sob mediação de Ángel Gurría-Quintana para a FLIP em 05 de dezembro de 2020.

ANDRADE, Oswald de. O Santeiro do Mangue. São Paulo: Globo, 1991.
GOMES, Renato Cordeiro. Plural de vozes na festa (?) do Mangue - uma leitura de O santeiro do Mangue, de Oswald de Andrade. Dissertação de Mestrado. PUC-Rio, 1985.
MALTZ, Bina Friedman. Antropofagia e tropicalismo. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 1993.
VELOSO, Caetano. Alegria, alegria. Uma caetanave organizada por Waly Salomão. Rio de Janeiro: Pedra Q Ronca, 1977.
VELOSO, Caetano. Verdade tropical. São Paulo: Companhia das letras, 1997.

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Escapulário

No Pão de Açúcar
De Cada Dia
Dai-nos Senhor
A Poesia
De Cada Dia