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28 abril 2024

De uma a outra ilha


"(...) há de se impelir na imaginação o movimento que conduz o homem à ilha. É só em aparência que um tal movimento vem romper o deserto da ilha; na verdade, ele retoma e prolonga o impulso que a produzia como ilha deserta; longe de compromete-la, esse movimento leva-a à sua perfeição, ao seu apogeu. (...) A ilha seria tão-somente o sonho do homem, e o homem seria a pura consciência da ilha", escreveu Gilles Deleuze em "Causas e razões das ilhas desertas" (trad. de Luiz Benedicto Lacerda Orlandi). Evoco Deleuze para comentar o poema-livro DE UMA A OUTRA ILHA, de Ana Martins Marques, não apenas porque a poeta utiliza aquilo que o filósofo chamou de “diferença e repetição”, basta observar os vários deslocamentos de trechos, versos, temas dentro do poema-livro (de "dinheiro, celular, cigarros" do refugiado, às apropriações de matérias jornalísticas, de textos de Anne Carson, de versos de Safo), mas porque é nessa verve metalinguística inter e intratextual que o texto de Marques se realiza. Colchetes, travessões, itálicos, espaçamentos, asteriscos, incorporação da linguagem jornalístico-documental arquivam (porque re-velam) a voz cuja partitura se perdeu; "toda a música de Safo / se perdeu", lemos em Anne e em Ana. Para tanto, DE UMA A OUTRA ILHA justapõe temporalidades (na montagem dos pedaços do óstracon, suporte do poema sáfico, metáfora das subjetividades dos exilados e refugiados de agora), efetivando "o trabalho dos séculos: (...) disfarçar que o mundo é pobre / sobrepondo-lhe / adereços". Mas não para fugir do "real", ao contrário, expô-lo e comover, exigindo e propondo a ação de quem lê. O que conduz a poeta à ilha não é o que conduz o refugiado à ilha. A consciência ética e estética dessas conduções suplementares está no meio do livro-poema, quando Ana Martins Marques elenca o que se perde ao sobreviver. O apogeu de DE UMA A OUTRA ILHA está em ser (fazer quem lê experimentar) a "porcelana trincada" que todo poema deveria ser, ao exigir de quem lê cuidado e atenção com o deserto da língua e da linguagem poética viva.

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