No
livro em que analisa o disco GUERREIRA Giovanna Dealtry manipula o
adjetivo-título a fim de apresentar a voz que canta e a voz que vive por
trás da voz que canta: Clara Nunes, cantora que assumiu na vida fora
dos palcos gestos que a inscreveram na história de nossa canção popular
como a tal mineira, criada no samba, filha de Ogum com Iansã, mulher
guerreira. Note-se, numa cultura e sociedade machista e misógina, ser
"guerreira" é um emblema que amalgama o veneno e o remédio de toda
mulher. O canto de Clara flexiona essa destinação. Nesse sentido,
"Clara, aqui, não se fixa, mas desloca-se constantemente entre a
profusão de elementos que compõem sua vida pessoal e sua carreira",
escreve Giovanna. Para a autora, na obra de Clara "as diferenças não
desaparecem, não são subtraídas, mas somam-se em um todo complexo,
sempre mutável e, por isso mesmo, vivo e potente". Sendo intérprete,
Clara Nunes coassinou na voz e no corpo as canções de compositores de
diversas expressões, mas mais evidentemente o samba, esse ethos em que
nossos tabus são totemizados. GUERREIRA é disco, é adjetivo e é livro,
verte-se em significante da cantora que, "no auge de seu domínio vocal e
interpretativo", cantou e viveu os versos "Dentro do samba eu nasci /
Me criei, me converti / E ninguém vai tombar a minha bandeira". Bandeira
da fé na festa que Giovanna Dealtry tão bem analisa e nos re-apresenta.
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