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17 março 2024

A superfície dos dias


"Ao escrever, criamos vínculos vitalizantes por meio dos gestos perceptivos", a frase com que Luiza Leite (quase) encerra o livro A SUPERFÍCIE DOS DIAS encapsula o subtítulo do volume: "O poema como modo de superfície". Ao longo do ensaio, a autora arma uma trama de citações a fim de defender que "a exigência da inspiração desaparece porque a poesia está em tudo". Antes de pensar que "a poesia está nos fatos, no cotidiano", como pensavam os modernistas, o texto pensa a poesia das anotações, dos improvisos, das rasuras, dos rascunhos. Isso se inscreve no corpo do texto. Por exemplo, há uma voz narrativa no texto de Luiza Leite que, "de repente", lembra de situações, faz "uma pausa na escrita por causa do vento na varanda" e é nesse intervalo entre uma escrita e outra que surge "o poema". Logo, o pensamento crítico surgiria, assim, fenomenologicamente, entre uma leitura e outra, entre uma citação e outra. Laurie Anderson, Walter Benjamin, Emanuele Coccia, Hans Magnus Enzensberger, Tamara Kamenszain, Airton Krenak, entre outras referências bibliográficas, dançam no texto que se quer prazeroso, como pensara Roland Barthes. Olhando poemas de William Carlos Williams, Eileen Myles e Frank O’Hara a autora conclui que "o inacabamento e o improviso fazem parte dessa poesia cheia de pensamentos impulsivos que reserva um lugar especial para a noção de arte amadora" e assim define sua própria escrita em torno d'A SUPERFÍCIE DOS DIAS - superfície plena de profundidades em busca permanente do inaugural e que em muito lembra a voz inquieta da Água viva clariciana.

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