Resenha
escrita via whatsapp pelo grupo de pesquisa POESIA E TRANSDISCIPLINARIDADE: A
VOCOPERFORMANCE para o texto “Língua, ritmo e
vida”, de Henri
Meschonnic. Extratos traduzidos por Cristiano Florentino. Revisão de Sônia
Queiroz. Belo Horizonte: FALE/UFMG, 2006.
O texto de Henri Meschonnic trabalha
com vários conceitos e faz um apanhado de diferentes perspectivas acerca da
díade voz-escrita, opondo-se veementemente a este binarismo, pois o autor tem
um olhar bastante crítico tanto para a forma como a voz vem sendo
instrumentalizada e significada (a própria investidura do signo é posta em
cheque) quanto para recortes específicos e limitantes do oral (como a linguagem
falada). Ele destaca a combinação, a complementaridade entre oral, falado
(“registro popular”, sem interferência de editor) e o escrito. Dá o exemplo de
um poema, que escrito, acaba não sendo escrito nem falado, mas pode estar nos
dois (escrita e fala), ressaltando que literatura não tem que ser oralidade e
escrita (bipartição da literatura), mas fala (tripartição) também (p. 25). O
autor cita alguns teóricos e estudiosos que contribuíram para a afirmação deste
modelo binário, dentre eles, Céline e Bakhtin (p.26-28).
Por exemplo, para Meschonnic, a análise
de Paul Zumthor é incapaz de demonstrar a existência da dicotomia
oralidade/escritura e da especificidade da poética oral. Contradições como a
que ele observa aqui: “Se a voz é ‘o instrumento da performance’, não é somente
como fonia e performance, mas prosódia e sintaxe, visão da voz, as palavras
tornando-se visão”. Meschonnic também não é muito afeito aos critérios
qualitativos de Zumthor, com sua valorização do ritmo (que Meschonnic chama de
“supervalorização”) e da gestualidade performática: nesse sentido, Meschonnic,
que já havia se demonstrado crítico em relação à conveniente categorização dos
gêneros, aponta para uma confusão entre modalidades de voz, que existem
independentes do juízo estético, com especificidades genuínas de uma
poeticidade oral. “Toda biologização da linguagem reforça o instrumentalismo do
signo” (p. 45), ou seja, focar na voz enquanto um mecanismo para a linguagem ou
a palavra é tirar seu real valor, já que ferramentas podem ser substituídas,
por exemplo. Ela não é um instrumento para que algo aconteça, ela é a coisa em
si, a linguagem, não seu instrumento para ela.
Desde o império da escrita, o poema
tornou-se o lugar da crítica para a oralidade, a literatura e a escrita, já que
“revela uma solidariedade entre a oralidade e o sujeito, o que leva a colocar
de outra maneira a relação estabelecida entre o escrito e o oral” (p. 16). O
sujeito foi, durante algum tempo, escondido nos estudos sobre oralidade e
escrita, o que deu força para, segundo o autor, o fracasso desse estudo. O
intuito do estudo passou a ser a revalorização da análise do discurso com base
no discurso, não nos conceitos da língua para o discurso. A crítica começou na
linguística, na qual teve o ritmo como o regente do discurso, em que boca e
orelha eram os principais órgãos para a análise da oralidade (p.17).
Henri se utiliza de dois campos para
falar de oralidade: a tradução, na qual a oralidade altera a forma com que ela
é feita; e textos literários antigos (com foco para o estudo e o ensino), que,
pela filologia mostra que somos “analfabetos na oralidade” (p.19). Ele
exemplifica a questão da pontuação numa edição para tradução ou um texto
teatral, considerando o editor como juiz, não o leitor ou o autor, a pontuação
pode alterar o sentido do texto, a história de um poema, por exemplo.
A pontuação, na poética de um texto,
equivaleria a um gestual, na visão de Meschonnic, pois todos os elementos
gráficos atuariam como elementos de ritmo. O autor atribui extrema importância
à relação do ritmo e da escritura, mas o ritmo do texto poético é distinto do
ritmo que encontramos na música, por conta dos intervalos regulares da poesia. Nesse
sentido, Meschonnic dificilmente seria receptivo à ideia de equivaler uma
canção a um poema, já que seus juízos de valor ainda são muitíssimo dependentes
de paradigmas tradicionais, canônicos, ainda que critique justamente o
tradicionalismo (no caso, linguístico) que lhe parece turvar uma realidade que
de outro modo seria mais evidente: o falado e a escrita como contrapartes
discursivamente organizadas pela oralidade. Sob o jugo do signo, o autor aponta
que a oralidade, pelo menos quando entendida em seu sentido estrito, não se
resume a esse registro popular, que pode se separar ou virar uma subcategoria
do oral: o falado. É nessa esteira que ele cita autores como Joyce, que
subtraem do oral e trabalham sua escritura de forma inventiva e singular, cujas
contribuições disruptivas enriquecem a língua como um todo ao mesmo tempo em
que a subjetivizam com códigos específicos, novos, do mesmo modo que Guimarães
Rosa em Grande Sertão: Veredas ou, em
proporção e relevância muito menores, Paulo Leminski em Catatau.
No capítulo "A oralidade,
poética da voz", ao aproximar o conceito de oralidade a voz do corpo,
Meschonnic aponta para a importância da escuta como parte da voz (p. 44).
Porém, vale ressaltar que a voz, sendo "ferramenta de expressão de si"
(p. 45), é parte indispensável se comparada aos demais instrumentos, pois ela
não se refaz (p. 45). A voz também é a expressão íntima que exterioriza estado
emotivo, o que não acontece, por exemplo, com as palavras (p. 46). E isso, no
texto, será abordado de uma forma interessante quando o autor explícita a
relação de independência da voz em relação a linguagem, como ocorre na música.
Sendo assim, é importante frisar que a voz antecede o sentido. Para isso, Henri
Meschonnic ilustra a prática de ensinar as crianças a se expressarem por
palavras e frases, o que anteriormente, elas produziam pela voz (p. 47), ou
seja, o som sem o logos.
Enfim, o texto aborda a diferença
e/ou complementaridade entre língua falada e escrita. Henry usa a definição e
método de explicação de alguns autores, que apresentam a bipartição ou
tripartição da literatura (oral, fala e escrita; fala, escrito e escritura)
para definir a oralidade e melhor compreendê-la. O autor ressalta que deve-se
levar em consideração a maneira que o oral é ensinado nas escolas e cita o
estruturalismo e a semiótica que contribuem mais para a confusão entre língua
falada e língua escrita. A discutível conclusão do autor é que a oralidade é da
ordem do discurso, da enunciação: ela é uma espécie de liga rítmica entre o
falado e o escrito, sendo estes solidários. Na contramão da especificidade,
Meschonnic parece acolher uma generalidade. Daí vem a reflexão sobre a
“espacialização” ou “essencialização” do oral enquanto “dessubjetivação” da
voz.
MESCHONNIC,
Henri. Língua, ritmo e vida. Extratos
traduzidos por Cristiano Florentino. Revisão de Sônia Queiroz. Belo Horizonte:
FALE/UFMG, 2006.
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