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29 junho 2025

Anastácia e a máscara


O livro ANASTÁCIA E A MÁSCARA tensiona ética e estética brasileiras, com rigor formal e tema urgente. Henrique Marques Samyn promove uma revisão crítica do cânone, ou seja, estimula a imaginação daquilo que sempre esteve aqui - o corpo negro e a subjetividade negra -, mas que foi recalcado pelo processo de embranquecimento de nossa cultura, daquilo que definimos enquanto traços de brasilidade. Destaca-se a imaginação de Anastácia (título e imagem de capa do livro) e Rosa Egipcíaca, mulheres negras que precisam ser cantadas em prosa e versos para que suas memórias sejam cultivadas e se mantenham presentes. (A leitura de ANASTÁCIA E A MÁSCARA me lembrou que minha avó benzedeira tinha uma imagem de Anastácia no altar de sua casa no interior da Paraíba, à margem do rio, onde lavava roupa para ganhar a vida). O "nada" em destaque no poema "Na esquina, espreita a sombra" dialoga com o "nada" em destaque no poema "Soam mais alto as vozes", exigindo de quem lê a compreensão de que é uma poética o que está em jogo no conjunto de poemas Henrique. Essa poética é voz coral que imagina o que "ouve" (escuta) mais do que o que "houve" (aconteceu), já que o acontecido aparece dado nos livros canônicos, livros escritos pelas máscaras brancas. Manejando rigor formal e ancestralidade, o trovador Henrique canta - no caso de Anastácia, sempre com três quartetos e dois dísticos (todos em decassílabos); no caso de Rosa, os versos livres dão conta de presentificar os vários nomes dados a mulher por trás do mito, mas apoiados em redondilhas, metro mais comum na língua falada no Brasil. Por sua vez, na contramão do patriarcado, me parece que "Soneto ao não-jogador de futebol" é uma resposta às imposições do "macho, adulto, branco sempre no comando" e suas faces patriarcais que se revelam, inclusive, no uso dos metros e das regras historicamente legitimadoras de quem é ou não é homem. Assim como "Arte poética" inscreve o debate sobre ser ou não ser poeta: quem pode? Quem decide? As vozes filtradas por Henrique respondem. Em ANASTÁCIA E A MÁSCARA temos saber oral e saber livresco em tensão, em disputa sobre o que ficou e o que fica registrado na cultura. 

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