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26 janeiro 2025

Cantáteis


Desde o primeiro disco - "Aos vivos" (1995), a poética de Chico César é marcada pela justaposição da experimentalidade da poesia de vanguarda (vide as referências a Mallarmé) e da espontaneidade do repente (vide os versos de "Beradêro"). Essa quebra na hierarquia do que se supõe "sofisticado" e "popular" promove uma poética autêntica, erudita, autoral. Mais conhecido como poeta da canção, Chico César registra em CANTÁTEIS o mesmo gesto de romper as fronteiras entre escrita e voz. No longo poema composto por 141 estrofes de 11 versos heptassílabos (ou redondilhas maiores - sete sílabas poéticas) o autor tece considerações acerca do que de folclórico resiste à cidade moderna, aos tempos modernos. E vice-versa. A voz poemática em “vida de cigania” entre Paraíba e São Paulo, retirante, transeunte e cordelista canta de um lugar imaginário e faz isso num erótico jogo de sedução com a musa. O livro é ilustrado com xilogravuras de João Sanchez, adensando o tom da literatura de cordel da obra, e acompanhado por CD com a voz de Chico declamando os versos que citam Barthes, Clarice, Govinda, Frida. Aliás, César cita numa mesma estrofe Sílvio Santos e Ezra Pound, noutra cita Schoenberg, Dominguinhos e Oliveira de Panelas, e constrói uma relação horizontal comparando sentimentos incomparáveis no nível da razão. Os quiasmos – “Com um carinho do caralho”; “brasa dormida e fogosa”; “som de ouro e fina prata”; “ruído ruim fica bom”; “os Andes, os abricós”; “lucidentas loucuras”; “margarina com canção”; “enormidade pequena”; “claridade obscura”; “mulher fêmeo”; “homem macha”; “a doçura da amiga / a libido da amante”; “cactos delicatessen”; “Lilith apascentada” – se unem a neologismos – “aquelestra”; “bartoquesas e hermetices”; “fiquitices”; “dendendengo”; “brinbrincagem”; “signagem frainxus”; “excitabundo”; “paixoneira”; “musassim” – para compor a trama neobarroca de carnavalização do tempo: “paro penso repenso reparo / repasso pasado e futuro / (…) / representando o presente / preteritei guarnicês / guaxinins e tietês / que mordem e afogam gente”. Sejam nas canções, seja na poesia escrita, Chico César vem inscrevendo uma bioescrita no imaginário poético nacional: “digo isso digo aquilo / digo tudo que se disse // (...) // quero que o mundo se acabe / se não disser o que sinto”. Ouvinte, “zaratustra-zoroastro”, o poeta satírico diz o que se disse, rearranja o dito, o sabido, o ouvido e afirma-se grande na linha da poesia popular. Os "cantos elegíacos de amozade" do livro CANTÁTEIS é excelente prova disso.