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27 outubro 2011

De onde vem a canção

Ao que tudo indica, quando lemos um texto em voz alta estamos mais atentos ao conteúdo dele. Enquanto que quando cantamos o que importa é a expressão daquilo que é dito (cantado). Há uma vitalidade intrínseca que diferencia a palavra falada da palavra cantada. E essa vitalidade está manifesta na voz: é representada pelo sopro de ar que atravessa o corpo e se encorpa na garganta.
Obviamente os níveis de aproximação entre um ponto e outro são tenues e frágeis. Ou seja, pode haver, e muitas vezes há, conteúdo no canto, assim como pode haver expressão na leitura. Na leitura de um poema, por exemplo, o leitor, em geral, busca apresentar a trajetória do sujeito-lírico trabalhando a tessitura entoativa.
E assim caímos no campo das paixões. É calcado na paixão que o leitor e/ou o cantor imprimem mais ou menos vitalidade à palavra que seus pulmões lançam no ar depois de tocar (e ser tocada por) sua garganta, úvula e impregnar-se de saliva, na boca.
As canções, deste modo, são regidas pelo sensível, que, por sua vez, é a base da cognição. Pensar tais coisas exige a vocalização do logos. Exige reconhecer que nem só de escrita vive o Homem, mas também daquilo que é dito, cantado. Neste ponto, Freud poderia dizer que "o homem é dono do que cala e escravo do que fala. Quando Pedro me fala sobre Paulo, sei mais de Pedro que de Paulo".
Seja como for, há um gradiente de possibilidades entre a intenção do autor e a intenção do leitor. Para nós, é impossível falar sem fazer uso da curva melódica. Enquanto que um cantor trabalha a dicção de cada coisa que canta, faz escolhas e explora intensidades - acelerações, desacelerações.
Como mensurar a importância da leitura em voz alta à cultura e à construção de conhecimento, quando o acesso ao mundo da escrita era mais restrito? E até que ponto o leitor (sua voz: escolhas entoativas) interferiu na transmissão? O quão fundamentais são as histórias lidas às crianças? Isso sem contar as decisivas canções de ninar.
Isso tudo é para dizer que na canção (na materialidade da canção) o que determina sua eficácia é o modo de dizer da voz, mais do que o que é dito (o texto). É preciso analisar significantes e significados, a textura melódica, as pausas, a respiração... a vitalidade impressa na canção para chegar a alguma significação possível. Ou seja, para saber de onde vem a canção.
Guardado no disco Chão (2011), o sujeito da canção "De onde vem a canção", de Lenine, age atravessado pela pergunta-título. Sem resposta definitiva, mas cheio de suspeitas e afetos, ele recolhe instantes - "Quando do céu despenca / quando já nasce pronta / quando o vento é quem venta / (...) / Quando se materializa / No instante que se encanta / Do nada se concretiza" - a fim de empreender sua busca. Colocar-se no meio.
Investigar de onde vem e para onde vai a canção ("Quando tudo silencia / Depois do som consumado") é investigar a condição do Humano. O sujeito sugere, já que pergunta afetado pela canção, que ela vem e vai para dentro. Afinal, é quando finda que de fato a canção começa a ser processada em nós: entra para a nossa memória sonora - definidora daquilo que somos.
Cantor, Lenine joga com a perspectiva de que a canção só é canção quando não é mais sua (do autor, leitor, cantor): "quando nasce pronta, quando se propaga, quando se irradia" é que ela é ela - faz o vento ventar, no instante que se encanta.
Por outro lado, o sujeito criado por Lenine traz à tona a intuição como fator determinante para a definição da canção como linguagem. No Brasil, pelo menos. Nem músico, nem poeta de formação escolar: cancionista - agente da intuição vitalizada, da compatibilização intuitiva entre letra e melodia.
Intuindo e cantando, o sujeito de "De onde vem a canção" questiona sua posição no mundo e averigua - trabalhando sobre uma linha melódica sem falso apogeu - os modos de proceder e ser da canção. Sem saber de onde ela vem, o sujeito a canta. Sem saber de onde veio e para onde vai, o homem vive. E canta para manter-se encantado. Afinal, como Louise Bourgeois costumava dizer: "A arte é uma garantia de sanidade".

***

De onde vem a canção
(Lenine)

De onde
De onde vem
De onde vem a canção
Quando do céu despenca
Quando já nasce pronta
Quando o vento é quem venta
De onde vem a canção

De onde
De onde vem
De onde vem a canção
Quando se materializa
No instante que se encanta
Do nada se concretiza
De onde vem a canção

Pra onde vai a canção
Quando finda a melodia
Onde a onda se propaga
Em que espectro irradia
Pr'onde ela vai
Quando tudo silencia
Depois do som consumado
Onde ela existiria

De onde
De onde vem
De onde vem a canção

20 outubro 2011

Quando eu estiver cantando

Manipuladoras e manipuladas pelos mecanismos midiáticos, as performances vocais de Cazuza "estão também ligadas à industria cultural, em uma proposta de trabalho que traz imperativos decorrentes de expectativas de um mercado em que a arte oferecerá, ao público, o espetáculo que ele deseja e/ou que se pretende que ele queira e, ao mesmo tempo, captará lucros", como anota Jussara Bittencourt de Sá no livro Cazuza no vídeo o tempo não pára.
É desta zona de conflito entre alma e corpo que, por exemplo, emerge a voz do sujeito de "Quando eu estiver cantando", de Cazuza e João Rebouças. Aqui, o sujeito promove a própria nudez, revela receios e dialoga com sua natureza de cantor.
O sujeito de "Quando eu estiver cantando" sabe que não há solidão mais profunda do que a ausência de si. E no canto, vestindo-se e despindo-se de identidades diversas, ele se perde e se salva: "Porque o meu canto redime o meu lado mau", diz. No canto ele trai a canção: canta, mesmo desafinado. E traído ele se (re)descobre, continua o mesmo: um cantor. Mantem-se vivo.
É no bastidor-de-si que o cantor tem o direito de sofrer de verdade. Diante do público, no palco, o sofrimento precisa ser calculado, espetacularizado, como bem canta o sujeito de "Bastidores", de Chico Buarque na voz dramática e correta de Cauby Peixoto. Mas o ritmo da vida é diferente do ritmo estético? A canção leva a concluir que não. E é também do centro desta pergunta que sai a voz do sujeito de "Quando eu estiver cantando".
Guardada no disco Burguesia, "Quando eu estiver cantando" ganha de Cazuza uma interpretação passional, doída: entre sutis alturas e sussussos, calma e exasperação vocais. Diferente dos apelos agônicos do sujeito-boca-seca, voz rasgada pela exposição à luz cênica, da interpretação de Cazuza, mas não menos passional, a versão de Fafá de Belém (Piano e voz, 2002) investe na vocalização do sujeito-cantor e suas agonias diante do gesto de cantar.
Em "Quando eu estiver cantando", por sua vez, o sujeito trabalha a indefinição de sua função no mundo: nem musa (portadora do relato absoluto audível apenas ao poeta), nem sereia (portadora do relato verídico audível a qualquer marinheiro), o sujeito se deixa ver em sua humanidade (portadora da voz desafinada). Ele é a voz da voz da musa, da sereia, de si, de algo que se revela entre o palco e o camarim, onde ele se confessa a Deus.
Num registro passional pós-bossa nova a voz de Cazuza dispara: "eu sou assim / canto pra me mostrar / de besta". Ele sabe que seu gesto de autorevelação já nasce fadado ao fracasso. Entre a "gente que recebe Deus quando canta" e a que "canta procurando Deus", o sujeito da canção canta pra se mostrar, de besta: pelo sabor e dor do gesto - para manter-se vivo.
Não se aproximar, ficar em silêncio e não cantar junto são atitudes exigidas pelo sujeito àqueles que lhe ouvem. Afinal, como diria o sujeito de "Sangrando", de Gonzaguinha: "Quando eu soltar a minha voz / Por favor entenda / Que palavra por palavra / Eis aqui uma pessoa se entregando". As interferências do outro maculariam tamanho êxtase e crescimento. Ao mesmo tempo em que ele precisa do ouvido do outro para ser e estar no mundo.
"O ouvinte 'faz parte' da performance. O papel que ele ocupa, na sua constituição, é tão importante quanto o do intérprete. (...) A componente fundamental da 'recepção' é a ação do ouvinte, recriando, de acordo com seu próprio uso e suas próprias configurações interiores, o universo significante que lhe é transmitido", anota Paul Zumthor, no livro Introdução à poesia oral.
"Porque eu só canto só", diz o sujeito cancional criado por Cazuza e João Rebouças. De fato, manter a tensão entre a necessidade de cantar (ser cantor de si) e a consciência de ter voz desafinada (traição à canção) é condição singular e intransferível. Cabe ao ouvinte cumprir sua função: ouvir o sangramento.
Citando novamente "Sangrando", podemos recuperar os versos que dizem: "Quando eu soltar a minha voz / Por favor, entenda / É apenas o meu jeito de viver / O que é amar". Completando tal pensamento, diria o sujeito de "Quando eu estiver cantando": "Porque o meu canto é o que me mantém vivo (e) o meu canto é pra quem me ama".
Ao cantar desafinada, e anotar isso no próprio canto, a voz de Cazuza - sem os alongamentos vocálicos típicos de uma canção passional - reitera a potência transgressora da alma a fim de manter-se viva. Enquanto que a voz de Fafá de Belém foca no gesto mesmo de cantar, deixando se envolver por excessos de uma extensão vocal correta e que imprimem novos contornos ao sujeito da canção.
A luta entre alma (imoral: transgressora, traidora) e corpo (moral: condicionado, tradicional) é compreendida por Fafá de Belém que, acompanhada pelo arranjo instrumental de João Rebouças ("sem os instrumentistas canário não canta", diz Fafá antes de começar a cantar), não tenta recuperar a interpretação de Cazuza.
Dito de outro modo, em Cazuza, o sujeito é amor do cóccix até o pescoço, enquanto que em Fafá de Belém (ouvinte de Cazuza) o sujeito é "amor da cabeça aos pés". E ambos se completam.

***

Quando eu estiver cantando
(Cazuza / João Rebouças)

Tem gente que recebe Deus quando canta
Tem gente que canta procurando Deus
Eu sou assim com a minha voz desafinada
Peço a Deus que me perdoe no camarim

Eu sou assim
Canto pra me mostrar
De besta
Ah, de besta

Quando eu estiver cantando
Não se aproxime
Quando eu estiver cantando
Fique em silêncio
Quando eu estiver cantando
Não cante comigo

Porque eu só canto só
E o meu canto é a minha solidão
É a minha salvação

Porque o meu canto redime o meu lado mau
Porque o meu canto é pra quem me ama
Me ama, me ama

Quando eu estiver cantando
Não se aproxime
Quando eu estiver cantando
Fique em silêncio
Quando eu estiver cantando
Não cante comigo

Quando eu estiver cantando
Fique em silêncio

Porque o meu canto é a minha solidão
É a minha salvação
Porque o meu canto é o que me mantém vivo
E o que me mantém vivo

13 outubro 2011

Cigarra

"As cigarras são guitarras trágicas. plugam-se/se/se/se nas árvores em dós sustenidos. kipling recitam a plenos pulmões. gargarejam vidros moídos. o cristal dos verões", diz a poesia "As cigarras", de Sergio de Castro Pinto (Zoo imaginário).
A mitologia está cheia de seres vocais. Dentre eles, e para aprofundar as questões discutidas aqui, a cigarra e a formiga de Jean La Fontaine se destacam. A fábula é bastante conhecida. Resumidamente, enquanto a formiga passa o verão trabalhando e preparando-se para o tempo de estio gelado do inverno, a cigarra gargareja a plenos pulmões (um canto que é interpretado pela racional formiga como zombaria) e aproveita a luz e o calor do sol.
O fato é que vira-e-mexe as fabulosas personagens reaparecem, seja em peças artísticas, seja como mote filosófico, para nos lembrar certa dicotomia existencial: enquanto uma é "amor da cabeça aos pés", a outra é pura razão. Consequentemente, esta é melhor aceita, em um mundo onde o logos foi emudecido, do que aquela.
No poema de Alexandre O'Neill, por exemplo, diante da "minuciosa formiga", a cigarra canta: "Assim devera eu ser / e não esta cigarra / que se põe a cantar / e me deita a perder". Importa lembrar que, musicado por Alain Oulman e gravado por Amália Rodrigues (1969), o poema de O"Neill foi gravado por Adriana Partintim - heterônimo de Adriana Calcanhotto, em 2004: "Formiga bossa nova".
Há ainda que se citar "Esconjuro", canção de Guinga e Aldir Blanc, cujas primeiras estrofes dizem: "A zonza da cigarra no oco do cajueiro, erê / Bota o bemol na clave do verão / Quem diz uma palavra com sentido verdadeiro, erê / Que traga um som paisagem pra canção // Falei alarido palavra de vidro / Quebrada na voz / Palavra raiada mais estilhaçada / Que o caso entre nós".
A lógica dominante - o logos desvocalizado e emudecido a serviço do gesto capital de expulsar o cantor da República platônica - leva-nos a concluir que, caso trabalhasse, a cigarra não morreria. Caso não cantasse sua própria tragédia, ela (muda e obediente) viveria mais e feliz, porque segura, como a formiga. Tal ideologia, em um mundo plenamente mapeado, vigiado, assegurado parece fazer sentido. Mas a vida será mesmo assim: tão preto e branco?
Daí a importância desse poema de Sergio de Castro Pinto: focando na cigarra, apagando a sua antagonista, o poema opera a valorização da vocalidade - da percepção da vida pelos pulmões, para além do cérebro. Dito de outro modo: o poema "As cigarras" sugere uma (re)vocalização do logos.
Daí também a importância, dentro de uma economia estética das vozes, a canção "Cigarra", de Milton Nascimento e Ronaldo Bastos. Aqui se celebra a amizade entre o cantor e o trabalhador: "Porque a formiga é / A melhor amiga da cigarra / Raízes da mesma fábula", diz o sujeito.
Os versos da canção jogam com uma delicada permuta de vozes - ora tem-se a impressão de que quem fala é a formiga, ora é a cigarra - a fim de figurativizar a tal amizade. Amigas e não-antagonistas das mesmas luta e alegria que é viver. Afinal, o que seria da formiga trabalhadora sem seu duplo: a cigarra que lhe canta a vida: "enche de som o ar"? "Porque ainda é inverno / Em nosso coração /Essa canção é para cantar", diz a formiga revelando a importância do outro e tecendo uma metacanção.
Gravada algumas vezes pela cantora Simone, a canção ganha tons novos quando gravada por Milton Nascimento (a formiga: aquele que fez a canção) e Simone (a cigarra: aquela que canta - e também faz - a canção), no disco Simone ao vivo (2005).
Porque ela pediu a ele uma canção para cantar (a primeira gravação é de 1978), a formiga fez uma canção que servisse à natureza da cigarra: arrebentar-se de tanta luz - e aqui entra em ação um providencial eco dos vocalizes zi, zi, zi, zi (ou si, si, si, simone) fragmentando, duplicando e expandindo a festa sonora: uma personagem na outra - enchendo de som o ar.
E eis que surge o punctum da canção: a formiga precisa do canto da cigarra. Ele lhe anuncia a vida, serve de trilha sonora à uma existência destinada ao trabalho. Ouvinte e cantora se confraternizam na aceitação de suas funções complementares.
E como a voz mediatizada - mesmo plugada, manipulada, modificada, alterada pelos instrumentos e suportes técnicos - indicia (revela) a voz que sai de uma garganta, eis Simone e Milton celebrando a amizade através de uma canção amiga. Ou seja, a voz (metafísica) do sujeito da canção só existe porque há a voz de dois indivíduos de carne e osso dando-lhe vida. E "Essa canção é para cantar / Como a cigarra acende o verão / E ilumina o ar".

***

Cigarra
(Milton Nascimento / Ronaldo Bastos)

Porque você pediu
Uma canção para cantar
Como a cigarra
Arrebenta de tanta luz
E enche de som o ar

Porque a formiga é
A melhor amiga da cigarra
Raízes da mesma fábula
Que ela arranha, tece
E espalha no ar

Porque ainda é inverno
Em nosso coração
Essa canção é para cantar
Como a cigarra acende o verão
E ilumina o ar

Zi zi zi zi zi zi

06 outubro 2011

Verdade, uma ilusão

Na coluna de 02/10/2011 (jornal O globo), Caetano Veloso anota: "De que vale a vida se não respondemos ao escândalo que é existirmos com gestos igualmente extremos como a fé em Deus, a dedicação obsessiva a uma pessoa, uma arte, uma causa? (...) A vida vale a sua evidência animal".
"Dying is easy, it's living that scares me to death" ("Morrer é fácil, é viver o que me assusta até a morte"), diria o sujeito da canção "Cold", de Annie Lennox. Sobre a nossa alegria terrível, para suportar o pensamento de Si, da sobrevivência no inferno e céu de todo dia, transformamos o tédio em poesia, inventamos verdades. Forjamo-nos em homens-bomba de estrelas: cantores.
Afinal, "não só de pão vive o homem, mas de toda palavra que procede da boca de Deus" (Mateus: 4,4). E como Deus usa os homens para ser e estar nos homens viventes na terra, é pela boca do outro que nos situamos (encontramos lugar) no mundo. Aqui ressoa algo de materno: da mãe ideal que alimenta o filho com leite e palavra.
Porém, não há metáforas nem misticismos nesta leitura, posto que toda voz vem de uma pessoa viva: boca, garganta, úvula, saliva. A voz imprime unicidade a pessoa. Há aqui uma constatação da voz e sua autoficcionalização - aquilo que nos resgata do abandono profundo.
Nesse movimento, a canção popular é o diário dos detentos que somos. Pensamos sobre nós através da voz nas canções. E entre mentiras sinceras e falsas verdades nos mantemos atentos e fortes. Não à toa o sujeito da canção "Bogotá", de Criolo, diz: "Se você quer amor chegue aqui / se você quer esquecer a dor venha pra cá / pois a ilusão é doce como mel / e cada um sabe o preço do papel que tem".
É desse convite irresistível à canção que trata o sujeito de "Verdade, uma ilusão", de Carlinhos Brown, Marisa Monte e Arnaldo Antunes. Guardada no disco Diminuto (2010), essa canção tem um sujeito lúcido de sua função: "Eu posso te fazer feliz / Feliz me sentir também / Eu posso te fazer tão bem / Eu sei que isso eu faço bem", diz.
Sujeito cancional, portanto, uma ilusão (ficção), ele sabe tanto o preço do papel que tem, quanto a necessidade urgente do ouvinte em ser cantado, mimado, ninado. Ele fala de si - constituindo "Verdade, uma ilusão" em uma metacanção (canção que pensa teoricamente a própria canção) - para se aproximar do outro. E faz isso exibindo um Carlinhos Brown além do orientador do carnaval. O corpo aqui balança junto com a palavra (semântica) cantada.
Toda vez que uma canção se confessa - "Eu posso te fazer canções / O amor soa em minha voz / Eu posso te fazer sorrir" - ela se inscreve ficcionalmente, revelando a ficção em nós (ouvintes: humanos na terra): a verdade ilusória, a ilusão verdadeira. Pois no fundo "Ninguém precisa decidir / Verdade / Uma ilusão / Digo de coração / Verdade / Seu nome é mentira". Como anota e canta o sujeito da canção.
A verdade é sempre o que está sendo dito e ouvido no instante-já. Ela é o canto paralelo - e mantenedor de - ao escândalo de nossa existência. Aqui a canção se dedica obsessivamente a arte de cantar. Verdades vindas do coração e travestidas na voz de alguém, as canções nos alimentam de palavras, seguram nossa cintura e não nos deixam cair: "Eu posso te fazer ouvir / Milhões de sinos ao redor / Eu posso te fazer canções", canta o sujeito da canção.
É no meio da ponte que vai do real ao ficcional, que vai de mim para o outro, onde podemos ouvir ressoar aquilo que somos, ou podemos ser. A língua que a canção canta é a mesma língua que lhe canta. É assim que "o amor soa em minha voz". O vocálico precede e excede o semântico.
As palavras cantadas guardam sentido, embora não guardem significação. A palavra não nos traduz, é insuficiente para tanto. É na voz de alguém cantando as palavras que nos forjamos: que somos e estamos. E assim fazemos a vida valer a pena. E a ilusão cria a verdade: a "verdade-mais-erro". E o horror de se perceber vivo retorna, reinstala-se. E as canções (de novo) surgem como repostas (cíclicas) ao escândalo. Eis os tais "volteios da dança do espírito" apontados por Caetano. As nossas contrapartidas à vida.

***

Verdade, uma ilusão
(Carlinhos Brown / Marisa Monte / Arnaldo Antunes)

Eu posso te fazer feliz
Feliz me sentir também
Eu posso te fazer tão bem
Eu sei que isso eu faço bem
Roubar-te um beijo num salão
Girar sem perder o chão
Não vou deixar você cair
Cintura
Leve a minha mão
Verdade
Uma ilusão
Vinda do coração
Verdade
Seu nome é mentira

Eu posso te fazer ouvir
Milhões de sinos ao redor
Eu posso te fazer canções
O amor soa em minha voz
Eu posso te fazer sorrir
Meus olhos brilham para ti
E os pés já sabem aonde ir
Ninguém precisa decidir
Verdade
Uma ilusão
Digo de coração
Verdade
Seu nome é mentira

29 setembro 2011

Musa cabocla

"Quanto mais o tempo passa, mais me afasto, mais vejo outras possibilidades de ser que não são propriamente possibilidades femininas, mas possibilidades limpas, como, por exemplo, intrigar-me neuroticamente com o canto dos bem-te-vis, que não é nada, nem masculino nem feminino, é limpo", anota o narrador do livro Rato, de Luís Capucho.
Parece ser nesse "canto limpo", puro, assemântico que se baseia a tradição filosófica de matriz grega, a fim de definir o lugar da voz em nossas vidas: o lugar onde o semântico (masculino) se perde na sedução vocálica (feminina) e, portanto, deve ser evitado.
Porém, assim como também sugere o narrador de Rato - "mais vejo outras possibilidades de ser que não são propriamente possibilidades femininas" -, tal filosofia esquece que todo canto pressupõe uma audição e que a voz sempre vence. Ora, quem foi que disse que o bem-te-vi diz "bem-te-vi" enquanto canta senão a interpretação humana? Ou melhor, nossa tendência a dar sentido a tudo que nos cerca - eliminando os riscos do desconhecido?
A ideia de um canto limpo (assexuado) tenta recuperar o paraíso materno: o casulo infinitamente abundante que nos abrigou por um tempo e para o qual parecemos estar sempre querendo retornar. O canto do bem-te-vi, ouvido como uma representação de um dos sons da natureza, recupera esse canto ideal: inatingível. Mas é sempre um som vazio, preenchido de sentidos pela lógica de quem escuta. Ou melhor, a voz não comunica nada, a não ser a própria comunicação.
O segredo da canção está no fato de que cada voz é única. É na voz que se encontra a unicidade. "Eu minto, mas minha voz não mente", diria o sujeito de "Drama", de Caetano Veloso. É assim que uma "mesma" canção (mediatizada, massiva) afeta cada ouvinte por lugares diferentes. É assim também que uma "mesma" canção, ao ser cantada por outra voz, ganha novos sons.
"A voz não é apenas som, mas é sempre a voz de alguém que vibra em sintonia com os sons naturais e artificiais do mundo em que vive", registra Adriana Cavarero no livro Vozes plurais. O canto é o nada, que é tudo, poderia dizer o narrador de Rato, a respeito dos bem-te-vis que lhe perturbam o pensamento.
O canto de um pássaro e o canto humano não são, obviamente, a mesma coisa. A voz os distingue. A voz humana carrega a palavra que, por sua vez - phoné semantiké - carrega o humano. Jogando com tais categorias, o sujeito de "Musa Cabocla", de Gilberto Gil e Waly Salomão, por exemplo, cria o efeito de presença de si a partir daquilo que fala.
Para tanto, o sujeito (poeta, cancionista) evoca a musa cabocla, híbrida. Ouvintes comuns que somos, só temos acesso àquilo que ela fala através da mediação do sujeito (cancionista, poeta, cantor). Ele ouve e canta: é sereia que canta sentada na pedra a medrar o marinheiro. Classicamente um híbrido (mulher e animal), a sereia/musa aqui é cabocla.
Gal Costa é a musa cabocla do título da canção: aquela que inspira Gilberto Gil e Waly Salomão a compor um discurso a ser engendrado na voz da própria musa. Por trás da voz (ficcional) do sujeito da canção há a voz de uma pessoa de carne e osso: uma garganta.
Feitas refrão, as afirmativas que serpenteiam a letra - "Sou pau de resposta, jibóia sou eu, canela / Sereia eu sou, uma tela sou eu, sou ela" - reforçam o desenho (visão) da "Mãe matriz da fogosa palavra cantada / Geratriz da canção popular desvairada / Nota mágica no tom mais alto, afinada" que Gal Costa (voz) encarna.
A finalidade lúdica (poética) de "Musa cabocla" (Minha voz minha vida, 1982) é restaurar o sentido da significação. Dito de outro modo, o sujeito (sereia), através da proliferação de significantes e comparações, deixa a sereia cantar: engendra um canto sirênico em que "quem" fala é tão importante quanto aquilo que é "falado". Um empenho feliz do primado da voz sobre a palavra.
"Mãe matriz da fogosa palavra cantada / Geratriz da canção popular desvairada / Nota mágica no tom mais alto, afinada". Tais palavras guardam o medo que certa filosofia tem com relação à canção, à voz. Interpreta-se que a sereia é causa da perda da razão do indivíduo. Daí o emudecimento progressivo do logos. Esquecendo-se, deste modo, da unicidade inimitável de cada voz e de que é possível pensar com os pulmões.
Sereia, diferente do bem-te-vi, do sabiá, da cigarra, o sujeito de "Musa cabocla" canta palavras: palavras que ele mesmo (musa que também é) engendra no poeta. Travestindo-se na canção, o sujeito (monstro canoro) se presentifica. "Sereia eu sou, uma tela sou eu, sou ela", diz.
 
***
 
Musa cabocla
(Gilberto Gil / Waly Salomão)
Uirapuru canta no seio da mata
Papagaio nenhum solta um pio
Sereia canta sentada na pedra
Marinheiro tonto medra pelo mar
Sou pau de resposta, jiboia sou eu, canela
Sereia eu sou, uma tela sou eu, sou ela
Coração pipoca na chapa do braseiro
Sou baunilha, sou lenha que queima
Que queima na porta do formigueiro
E ouriça o pelo do tamanduá
Mãe matriz da fogosa palavra cantada
Geratriz da canção popular desvairada
Nota mágica no tom mais alto, afinada
Sou pau de resposta, jiboia sou eu, canela
Sereia eu sou, uma tela sou eu, sou ela

22 setembro 2011

Yemanjá rainha do mar

Para uma certa linha de pensamento, metade mulheres, metade animais, as sereias - desde os latinos até hoje - guardam o canto puro, absoluto, primordial, assemântico, inarticulado: o canto sem palavras.
Parece ser assim, por exemplo, que O Agente, personagem do livro O natimorto, de Lourenço Mutarelli, percebe a cantora de ópera com quem desenvolve uma relação obsessiva. Ela é toda voz - pureza e beleza - para ele. Não à toa ela é denominada como A Voz. Narrador, só O Agente consegue ouvir A Voz - logo não sabemos se há palavra cantada ali - fazendo a cantora ser um misto de sereia e musa, pois com sua voz inaudível às outras pessoas, A Voz é o impulso necessário à descoberta de Si de O Agente, a fuga do mundo. Mas também promove o ato narrativo dos acontecimentos.
"Desde que ele a ouviu cantar, não fala em outra coisa", diz A Esposa. "É a Voz da Pureza pra lá, é a Voz da Pureza pra cá". "Por que que eu não posso ouvi-la cantar? Por acaso ela é assim tão sofisticada?". Ou seja, ele ouve e fala. Fala porque sente encanto: um encanto intransferível. Só ao ouvido dele cabe a captação da singularidade da voz. O que, por sua vez, também distingue O Agente das outras personagens. Mais adiante é A Voz quem dirá: "Eu não sou tão delicada assim, dá pra aguentar o tranco".
Leitores de Homero, onde o mito ganha seu registro, filósofos como Adorno e Horkheimer parecem, talvez por terem outros objetivos intelectuais, não atentar para o fato de que além de cantar, as sereias contam Ulisses. O caráter narrativo do canto é emudecido. Além disso, como bem observa Adriana Cavarero, no livro Vozes plurais - Filosofia da expressão vocal: "As vestes do sujeito burguês ficam bastante apertadas no herói de Ítaca".
Está lá na Odisseia: "Não passou nosso barco ligeiro despercebido às Sereias, de perto, que entoam sonoras: 'Vem para perto, famoso Odisseu, dos Aquivos orgulho, traz para cá teu navio, que possas o canto escutar-vos.(...) Todas as coisas sabemos'", diz Ulisses.
Ou seja, mais do que som, o canto das sereias entoa palavras, narra cantando: algo audível aos ouvidos humanos. O canto das sereias homéricas contem o passado, o presente e o futuro de Ulisses. Assim são as canções (certas e erradas) que, ao longo de um dia, promovem as alterações de nossos humores.
Deste modo, podemos pensar que as sereias carregam um canto que mata o homem velho e desperta o homem novo: lúcido da cabeça aos pés de sua condição errante. Herói da razão, Ulisses provou que era possível ouvir as sereias (pensar/sentir com outras partes do corpo) sem que isso levasse à morte (ao fim).
Ao contrário daqueles que percebem a racionalidade desvocalizada, ou o encanto absoluto, as sereias sabem o que dizem. Elas contam ao homem comum aquilo que a Musa conta apenas ao poeta. Elas nos fornecem a fama: o calor de se sentir cantados.
Devido às suas "competências vocais, a relação imediata [das sereias] era com pássaros, e não com peixes. Quem é mudo como um peixe não pode certamente se prestar a hibridar um monstro canoro", anota Adriana Cavarero. Mas as sereias foram conduzidas ao mar.
"A mudança de morada é crucial. A descida para as águas, isto é, a metamorfose pisciforme é acompanhada pela sua transformação em mulheres belíssimas", como também observa Cavarero. Antes monstros barbudos, cujo poder de sedução estava no canto (logos poético), agora, em um mundo videocêntrico, as sereias parecem seduzir antes pela beleza física.
Seja como for, não são poucas as lendas das sereias. No Brasil elas são as rainhas do mar e cantam. Cantam muito. "Minha sereia é rainha do mar / O canto dela faz admirar / Minha sereia é a moça bonita / Nas ondas do mar aonde ela habita", como diz a canção de Dorival Caymmi. Aqui a sereia canta com dó do penar do sujeito.
Médium da sereia e signo de elemento água, Maria Bethânia (Mar de Sophia, 2006) traduz em um canto (quase) devocional - tons graves e baixos - toda a infiltração do mito sirênico em nossa cultura. E tem na canção "Yemanjá rainha do mar", de Pedro Amorim e Paulo César Pinheiro, a melhor companhia.
Bethânia canta (evoca) os nomes da rainha do mar - "Dandalunda, Janaína, Marabô, Princesa de Aiocá, Inaê, Sereia, Mucunã, Maria, Dona Iemanjá" - elencando a apropriação doce do mito em nosso imaginário.
O sujeito da canção mistura mitos gregos e africanos e coloca o resultado disso para dançar no Brasil ao balanço do mar, ao som da moradora da "loca de pedra": vaidosa, humanizada - íntima do marinheiro (brasileiro) ouvinte.
"O que ela canta? / Por que ela chora? / Só canta cantiga bonita / Chora quando fica aflita / Se você chorar", numa demonstração radical da relação interpessoal que vai da sereia ao ouvinte, e vice-versa. Num jogo lúdico que envolve prazer e dor, encanto e lucidez.

***

Yemanjá rainha do mar
(Pedro Amorim / Paulo César Pinheiro)

Quanto nome tem a Rainha do Mar?
Quanto nome tem a Rainha do Mar?

Dandalunda, Janaína,
Marabô, Princesa de Aiocá,
Inaê, Sereia, Mucunã,
Maria, Dona Iemanjá

Onde ela vive?
Onde ela mora?

Nas águas,
Na loca de pedra,
Num palácio encantado,
No fundo do mar

O que ela gosta?
O que ela adora?

Perfume,
Flor, espelho e pente
Toda sorte de presente
Pra ela se enfeitar

Como se saúda a Rainha do Mar?
Como se saúda a Rainha do Mar?

Alodê, Odofiaba,
Minha-mãe, Mãe-d'água,
Odoyá!

Qual é seu dia,
Nossa Senhora?

É dia dois de fevereiro
Quando na beira da praia
Eu vou me abençoar

O que ela canta?
Por que ela chora?

Só canta cantiga bonita
Chora quando fica aflita
Se você chorar

Quem é que já viu a Rainha do Mar?
Quem é que já viu a Rainha do Mar?

Pescador e marinheiro
que escuta a sereia cantar
é com o povo que é praiero
que dona Iemanjá quer se casar

15 setembro 2011

Filosofia

No livro Vozes plurais - Filosofia da expressão vocal, Adriana Cavarero investiga como a filosofia tem trabalhado na promoção da própria "surdez", à deriva dos cancionistas, poetas e filósofos que investem no apuro do ouvido.
Para a autora, agindo deste modo, a filosofia nega a unicidade de cada voz, negando por sua vez a especificidade de cada indivíduo. Ou seja, só quando nos distraímos da "obsessiva vigilância" que tal filosofia engendra acessamos particularidades inimitáveis de cada humano de "carne e osso", emissor e destino do som.
Cavarero anota que "a voz de quem fala é sempre diversa de todas as outras vozes, ainda que as palavras pronunciadas fossem sempre as mesmas, como acontece justamente no caso de uma canção". Cantar apresenta a verdade de um vocálico - "é ter o coração daquilo" - e isso desestabiliza as formas generalizadoras - "universalidades abstratas e sem corpo" - do modo como temos desenvolvido o pensamento.
No Brasil, não é à toa que "nossa gente era triste amargurada, inventou a batucada pra deixar de padecer", como diz a canção, dando uma amostra daquilo que uma cultura híbrida, mestiça e miscigenada como a latino-americana pode oferecer ao mundo em contribuição ao pensamento. Talvez isso explique em parte não termos aqui uma escola filosófica forte frente às culturas hegemônicas e tenhamos desenvolvido o ensaio como espaço de reflexão daquilo que (possivelmente) somos.
Cantando juntos mandamos a tristeza embora. Aquela tristeza que quer tomar conta do sujeito da canção "Filosofia", de Noel Rosa - "O mundo me condena, e ninguém tem pena / Falando sempre mal do meu nome / Deixando de saber se eu vou morrer de sede / Ou se vou morrer de fome" -, e que logo cede lugar a outra afirmativa: "Não me incomodo que você me diga / Que a sociedade é minha inimiga / Pois cantando neste mundo / Vivo escravo do meu samba, muito embora vagabundo".
Movido por uma filosofia íntima, alicerçada no seu jeito de corpo, o sujeito vai da defesa autopiedosa ao ataque: "Quanto a você da aristocracia / Que tem dinheiro, mas não compra alegria / Há de viver eternamente sendo escrava dessa gente / Que cultiva hipocrisia". "É, por assim dizer, a 'phoné' que determina a fisiologia do pensamento", como diria Cavarero. Pensar com o corpo inteiro, a plenos pulmões, não com o cérebro.
Livre das amarras que o dinheiro impõe, artista, cantor, sambista, o sujeito da canção exalta a alegria, que, por sua vez, não denega a dor. "Um porto alegre é bem mais que um seguro", ele poderia dizer. Cantada por Mart'nália no disco Pé do meu samba (2002), "Filosofia" ganha valores novos. Afinal, quem melhor do que uma mulher que guarda em si - voz e corpo - os signos do malandro (fingidor de rico) para cantar os emblemas de uma nova filosofia?
Aqui, corpo e palavra cantada mostram como o 'logos' perdeu a voz, a escuta. E se empenham na vocalidade do sujeito afastado das ideias gerais, platônicas. Há portanto uma sabedoria singular na voz do sujeito de "Filosofia": cantar é estar vivo, pensar a plenos pulmões. Lúcido de sua condição (humana) de escravo, através da voz o sujeito faz a sua escolha entre o samba e a hipocrisia: forja uma verdade.
Como Adriana Cavarero atesta: "A voz, qualquer coisa que diga, comunica antes de tudo, e sempre, uma só coisa: a unicidade de quem a emite". Urge criar dispositivos que nos possibilite entender tamanha força historicamente negada: ter ouvidos para ouvir.

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Filosofia
(Noel Rosa)

O mundo me condena, e ninguém tem pena
Falando sempre mal do meu nome
Deixando de saber se eu vou morrer de sede
Ou se vou morrer de fome

Mas a filosofia hoje me auxilia
A viver indiferente assim

Nesta prontidão sem fim
Vou fingindo que sou rico
Pra ninguém zombar de mim

Não me incomodo que você me diga
Que a sociedade é minha inimiga
Pois cantando neste mundo
Vivo escravo do meu samba, muito embora vagabundo

Quanto a você da aristocracia
Que tem dinheiro, mas não compra alegria
Há de viver eternamente sendo escrava dessa gente
Que cultiva hipocrisia