tag:blogger.com,1999:blog-20821699886257635182024-03-18T17:42:46.916-03:00Lendo CançãoDesde o <strong>Projeto 365 Canções</strong> (2010), o desafio é ser e estar à escuta dos cancionistas do Brasil, suas vocoperformances; e mergulhar nas experiências poéticas de seus sujeitos cancionais sirênicos.Leonardo Davinohttp://www.blogger.com/profile/12206174100555464620noreply@blogger.comBlogger293125tag:blogger.com,1999:blog-2082169988625763518.post-32845859817128027602024-03-17T17:36:00.001-03:002024-03-18T17:41:54.272-03:00A superfície dos dias<p></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhkMbpXHY05r4C_zkmGtmD31uwR77p6dtBs4_HQjdhhmOc_OYf_xDCD77-n28bNg0zrZWoCQIpavHDeVKNB2Gcv-TbVjYiimh-2wqFeprdwAPifwdXF13ZZJDKAQFoh7EgGOMgssAdkVtWUFknF4x_l_Tjz6XWpr16QJiT4QLvYOBD782-_OQ24DobB_eOu/s1512/64.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1512" data-original-width="1512" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhkMbpXHY05r4C_zkmGtmD31uwR77p6dtBs4_HQjdhhmOc_OYf_xDCD77-n28bNg0zrZWoCQIpavHDeVKNB2Gcv-TbVjYiimh-2wqFeprdwAPifwdXF13ZZJDKAQFoh7EgGOMgssAdkVtWUFknF4x_l_Tjz6XWpr16QJiT4QLvYOBD782-_OQ24DobB_eOu/s320/64.jpg" width="320" /></a></div><br />"Ao escrever, criamos vínculos vitalizantes por meio dos gestos perceptivos", a frase com que Luiza Leite (quase) encerra o livro A SUPERFÍCIE DOS DIAS encapsula o subtítulo do volume: "O poema como modo de superfície". Ao longo do ensaio, a autora arma uma trama de citações a fim de defender que "a exigência da inspiração desaparece porque a poesia está em tudo". Antes de pensar que "a poesia está nos fatos, no cotidiano", como pensavam os modernistas, o texto pensa a poesia das anotações, dos improvisos, das rasuras, dos rascunhos. Isso se inscreve no corpo do texto. Por exemplo, há uma voz narrativa no texto de Luiza Leite que, "de repente", lembra de situações, faz "uma pausa na escrita por causa do vento na varanda" e é nesse intervalo entre uma escrita e outra que surge "o poema". Logo, o pensamento crítico surgiria, assim, fenomenologicamente, entre uma leitura e outra, entre uma citação e outra. Laurie Anderson, Walter Benjamin, Emanuele Coccia, Hans Magnus Enzensberger, Tamara Kamenszain, Airton Krenak, entre outras referências bibliográficas, dançam no texto que se quer prazeroso, como pensara Roland Barthes. Olhando poemas de William Carlos Williams, Eileen Myles e Frank O’Hara a autora conclui que "o inacabamento e o improviso fazem parte dessa poesia cheia de pensamentos impulsivos que reserva um lugar especial para a noção de arte amadora" e assim define sua própria escrita em torno d'A SUPERFÍCIE DOS DIAS - superfície plena de profundidades em busca permanente do inaugural e que em muito lembra a voz inquieta da Água viva clariciana.<br /><br /><p></p>Leonardo Davinohttp://www.blogger.com/profile/12206174100555464620noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2082169988625763518.post-82951640476218696402024-03-10T09:21:00.001-03:002024-03-11T09:23:56.489-03:00Mangue<p></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEio9I6rIlIv69yz1bE6cIMvOlN6tl_gad71StVKHeXfmEzqLTV_L1IP-NrJlmzB18MbUfP1_64-Ujz7-_bsPiJfJ8uCUH7p3Z6LE5rSn7SDXYoPgy6uSUDiChJ2ALv44VZl5ECiLkkWeFcyvP_6frqzX7b_il-RcokWXK75ZFU6l6mReh5BnixW7dsxwohA/s1512/63.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1512" data-original-width="1512" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEio9I6rIlIv69yz1bE6cIMvOlN6tl_gad71StVKHeXfmEzqLTV_L1IP-NrJlmzB18MbUfP1_64-Ujz7-_bsPiJfJ8uCUH7p3Z6LE5rSn7SDXYoPgy6uSUDiChJ2ALv44VZl5ECiLkkWeFcyvP_6frqzX7b_il-RcokWXK75ZFU6l6mReh5BnixW7dsxwohA/s320/63.jpg" width="320" /></a></div><br />Em certo momento do filme "Moisés Alves: o fogo que antecede as cinzas" o autor do livro MANGUE diz que a escrita precisa estar na frequência da vida. É essa frequência que Alberto Pucheu traduz e monta em imagem e som, equilibrando intimidade e coletividade, poética e política, pois é esse ponto equidistante o que anima a obra/vida de Moisés Alves, autor de um de meus poemas de predileção, "Oferenda": "minha mãe disse / a partir de agora eu sigo / você fica", começa; "a partir de agora / faça sua ultrapassagem / ultrapássaro", termina e segue aceso em quem lê. MANGUE é composto por muitos versos que funcionam como mantras, orikis, aforismos de elogio ao ato de escrever/viver: "escreve-se / comigo tudo / que por algum motivo / bem justo não pode ter acontecido / estamos livres / apesar de não sairmos / dessa festa muito vivos", lê-se num veio de metalinguagem tradutora da verdade poética, transcriadora da vida. "É por revolta que faço / da alegria / arma pesadíssima / nunca fui a favor de morrer com vida", esses versos, distribuídos na estrofe com esses cortes, singularizando "revolta", "alegria", "arma" e "vida" dão o ritmo da pulsação dos poemas de MANGUE. "Dizer o isso da vida é o a que a poesia se dedica", observa Pucheu na apresentação do livro. Assim como Moisés Alves, que nasceu no Mangue, na rua Maciel do Baixo, a voz poética transita no Pelourinho, no Centro Histórico, biografemando sua história, que se desdobra na história de muitos do lugar, do mundo. Se "amor é quando químicas não impedem / nossa paixão" e "poema é aquilo / que atinge à queima- / roupa / então dói", o livro de Moisés Alves ama por tanto doer (tem corpo) e dói por tanto amar (tem alma). Sua poesia pulsa da fricção entre alma e corpo.<br /><br /><p></p>Leonardo Davinohttp://www.blogger.com/profile/12206174100555464620noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2082169988625763518.post-83184274164001904822024-03-03T11:16:00.003-03:002024-03-03T11:17:55.356-03:00O avesso da pele<p></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEicTHooe9HlPHbhBa9w9mHFEkgLtFiuLzxDL5RiECpGyQYMvR2HNyNdnMVdeRXTdvk-OnAXp_akG9FBPyOz7bH4haK_pK8yaDinFG5CypHh2XmcgdrYyE1xyxJatuGUcy24b3UHAIl5rRAnow5IL1iQ09NZskXE81b9_xRJPQWsD7Ol2V8PDZ-1M3GIEfW5/s1512/62.jpg" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1512" data-original-width="1512" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEicTHooe9HlPHbhBa9w9mHFEkgLtFiuLzxDL5RiECpGyQYMvR2HNyNdnMVdeRXTdvk-OnAXp_akG9FBPyOz7bH4haK_pK8yaDinFG5CypHh2XmcgdrYyE1xyxJatuGUcy24b3UHAIl5rRAnow5IL1iQ09NZskXE81b9_xRJPQWsD7Ol2V8PDZ-1M3GIEfW5/s320/62.jpg" width="320" /></a></div><br />"Esta história é ainda a história de um ferida aberta. É uma história para me curar da falta daquilo que você, repentinamente, deixou de ser". Dirigidas ao pai, as palavras do narrador de O AVESSO DA PELE dão o ritmo do profundo e complexo embate com seus sentimentos, experiências e relações interpessoais. Passando sua formação em revista, o narrador faz um acerto de contas consigo mesmo, registrando o que é viver num país racista. Nesse processo a literatura (as leituras do pai e do narrador) é fundamental. O AVESSO DA PELE mostra que é possível aprender com a alteridade, ou, melhor, fazer da outra pessoa uma fonte de entendimento de si. É assim que São Petersburgo se espelha (reflete e refrata) em Porto Alegre, por exemplo, e Dostoiévski é companhia. Esse procedimento de revelar leituras é presença importante na obra de Jeferson Tenório, autor atento em propor e desenvolver uma educação antirracista em quem lê. "Pessoas brancas nunca pensam que um menino negro pobre possa ter outros problemas além da fome e das drogas", escreve o narrador. Jeferson Tenório ilumina por dentro aquilo que torna alguém o que esse alguém é, num jogo entre influenciar e se deixar influenciar pelos fracassos e sucessos. Como o professor Henrique Nunes, pai do narrador e morto porque "era alvo de uma política de Estado", como depõe um aluno. "É necessário preservar o avesso, você me disse. Preservar aquilo que ninguém vê. Porque não demora muito e a cor da pele atravessa nosso corpo e determina nosso modo de estar no mundo", lê-se num dos muitos trechos dirigidos ao pai, um pai cuja luta foi "fazer a sua voz permanecer na cabeça deles o máximo de tempo possível". Dos alunos, dos leitores, o livro O AVESSO DA PELE de Jeferson Tenório permanece.<br /><p></p>Leonardo Davinohttp://www.blogger.com/profile/12206174100555464620noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2082169988625763518.post-78031769107101674912024-02-25T15:41:00.001-03:002024-02-26T15:44:40.970-03:00O que é poesia marginal<p></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjZA9iHJjkPn6tdVS7Hx88HS-ANwLaLcbXW0dhB4lKVh9ENHH0zlUUFfVPSx5Jo8fZH5ZUbae3kZTm6xeDaTbiju5t_2_PJARWBPTkPafG8G5DCLuJCAS-0J3yXEqYJph3_XoBCY2CUDITUcbDGwX1iOYWYjUfzH2_qU4ZrAV_jSEq0HdbnCPyroZBMrX-b/s1512/61.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1512" data-original-width="1512" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjZA9iHJjkPn6tdVS7Hx88HS-ANwLaLcbXW0dhB4lKVh9ENHH0zlUUFfVPSx5Jo8fZH5ZUbae3kZTm6xeDaTbiju5t_2_PJARWBPTkPafG8G5DCLuJCAS-0J3yXEqYJph3_XoBCY2CUDITUcbDGwX1iOYWYjUfzH2_qU4ZrAV_jSEq0HdbnCPyroZBMrX-b/s320/61.jpg" width="320" /></a></div><br />No livro O QUE É POESIA MARGINAL Glauco Mattoso esmiúça a controversa adjetivação da poesia que circulava nos anos 1970 à margem do mercado editorial. "A palavra marginal, sozinha, não explica muito. Veio emprestada das ciências sociais, onde era apenas um termo técnico para especificar o indivíduo que vive duas culturas em conflito, ou que, tendo-se libertado de uma cultura, não se integrou de todo em outra, ficando à margem das duas", escreve o autor. Hoje, com o adjetivo já devidamente mercadologizado por poetas e editoras, termos como "independente", "alternativo", underground, "artesanal" parecem mais apropriados para refletir sobre a poesia enquanto gesto de subversão ao sistema, às instituições, diante do progressivo aburguesamento do poeta e da poesia numa sociedade cada vez mais espetacularizada. O interessante é observar que tal processo já estava previsto por Glauco Mattoso, poeta do rigor e do desbunde. "No final, você concluirá se existe um característica que possa ser conceituada como marginalidade, se tal conceito representaria uma 'subversão' daquilo que comumente se entende por poesia, ou se essa história toda não passaria de mais um 'equivoco'", lemos no final na introdução do livro. Glauco é um pesquisador das formas, um crítico lúcido e faz de O QUE É POESIA MARGINAL um espaço para responder e provocar com brevidade e profundidade perguntas como "poesia tem que ser estrela?", "poeta tem que ser estrela?", numa evidente cutucada em Bilac e seus herdeiros. "Abaixo o verso! É subversão?" e "artesanais ou artes anais?" também pergunta Glauco, nesse livro da saudosa coleção Primeiros passos, em que a editora Brasiliense tentava explicar temas complexos de um jeito leve e despretensioso.<p></p>Leonardo Davinohttp://www.blogger.com/profile/12206174100555464620noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2082169988625763518.post-40856562157475653102024-02-18T11:45:00.001-03:002024-02-18T11:45:40.568-03:00Ao amigo que não me salvou a vida<p></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhQZDh44FxgnQduecy-thSZ2l7dVioSMmQDWzM0o0Lf0tXybuYMmT9qGOc4ffus7iZCmiFMY72zzTTRyi0VlMclih7ytLpjiP0FrEtU2ug3a0ePJdsr5HkxI75DQxjUokpDNBk68vRsxXvMKElbM6wsGc53E_HE_JJKz_S8u-aSee86bY7-j1EgMtbfGiHQ/s1512/60.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1512" data-original-width="1512" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhQZDh44FxgnQduecy-thSZ2l7dVioSMmQDWzM0o0Lf0tXybuYMmT9qGOc4ffus7iZCmiFMY72zzTTRyi0VlMclih7ytLpjiP0FrEtU2ug3a0ePJdsr5HkxI75DQxjUokpDNBk68vRsxXvMKElbM6wsGc53E_HE_JJKz_S8u-aSee86bY7-j1EgMtbfGiHQ/s320/60.jpg" width="320" /></a></div><br />Paralela às discussões teóricas sobre autoficção, o livro AO AMIGO QUE NÃO ME SALVOU A VIDA, de Hervé Guibert é o registro tocante e interessado dos anos 1980 em Paris, período de descobrimento da aids, doença que aturdiu e matou muita gente. Jornalista e fotógrafo, Guibert maneja as imagens líricas e subversivas da escrita, seduzindo quem ler. "Sim, posso escrever, e esta sem dúvida é minha loucura, dou mais importância a meu livro do que a minha vida; eu não desistiria de meu livro para preservar minha vida, isso será o mais difícil de fazer as pessoas acreditarem e entenderem", lemos em um dos muitos momentos metalinguísticos do texto. "A obra é o exorcismo da impotência", lemos também. Como registrar e impotência? Talvez seja essa a pergunta que move o livro. Impotência diante da doença, diante do "rosto descarnado" que o espelho reflete, diante do abandono de um amigo que poderia ter ajudado e não ajudou. A narração ao estilo de um diário romanceado termina pouco tempo antes da morte do autor. Sob pseudônimos (ou heterônimos?), Michel Foucault e Roland Barthes, amigos de Guibert, também são personagens de uma narrativa em que a homossexualidade pode, enfim, transparecer: "havia uma certeza de que para além da amizade estávamos ligados por um destino tanalógico comum". Se Cazuza cantou "eu vi a cara da morte e ela estava viva", AO AMIGO QUE NÃO ME SALVOU A VIDA registra essa convivência. "Este livro que relata minha fadiga me faz esquecê-la e, ao mesmo tempo, cada frase arrancada de meu cérebro, ameaçado pela intrusão do vírus assim que a pequena barreira linfática ceder, me dá ainda mais vontade de cerrar as pálpebras", lê-se.<br /><p></p>Leonardo Davinohttp://www.blogger.com/profile/12206174100555464620noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2082169988625763518.post-53759011439813201092024-02-11T10:48:00.001-03:002024-02-12T10:52:19.247-03:00Novos e baianos<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjKS0iei4-7_jXdHbHJbBNIJu6czLK0Ms88dutqqUb7MioqdyeIHnfX4cyJ9F2FLGGg96twHETA81aNKqidimZzB7H4RQ_YUdmehlF9pzgE8gb-lrCxtuTkvZq92EXSaZWXbYFZaQ7CoiJlrAb7U0OHuD7hG0j3B6OEsiEbCczRAfdPWigiNfU0-zoy45aJ/s1512/59.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1512" data-original-width="1512" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjKS0iei4-7_jXdHbHJbBNIJu6czLK0Ms88dutqqUb7MioqdyeIHnfX4cyJ9F2FLGGg96twHETA81aNKqidimZzB7H4RQ_YUdmehlF9pzgE8gb-lrCxtuTkvZq92EXSaZWXbYFZaQ7CoiJlrAb7U0OHuD7hG0j3B6OEsiEbCczRAfdPWigiNfU0-zoy45aJ/s320/59.jpg" width="320" /></a></div><br /><p></p><p>No livro NOVOS E BAIANOS, Luiz Galvão escreve no limite entre autobiografia, ensaio, memórias, crônica, romance de formação pessoal e romance geracional. Os anos 1970 são apresentados enquanto época híbrida, experimental, desbundada, no que se refere a uma juventude que queria mudar tanto os costumes, a partir da revisão crítica da sonoridade brasileira. "Estou começando a gostar dessa forma integrada de escrever unindo em um texto o passado vivido ao presente acontecendo, e até ao futuro por vir", escreve Galvão, inscrevendo o tom autorreflexivo da própria narrativa da sua/nossa história. Galvão aborda o passo adiante dado pelo coletivo/comunidade Novos Baianos nas propostas éticas e estéticas herdadas do tropicalismo. Há registros de momentos curiosos e engraçados, difíceis e inspiradores para se entender o período, bem como a linha evolutiva da canção popular. Por exemplo, os bastidores do filme "Farol da Barra", que segue "aquela forma de tríplices historinhas independentes", dirigido por Luiz Galvão, a fim de levantar recursos para o lançamento do disco "Farol da Barra" (1978): "O enredo nos leva ao paraíso onde Adão dorme, enquanto Eva irrequieta, dá com os olhos no personagem da Serpente, vivido por Gato Félix. Com o rabo enrolado num coqueiro, a serpente flerta com Eva, atira-lhe três bananas-maçã, e ela come duas e acorda o companheiro Adão, dando a outra para ele, que após come-la se assusta um pouco, mas logo entra numa onda de sensualidade e beija Eva. Mesmo sendo um beijo de cinema, eles fizeram dessa cena a mais bela, pelo misto de lírico e sensual, quando eles rolaram pela grama em acentuado declive, que facilitou a plástica e a fotografia. A Serpente, depois de cumprir seu papel, se transforma no Anjo Expulsador, que traz uma espada de fogo e persegue a dupla que teoricamente dava vazão ao sexo no planeta". Por essas e outras anotações de quem viveu e fez, NOVOS E BAIANOS é livro que merece leitura. <br /></p>Leonardo Davinohttp://www.blogger.com/profile/12206174100555464620noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2082169988625763518.post-62114637855577791182024-02-04T11:03:00.002-03:002024-02-04T11:03:48.838-03:00Mangue mundo<p></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg6VUEldQ5rSn-IwYXh5uKWf-IqQI6sHCjIJlqzlGrntejGLQKn7Kg4rXbydyypT44A5WVbwi8La-sj6a_N__09ZRLK1baKQLRZiRS5WudOA99mopVFAJzdA9CfyW0F_0EhXDwsUxbDQcFtBUeo4x5Vv0qEiNAlsYFwLHPQuTTXyL0f7WGHohTYC78TxNu8/s1512/58.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1512" data-original-width="1512" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg6VUEldQ5rSn-IwYXh5uKWf-IqQI6sHCjIJlqzlGrntejGLQKn7Kg4rXbydyypT44A5WVbwi8La-sj6a_N__09ZRLK1baKQLRZiRS5WudOA99mopVFAJzdA9CfyW0F_0EhXDwsUxbDQcFtBUeo4x5Vv0qEiNAlsYFwLHPQuTTXyL0f7WGHohTYC78TxNu8/s320/58.jpg" width="320" /></a></div><br />No livro MANGUE MUNDO: POÉTICAS DO MANGUE EM JOSUÉ DE CASTRO, JOÃO CABRAL DE MELO NETO E CHICO SCIENCE Francisco K ensaia uma educação pela lama presente na convergência dos homens-caranguejo do escritor, médico, nutrólogo, cientista social e geógrafo; com os homens-lama do poeta; e os mangueboys e manguegirls do cancionista. Os textos de K equilibram a densidade do rigoroso trabalho de leitura e audição com uma linguagem direta. Para compor o que chama de "poéticas do mangue" K analisa a dialética de acaso e controle, caos e ordem presente (inscrita) na linguagem das obras de Josué, Cabral e Science. A fome - este tabu - é um topos guia das especulações do autor. Naturalismo, idealismo, metáfora e aspectos sócio-econômicos afirmam as margens. K investiga os núcleos moles do centro capitalista perverso. Núcleos sugeridos, de modo mais ou menos engajados, no romance, na poesia, na canção (na performance). A leitura que Francisco K faz do percurso da metáfora na poesia cabralina já mereceria a atenção para MANGUE MUNDO. Mas há mais. Se Josué de Castro chamou atenção para a fome "que corrói silenciosamente inúmeras populações do mundo"; e em seu tríptico do mangue (do Capibaribe) João Cabral tratou do cão vivo debaixo da pele; Science, sem estilizar ou folclorizar o material tradicional sonoro, nem a fome, engendrou um pacto corporal com o mangue: limite e expansão, caos e cão nas "fronteiras nos jardins da razão". O livro de Francisco K é este elogio urgente e revigorante do "corpo sensível-pensante", do "pensar que se faz juntamente com o sacolejo jubiloso do samba". <br /><p></p>Leonardo Davinohttp://www.blogger.com/profile/12206174100555464620noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2082169988625763518.post-69091689241694039922024-01-28T16:52:00.001-03:002024-01-29T16:53:29.433-03:00Ninguém quis ver<p><img alt="" class="gndfcl4n p357zi0d ppled2lx ac2vgrno gfz4du6o r7fjleex g0rxnol2 ln8gz9je b9fczbqn _11JPr" crossorigin="anonymous" draggable="true" src="blob:https://web.whatsapp.com/5120d337-8dea-4272-a579-6e4ccd1f2da1" style="visibility: visible;" tabindex="0" /><img alt="" class="gndfcl4n p357zi0d ppled2lx ac2vgrno gfz4du6o r7fjleex g0rxnol2 ln8gz9je b9fczbqn _11JPr" crossorigin="anonymous" draggable="true" src="blob:https://web.whatsapp.com/5120d337-8dea-4272-a579-6e4ccd1f2da1" style="visibility: visible;" tabindex="0" /></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhcDCqvECnaBpgwtSOvIGYFhbXy62fpgi6MUcRTWY9Uhj-pfZethWJ3zWnqyiSmjYfKypZpzKWM5DOGU3Jmq2gO5Mbb1e-1HAdFd-Ct8OCBR-wJdd5x9W3YZVVvzjx6d9ye1O4Qt6TFyntLic1ZVVZxPJOpreijZTcbJsMWknPMw_OagXf-bil0IHCj6gTp/s1512/57.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1512" data-original-width="1512" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhcDCqvECnaBpgwtSOvIGYFhbXy62fpgi6MUcRTWY9Uhj-pfZethWJ3zWnqyiSmjYfKypZpzKWM5DOGU3Jmq2gO5Mbb1e-1HAdFd-Ct8OCBR-wJdd5x9W3YZVVvzjx6d9ye1O4Qt6TFyntLic1ZVVZxPJOpreijZTcbJsMWknPMw_OagXf-bil0IHCj6gTp/s320/57.jpg" width="320" /></a></div><br />Do primeiro - "moro a setenta quilômetros do mar" - ao derradeiro - "o rosto queimado de sol" - o livro NINGUÉM QUIS VER reúne versos, poemas, sombras, luminescências que justificam o título do livro. Bruna Mitrano escreve poemas em que saltam imagens tão inquietantes quanto óbvias, e, justamente por isso, ocultadas, postas à margem, convenientemente esquecidas. Bruna dá a dica: "só esquece do mar / quem mora perto do mar". Dialética, de contrastes, quiasmática, de fricção são algumas chaves de interpretação da poética de Bruna Mitrano. Poética em que o sol só aparece se desenhado no chão. E o que sempre chama atenção nessa poética são os cortes dos versos, cortes bruscos, violentos, que interditam qualquer lirismo comedido, bem comportado, facilitador. Para se quebrar os versos com a precisão e a eficácia de Bruna Mitrano é preciso projetar vozes líricas tão fraturas quanto: "disseram bruna você parece / que pode partir ao meio", lê-se o biografema no poema que dá título ao livro e abre a segunda das cinco partes que compõem o volume. No uso interno do nome da autora aparecem muitas outras filigranas do eu que "tem estômago pra lembrar / de ser menina". Enjambements "sem metáfora / ou outra figura de linguagem / que emprestasse beleza", os versos aqui são cortados para que "uma voz fraca / vinda do mais fundo / onde uma mulher pode ser" se projete olhando frontalmente quem lê: "eu tô brincando de verdade", lemos. Escrevo mulher porque há uma sabência que passa de avó para mãe para filha. Uma ciência aprendida, apreendida, curtida, sobrevivida: "ela disse que quando o estômago / ficava vazio por muito tempo / apertar ajudava a esquecer", anota a filha escritora. A fome cabe na "vala" do poema, Gullar? Quanto desdobrável a voz lírica de Bruna Mitrano é, Adélia? - pergunta-se quem lê NINGUÉM QUIS VER.<p></p>Leonardo Davinohttp://www.blogger.com/profile/12206174100555464620noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2082169988625763518.post-13130215997140747742024-01-21T11:14:00.001-03:002024-01-27T11:19:40.751-03:00Das vanguardas à tropicália<p></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg9yIU2N_Ch2bb1Yj-eG0sBJ_GLBGVFIdkOjjRdPcpgnvZxky7ULzWYoOlVi4ggYY_i-xINhGaBRcxNMnDxEjHFuxKxaBcWVuuZXK6TBM6c-qhTTzrs47tRaefI3BFxIodT8xVAsCmOMREuAd7remhyRH4mDJNpeQgty0IjbTm8gMgA6imfZEP5Qkw8aaYK/s1512/56.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1512" data-original-width="1512" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg9yIU2N_Ch2bb1Yj-eG0sBJ_GLBGVFIdkOjjRdPcpgnvZxky7ULzWYoOlVi4ggYY_i-xINhGaBRcxNMnDxEjHFuxKxaBcWVuuZXK6TBM6c-qhTTzrs47tRaefI3BFxIodT8xVAsCmOMREuAd7remhyRH4mDJNpeQgty0IjbTm8gMgA6imfZEP5Qkw8aaYK/s320/56.jpg" width="320" /></a></div><br />Dentre os muitos livros que tratam da relação entre a Tropicália e as vanguardas europeias do começo do século XX, dentre eles, o incontornável "Convergências: poesia concreta e tropicalismo", de Lúcia Santaella, destaca-se DAS VANGUARDAS À TROPICÁLIA. Tamanho o rigor crítico. Nele, Guilherme de Azevedo Granato passa em revista as várias filigranas da "modernidade artística" até a "música popular". "A retomada pelo tropicalismo de processos construtivos que remetem às vanguardas históricas insere-se em um momento de recuperação do ideário vanguardista, concomitante com o cenário europeu e norte-americano", escreve Granato, para observar que "formulações como a performance e o happening surgiram como formas alternativas de fruição artística, almejando uma influência direta na vida prática por meio do estímulo sensorial e da desorganização da lógica cotidiana". No Brasil, com a censura e o controle pela ditadura militar, isso ganha conotações importantes, com usos singulares das experimentações artísticas. Urgia superar a separação entre arte e vida. E "o principal intento dos levantes vanguardistas foi o de atacar a arte enquanto instituição dentro da sociedade burguesa", lê-se em DAS VANGUARDAS À TROPICÁLIA. Insubmisso, o instante-já da performance e do happening não se deixa capturar, arquivar, reproduzir, dificultando a ação autoritária. Isso nos ajuda a entender porque muitos cancionistas deram prioridade aos discos de shows ao vivo. Microfones desligados, ruídos propositais, palavras alterações durante o canto marcam o período. Devorar as estruturas era um gesto ético e estético. O livro de Granato orienta como isso se realizou.<br /><p></p>Leonardo Davinohttp://www.blogger.com/profile/12206174100555464620noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2082169988625763518.post-71108541191585867742024-01-14T10:34:00.001-03:002024-01-27T10:41:03.147-03:00Assessora de encrenca<p></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgCwaumNeTKV9Dxmg4mSNLnDwia8h84dlebOmigjUNkbJ4Be3wvcYLsaTX9v14WLxvTie0rE56sd0OzDa1TGBpBMA4UN9ApVwztewd7BM9TRfI5pQmlmEHV_27TzSDl8q-BzuzAc2aV4u-dOvX5-HqdvBC4YcsKAgJIHoigcft2eKHQ5cE0Z1EI7n4OuTpR/s1512/55.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1512" data-original-width="1512" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgCwaumNeTKV9Dxmg4mSNLnDwia8h84dlebOmigjUNkbJ4Be3wvcYLsaTX9v14WLxvTie0rE56sd0OzDa1TGBpBMA4UN9ApVwztewd7BM9TRfI5pQmlmEHV_27TzSDl8q-BzuzAc2aV4u-dOvX5-HqdvBC4YcsKAgJIHoigcft2eKHQ5cE0Z1EI7n4OuTpR/s320/55.jpg" width="320" /></a></div><br />Em ASSESSORA DE ENCRENCA Gilda Mattoso conta como entrou e saiu de várias situações ao lado de nomes importantes da música brasileira. "Gilda Mattoso é uma superdotada para viver o melhor da vida e fazer com que assim também vivam os demais", escreve Pedro Almodóvar na contracapa. "Tudo com ela sempre teve o tom de camaradagem, onde o humor e as observações sutis predominavam", escreve Caetano Veloso na Apresentação. Em tom bastante coloquial, como uma boa conversa num dia de verão, o livro se divide em cinco grandes capítulos: Vinicius, Tom, Caetano, Outros famosos, Álbum de família. Cada capítulo guarda uma gama de enredos, causos da assessora que aprendeu a assessorar assessorando. O destacado bom humor de Gilda tornam leves, importantes e tocantes as situações mais complexas, as encrencas. E há as hilárias, como comer por enquanto os acarajés dedicados a Iansã na casa de Maria Bethânia; Pedro Almodóvar dizer "yo también", depois de Paula Lavigne responder "sou a mulher de Caetano Veloso" a um segurança em Londres. São muitos os famosos com quem Gilda trabalhou, ou, como deixa sugerido ao longo do livro, compartilhou a vida. E essa é a mensagem, ASSESSORA DE ENCRENCA conta uma vida de trabalho em que o afeto reina - a parceria profissional e a amizade andam juntas. Recheado de fotos, o livro rende boa leitura e boas risadas da assessora de imprensa, de encrenca de bom humor.<br /><p></p>Leonardo Davinohttp://www.blogger.com/profile/12206174100555464620noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2082169988625763518.post-70718085824783807872024-01-07T16:55:00.002-03:002024-01-14T16:59:27.132-03:00Anjo do bem gênio do mal<p></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjvMPxjT4wpLkQulNsJN-nMK9nLXTtGdXpXWMjBp2-JpzSfN7Kn6SYaCiRTTW3k78OJJmPAfYIjD1xQOO-fDoI-__6TCSnbsaqTcp4ir9Cj9LBg2UyjqmbKKquzXiL6qIfJVd6kQuLAHuavIZ1KesRJCv64l5vR0g-V_L68DDiM86Lm0E9vSH7ySU1ryTr2/s1512/54.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1512" data-original-width="1512" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjvMPxjT4wpLkQulNsJN-nMK9nLXTtGdXpXWMjBp2-JpzSfN7Kn6SYaCiRTTW3k78OJJmPAfYIjD1xQOO-fDoI-__6TCSnbsaqTcp4ir9Cj9LBg2UyjqmbKKquzXiL6qIfJVd6kQuLAHuavIZ1KesRJCv64l5vR0g-V_L68DDiM86Lm0E9vSH7ySU1ryTr2/s320/54.jpg" width="320" /></a></div><br />ANJO DO BEM GÊNIO DO MAL é a autobiografia de quem, não apenas esteve nos bastidores, mas foi elemento fundamental para que boa parte de nosso cancioneiro tropicalista e rebelde dos anos 1970 acontecesse. Natural de Itabuna, sul da Bahia, Paulinho Lima esteve junto com Gal Costa, Glauber Rocha e demais baianos que fizeram o sudeste rever o conceito "nordestino". Por exemplo, ele trabalhou no antológico show "Barra 69", que Gilberto Gil e Caetano Veloso fizeram na Bahia antes de saírem para o exílio em Londres, e no icônico "Gal (Fatal) a todo vapor", que segurou o vigor contestatório tropicalista durante a ausência dos compositores, em decorrência da ditadura militar. Aliás, pelo que conta, Paulinho foi fundamental para formatar a imagem de Gal Costa. ANJO DO BEM GÊNIO DO MAL conta as dificuldades técnicas, os improvisos, os dribles na censura, o trabalho de transpor os shows para os discos. Interessante ler a atuação de pessoas como Luciano Figueiredo, Oscar Ramos, Duda Machado nesse momento decisivo. Entre muitos autoelogios, destacam-se os comentários feitos sobre o projeto pessoal de gravar discos de literatura lidos por artistas famosos. Gregório de Matos, Drummond, Clarice, Augusto dos Anjos, entre outros, foram lidos por Paulo Autran, Aracy Balabanian, Othon Bastos e outros artistas de teatro, pessoas do convívio de Paulinho desde a juventude em Salvador e Rio de Janeiro. Coautor da radiofônica "Perigo" (cujo verso dá título ao livro ANJO DO BEM GÊNIO DO MAL), sucesso na voz de Zizi Possi, entre amizades e desafetos, Paulinho transitou e agiu em boa parte do cânone da canção popular brasileira da segunda metade do século XX. E suas memórias guardam boas percepções desse contexto histórico. <br /><p></p>Leonardo Davinohttp://www.blogger.com/profile/12206174100555464620noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2082169988625763518.post-20123352586384915672023-12-31T09:20:00.001-03:002024-01-01T09:23:43.477-03:00Discos de 2023<p><span style="font-weight: normal;"><span style="font-size: small;"></span></span></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><span style="font-size: small;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhUf2QpQoYgAxvx-4YdU56FtkAJBr9Q74b0F7BzlpkV8XctJ7I-q2ww2EwVkOPhyphenhyphenu1WGu1cF6ofMylI3ueq3FpJnvg0TK8L2259npgUjWbZtPS3buxtAyGJtd4R9QYVvBSF0kHxmSbToLsEPI60rTg1HuSkS5QqGbyyhjJE-kLnSCJz6un2SwXXs20Y65_b/s2049/discos%202023a.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="2046" data-original-width="2049" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhUf2QpQoYgAxvx-4YdU56FtkAJBr9Q74b0F7BzlpkV8XctJ7I-q2ww2EwVkOPhyphenhyphenu1WGu1cF6ofMylI3ueq3FpJnvg0TK8L2259npgUjWbZtPS3buxtAyGJtd4R9QYVvBSF0kHxmSbToLsEPI60rTg1HuSkS5QqGbyyhjJE-kLnSCJz6un2SwXXs20Y65_b/s320/discos%202023a.jpg" width="320" /></a></span></div><span style="font-size: small;"><br />Em ordem aleatória, os discos de 2023 que mais ouvi, li, escutei, cantei junto, estudei: </span><span style="font-weight: normal;"><span style="font-size: small;"> </span></span><p></p><p><span style="font-weight: normal;"><span style="font-size: small;">Fabiana
Cozza - Urucungo; Jards Macalé - Coração bifurcado; Ava Rocha - Nektar;
Filipe Catto - Belezas são coisas acesas por dentro; Omar Sosa e Tiganá
Santana - Iroko; Makely Ka - Triste entrópico; Mahmundi - Amor fati;
Ogi - Aleatoriamente; Mateus Fazeno Rock - Jesus ñ voltará.</span></span></p>Leonardo Davinohttp://www.blogger.com/profile/12206174100555464620noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2082169988625763518.post-74607253394836261332023-12-31T09:18:00.001-03:002024-01-01T09:20:02.821-03:00A campa é outro berço<p></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjuv2jilhtZls9K-KgAChexm_zQoaZzagx_d6EAV6ACN5t1E5tGmBswd09eneoHfg14VE-lPHnluK7OcCI8dbkiLVHEIGzWCAZCpbAJRDd3todoDRwn4_wNIHT1CHfPT0V9AOrY-QYW04SFLdTWrNmKR8oyg3my4EcEV4r2gopbFe5NH3rMwJcXYvYzqrPy/s1512/53.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1512" data-original-width="1512" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjuv2jilhtZls9K-KgAChexm_zQoaZzagx_d6EAV6ACN5t1E5tGmBswd09eneoHfg14VE-lPHnluK7OcCI8dbkiLVHEIGzWCAZCpbAJRDd3todoDRwn4_wNIHT1CHfPT0V9AOrY-QYW04SFLdTWrNmKR8oyg3my4EcEV4r2gopbFe5NH3rMwJcXYvYzqrPy/s320/53.jpg" width="320" /></a></div><br />No poema “A lição de poesia”, João Cabral de Melo Neto encena a “luta branca sobre o papel” e manipula “as vinte palavras recolhidas/ nas águas salgadas do poeta”, a fim de, com o uso da metalinguagem, indicar o “funcionamento” da “máquina” de escrituração. “Densidade” e “evaporação” são palavras usadas por Melo Neto, e que recolho aqui para ler o livro de contos A CAMPA É OUTRO BERÇO, de Bruno Lima. Se para o dicionário “densidade” é uma propriedade física que relaciona a massa de um material ao volume que ele ocupa, Bruno Lima justapõe e sobrepõe uma profusão de autores, leituras e conhecimentos da vida literária e do trabalho com a literatura em seu conjunto de contos. Mas essa densidade do saber individual só se realiza no procedimento de “evaporação” desse saber, ou seja, no trabalho de tragar e traduzir leitura em escrita, quando aquilo que seria do “iniciado” é apresentado (e presenteado) ao “leigo”. E é isso que Lima entrega ao seu leitor. Esse, por sua vez, é o tempo todo cobrado e instigado a ler mais, saber mais, para além daquilo que está presente (em presença) nos contos: Guimarães Rosa, José Lins do Rego, Graciliano Ramos, Lima Barreto, Iessiênin, Kafka, Rubem Fonseca, Marcelino Freire, Sérgio Sant’Anna e, o mais presente, Machado de Assis, entre outros, transitam pelos 16 textos, irrigando a sabedoria do autor e a imaginação do leitor. Imaginar ainda é uma competência da literatura? Essa pergunta atravessa A CAMPA É OUTRO BERÇO. Seja nos exercícios de formas e tipos de escrita – carta, notícia jornalística, diário, testemunho, autoficção; seja no conteúdo e nas reflexões dos narradores. <br /><p></p>Leonardo Davinohttp://www.blogger.com/profile/12206174100555464620noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2082169988625763518.post-70608340069543319362023-12-24T17:55:00.014-03:002023-12-25T18:00:37.577-03:00Sodomita<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgCb7WdH7VjKv5JmcnleNgFPlnptOVq_-TBMxDp9id9kn6YdTZfeBymU19Nj4y2jQg8AVVLTLZqizMjUPtdr5BhCv5ICrEb8U9qczRtXI-XoRs9JLvdH9MxllAQeAcf-AcYrkfTd6IkPdLOSK-PC6VT6kA-aVRaR7GQNvVD74HivuHkfImkNPwtyH_fzBUB/s1512/52.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1512" data-original-width="1512" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgCb7WdH7VjKv5JmcnleNgFPlnptOVq_-TBMxDp9id9kn6YdTZfeBymU19Nj4y2jQg8AVVLTLZqizMjUPtdr5BhCv5ICrEb8U9qczRtXI-XoRs9JLvdH9MxllAQeAcf-AcYrkfTd6IkPdLOSK-PC6VT6kA-aVRaR7GQNvVD74HivuHkfImkNPwtyH_fzBUB/s320/52.jpg" width="320" /></a></div><br />No livro <i>Cultura e opulência do Brasil</i> (1711), André João Antonil registrou que "se a terra, obedecendo ao império do Criador, deu liberalmente a cana para regalar com a sua doçura aos paladares dos homens, estes, desejosos de multiplicar em si deleites e gostos, inventaram contra a mesma cana, com seus artifícios, mais de cem instrumentos para lhe multiplicarem tormentos e penas". Tratando "Do que padece o açúcar desde o seu nascimento na cana, até sair do Brasil", o livro alerta para o mau uso das coisas do Criador, incute a culpa. Essa mistura entre Estado e religião é marca do Brasil colônia, porém, seus miasmas chegam até nossos dias. Vide a frágil laicidade do Estado. É o que nos leva a pensar o livro SODOMITA, de Alexandre Vidal Porto. Ficcionalizando a história de Luiz Delgado, degredado de Lisboa para o Brasil, sob a acusação de sodomia, Porto repara e alerta. Se no livro de 1711 lemos o famoso adágio de que o Brasil “é inferno dos negros, purgatório dos brancos, e paraíso dos mulatos e das mulatas”, Porto revela o que "é da nossa natureza" humana: o desejo, as "causas do coração". Anos mais tarde, novamente degredado, pelo mesmo "crime", Delgado vai aprender em Angola a respeitar sua natureza. (Muito antes de Chico Buarque e Edu Lobo questionarem "será que o deus que criou nosso desejo é tão cruel / mostra os vales onde jorra o leite e o mel e esses vales são de Deus"). Aliás, o trânsito da personagem entre Lisboa, Bahia e Angola, "onde se destina à penitência dos pecadores mais vis", é, por si, um ótimo motivo para a leitura do livro, pois revisa o ethos colonial, as atrocidades feitas em nome de Deus. Além do rico trabalho com a coloquialidade da língua escrita, restituindo um uso contextual e histórico de termos e expressões - o que adensa a tensão entre a ironia crítica do escritor de hoje em relação ao patético das situações "criminosas". Por exemplo, o medo da "efusão de sêmen intravaso", o que agravaria o "comportamento desvairado" de deitar com outro homem. De fato, ao fazer uso do próprio corpo para fins de deleites e gostos pessoais, Luiz Delgado pena e goza no Brasil do século XII, lugar para onde os europeus vinham para enriquecer ou purgar "crimes contra a natureza" divina: o purgatório do branco. Naquele tempo, a sodomia era "crime" gravíssimo. Cronistas da época comentam isso. Nos poemas atribuídos a Gregório de Matos (1636-1696) constatamos o escárnio de nosso sátiro sobre o tema: no poema "Marinícolas", paródia da canção "Marizápalos a lo humano", de López de Honrubias (1657), referindo-se possivelmente a Nicolau de Tal, provedor da Casa da Moeda em Lisboa, daí o termo "marinícolas" = maricas + Nicolau, Gregório teria cantado: "(...) Tem por mestre do terço fanchono / Um pagem de lança, que Marcos se diz, / Que se em casa anda ao rabo dele, / O traz pela rua ao rabo de si". Essa descrição diz muito do tom como a relação entre Delgado e Doroteu Antunes é registrada no livro SODOMITA. Alexandre Vidal Porto é primoroso em forjar uma linguagem que leva quem lê a rir do ridículo das acusações, quando, "nas igrejas, acusavam pecadores de despertar a ira divina e da propagação da peste, e os padres maldiziam os excessos tenebrosos". O uso de adjetivação moralizante serve bem a esse propósito de pastichizar a crônica seiscentista, ao mesmo tempo em que finge isenção e neutralidade. Por fim, se o mancebo Doroteu chega a recorrer ao padre Antonio Vieira, superior dos jesuítas, para se livrar do domínio do demônio, merece destaque a personagem Florência Dias Ferreira, a donzela e amiga esposa de Luiz Delgado. E nisso também o livro é importante: no diagnóstico da misoginia, já que o horror da religião é e está no feminino, na mulher.Leonardo Davinohttp://www.blogger.com/profile/12206174100555464620noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2082169988625763518.post-17936204474861375992023-12-17T17:14:00.000-03:002023-12-17T17:14:20.670-03:00Da dificuldade de nomear a produção do presente<p><span class="x193iq5w xeuugli x13faqbe x1vvkbs x1xmvt09 x1lliihq x1s928wv xhkezso x1gmr53x x1cpjm7i x1fgarty x1943h6x xudqn12 x3x7a5m x6prxxf xvq8zen xo1l8bm xzsf02u x1yc453h" dir="auto"></span></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiAbRX9IFYDMu_P7hg1RnvG9JnNjYBx_pESq5o-7ZRdSvWEjs6DAVOH7O4Es0ICfMqb1RjGEv0TKBm_ID2EFMDMDv2Pl8ychlbIEfdFmQ0atTvHR30uWydewyeU30R_v0LD45GlVzbJUMBjVa-kIMcc92Ru3rDfVaK17yW_s0Dw6YbXSTQTbPuuWJTHv8c5/s1440/51.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1440" data-original-width="1440" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiAbRX9IFYDMu_P7hg1RnvG9JnNjYBx_pESq5o-7ZRdSvWEjs6DAVOH7O4Es0ICfMqb1RjGEv0TKBm_ID2EFMDMDv2Pl8ychlbIEfdFmQ0atTvHR30uWydewyeU30R_v0LD45GlVzbJUMBjVa-kIMcc92Ru3rDfVaK17yW_s0Dw6YbXSTQTbPuuWJTHv8c5/s320/51.jpg" width="320" /></a></div><br />Há
livro que já nasce destinado a não sair do horizonte de quem pesquisa
determinado tema. É o caso de DA DIFICULDADE DE NOMEAR A PRODUÇÃO DO
PRESENTE, de Ieda Magri.
Uma coletânea de textos da autora. Publicado anteriormente em revista
acadêmica, o texto "A literatura como arte contemporânea" não sai de
minha mesa de trabalho, tamanha a revisão conceitual e metodológica
proposta. Assentado no livro, junto (em camaradagem) com outras miradas
precisas, o texto de Ieda se <span></span>expande.
Leitora crítica de Ludmer, Garramuño, Rancière, Aira, Piglia, Bolaño,
Kamenszain, Ieda Magri compartilha reflexões que giram em torno do
prazer do texto - prazer que revolve a crítica e a teoria literária.
"Talvez seja esse grão de entendimento o que alinhava os textos e põe em
conversa os narradores e os críticos que aqui figuram, sem, no entanto,
que este seja um livro sobre uma literatura que se quer crítica",
escreve a autora na apresentação. Essa leveza calvina atravessa os
textos de DA DIFICULDADE DE NOMEAR A PRODUÇÃO DO PRESENTE, título
capcioso, pois, ao falar da dificuldade de nomear, nomeia, ou sugere, o
presente enquanto "produção". E cada texto de Ieda rastreia isso, ou
seja, o contato entre experiência e repetição, com todos os miasmas da
modernidade que se impõem no fugidio agora, de uma "estética
contemporânea que aposta no não feito". Há algo mais leve do que definir
"poética" enquanto "exercício de uma crença do que seja a literatura e
do papel que cada escritor tem na série literária, consciente da posição
que quer ocupar"? A eficácia da definição breve só se realiza porque
elaborada por mãos hábeis na crítica e na escrita literária, marca de
Ieda Magri. E "não se trata de simplificar, mas de devolver a
complexidade", ela escreve. Por essas e outras, DA DIFICULDADE DE NOMEAR
A PRODUÇÃO DO PRESENTE é livro para deixar sobre a mesa, ler, reler,
consultar, citar, levar para a sala de aula. <br /><p></p>Leonardo Davinohttp://www.blogger.com/profile/12206174100555464620noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2082169988625763518.post-37736813089847188472023-12-10T18:19:00.002-03:002023-12-17T18:22:08.263-03:00Raio<p></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjZ_2wFTAMDAw5hYiquQ9ex-bBmefyJ6E9kEyw0z0VhRw7ECyTPmwMhNd1d-nmrAOOeMPfbFmiwuu15vHkMQKOqRqYKYpB50R7NlM4dSq8y2NbCmH9sZhjthgpphqbYrolcrahaFKMTvI7E6sHi0ONJIsVzDCmi9hPLQxFsV-WxrIsJSrFBgWqJZ-le4PLL/s1512/49.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1512" data-original-width="1512" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjZ_2wFTAMDAw5hYiquQ9ex-bBmefyJ6E9kEyw0z0VhRw7ECyTPmwMhNd1d-nmrAOOeMPfbFmiwuu15vHkMQKOqRqYKYpB50R7NlM4dSq8y2NbCmH9sZhjthgpphqbYrolcrahaFKMTvI7E6sHi0ONJIsVzDCmi9hPLQxFsV-WxrIsJSrFBgWqJZ-le4PLL/s320/49.jpg" width="320" /></a></div><br />Em RAIO Eucanaã Ferraz tece refinada trama de leituras, desdobrando o moderno hoje, entre Gullar e Cecília. Outrossim, "o fogo / queimou tudo. só não queimou a pedra", lê-se. Eis Eucanaã dizendo onde filtra sua poética: o prisma Cabral. De fato, RAIO é um livro em que os poemas compõem "um [livro] jovem cravejado de cristais". O verso diz mesmo bastante das imagens que se aglomeram e se encadeiam ao longo da leitura; e do procedimento de repetir (em diferença) palavras e expressões de um poema no outro. Essas anáforas insuspeitadas agem a serviço da composição do livro como um poema único, cheio de arestas, mas bordado sobre instantes. E assim os poemas se contaminam, sacralizando o cotidiano - as muitas referências bíblicas sustentam isso. Misturadas às sensações líricas, essas referências estimulam elucubrações sobre o existir: "mal entendo a língua / com que os homens falam / (finjo digo calo) / como entenderia / o que diz um peixe". A ausência de vírgulas dá fundamento e "tudo se baralha", numa paisagem do Rio de Janeiro em pleno verão. O poema "Barcarola" talvez seja o núcleo desse artifício. Cor mais alegre e mais triste, o verde novinho em folha se espraia pelos poemas e anima a tropical melancolia de Eucanaã Ferraz. Outra referência: as redondilhas de "Na feira" surge como um contracanto - "me aproximo mudo" - ao cantador cego do "circuladô de fulô" haroldiano. "Seria cego se eu não lhe reclamasse os olhos?", lê-se noutro poema. A estrutura de cada poema é um exercício formal a parte, dentro, entre: baladas, madrigais, odes, elegias desautomatizam o olhar, ou significa o ordinário - "instante mais bonito este quando o olho não funciona como se espera". Prismático, RAIO convida quem lê a rever.<br /><p></p>Leonardo Davinohttp://www.blogger.com/profile/12206174100555464620noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2082169988625763518.post-12677040361818541152023-12-03T10:24:00.000-03:002023-12-19T10:27:33.742-03:00Mela cueca<p></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEigx1bbFuPoGesq0Ue5IWX6hWpi_S0j_xMwciQceVl6QGjVSwQhcYjDtYETU1jkyMMMe204HSX2Zphk7-UFR23GMy-I_vYRWShSQnrs8dvKpgWEbeRAdDxmZ4GxguOrU9vl2f19TjwQV8e89615wMMbteMqa5_zqu50q_T4S1KI7svJDT8D3UNUQnx3l574/s1512/48.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1512" data-original-width="1512" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEigx1bbFuPoGesq0Ue5IWX6hWpi_S0j_xMwciQceVl6QGjVSwQhcYjDtYETU1jkyMMMe204HSX2Zphk7-UFR23GMy-I_vYRWShSQnrs8dvKpgWEbeRAdDxmZ4GxguOrU9vl2f19TjwQV8e89615wMMbteMqa5_zqu50q_T4S1KI7svJDT8D3UNUQnx3l574/s320/48.jpg" width="320" /></a></div><br />O livro MELA CUECA recolhe "as canções de amor que o mundo esqueceu". Com sua característica verve kitsch e tropical, Zé Pedro lista e comenta alguns dos motivos desse esquecimento, que é duplo: das canções e do amor. O diagnóstico diz bastante de nossos dias de hoje, com a emergência dos discursos de ódio e, ao mesmo tempo, das patrulhas ideológicas. Curador, produtor, DJ, Zé Pedro faz do livro, em que mescla memórias e biografemas, um elogio e uma defesa de um tipo de canção em desuso (?): aquelas que tocavam nas estações AM, "aquelas baladas de letras açucaradas com arranjos musicais gravados ao vivo e, muitas vezes, com o artista colocando a voz ao mesmo tempo", escreve. [Hoje deslocadas para o piseiro, ou o arrocha? Ele não chega a comentar, pois seu foco são as pistas de dança da noite carioca e paulista]. Antes de expor seu "guia de faixas", Zé Pedro escreve que "as canções listadas nesse livro vão até o primeiro ano da década de 1980, quando os teclados eletrônicos, ombreiras e o gel new wave para cabelos rebeldes alteraram a fórmula do romantismo no mundo". E essa é a profissão de fé de alguém que, pelo que se depreende da leitura de MELA CUECA, vive de amor e música.<p></p>Leonardo Davinohttp://www.blogger.com/profile/12206174100555464620noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2082169988625763518.post-23353403275013901772023-11-26T09:56:00.001-03:002023-12-19T09:58:00.990-03:00As duras penas<p></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj-sNc94bRcbT1mUTreEHEJOaqJ3ECObzblqzMQq8Iyu0IBOSa6eKiqvQs8wHqyrhMjEZPcCX95HfS6HfQ6cPd8cKBdxPKQjV-TxwXtQQf7gaSIGlalYBbJ96fqNwLZap9S2qfaJymv2ngW26nB5e9uWf7rh7F9mZqQQBK_D0c-zAIeKsGnruuMk3pokeYE/s1512/47.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1512" data-original-width="1512" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj-sNc94bRcbT1mUTreEHEJOaqJ3ECObzblqzMQq8Iyu0IBOSa6eKiqvQs8wHqyrhMjEZPcCX95HfS6HfQ6cPd8cKBdxPKQjV-TxwXtQQf7gaSIGlalYBbJ96fqNwLZap9S2qfaJymv2ngW26nB5e9uWf7rh7F9mZqQQBK_D0c-zAIeKsGnruuMk3pokeYE/s320/47.jpg" width="320" /></a></div><br />Tive o privilégio de ler AS DURAS PENAS - O ÍNDIO NA LITERATURA E A LITERATURA INDÍGENA quando ainda era a tese de doutorado de Lívia Penedo Jacob. Tendo merecidamente recebido o Prêmio Capes de Tese, o livro reúne 10 ensaios sobre representação e autorrepresentação da alteridade indígena, esse conceito guarda-chuva de algo que não tem governo, nem nunca terá, de uma singularidade prismática impossível de ser apreendida pelos filtros iluministas e românticos que ainda hoje se impõem no debate acadêmico em torno da ética e da estética na literatura. Outrossim, "enquanto a antropofagia pretendida por Oswald e Mário de Andrade buscava a miscigenação cultural, deglutindo e ruminando inclusive a escrita etnográfica, assistimos, na atualidade, à participação efetiva dos povos originários nesse fazer poético", escreve a autora. Unimúltiplo, o conceito "indígena" (e seu implícito "índio") é abordado por Lívia enquanto revelação daquilo que, não por ser exótico, é o óbvio; é nós. Para tanto, o foco na oralidade é fundamental. Desprezada por certa linha da Academia, exatamente porque impossível de ser domada, domesticada, civilizada, a pesquisa em torno da oralidade faz do livro AS DURAS PENAS, com toda ambiguidade que esse título sugere, uma referência à compreensão do gaio saber. Destaque-se o manejo de perspectivas e o diálogo estabelecidos com diversos e diferentes autores canônicos e de hoje. <br /><p></p>Leonardo Davinohttp://www.blogger.com/profile/12206174100555464620noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2082169988625763518.post-29676932418540175422023-11-19T08:47:00.001-03:002023-12-19T08:51:56.737-03:00Como organizar uma biblioteca<p></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiJZfSraWbQlFkyfNMAMILvZImPHhSNr2bfCMu0FmTt8ggzGtEK5tT6ym4J5XF9KVk1r_qzOC6VIhrFNjrT__2r_aaAUddEQCscUJsva5WhkyUytI92BKtSKUuXWfw3e4Sq1scMUZxK405X1aDTFJP_52H_VT-1EUsfoEnGds4iWoe5FFd92gLRCE6QCAdN/s1512/46.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1512" data-original-width="1512" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiJZfSraWbQlFkyfNMAMILvZImPHhSNr2bfCMu0FmTt8ggzGtEK5tT6ym4J5XF9KVk1r_qzOC6VIhrFNjrT__2r_aaAUddEQCscUJsva5WhkyUytI92BKtSKUuXWfw3e4Sq1scMUZxK405X1aDTFJP_52H_VT-1EUsfoEnGds4iWoe5FFd92gLRCE6QCAdN/s320/46.jpg" width="320" /></a></div><br />Despretensioso, como a grande maioria das boas obras, COMO ORGANIZAR UMA BIBLIOTECA é uma leitura leve e reveladora sobre os modos de ser e estar com os livros - esse fetiche: "os livros são objetos transcendentes / mas podemos amá-los do amor táctil", canta Caetano Veloso; "o fetichismo, para ser saudável, implica o uso, o contato", escreve Roberto Calasso. E o autor vai elencando seus livros de formação, de cabeceira, de trabalho, revelando muito de si, inscrevendo sua vida através das leituras. Fatos históricos se misturam às páginas que vão passando, não à margem, mas, pelo contrário, junto, com, dentro da vida. Esse baralhar é a potência do livro COMO ORGANIZAR UMA BIBLIOTECA, já que "a organização de uma biblioteca nunca encontrará - aliás nunca deveria encontrar - uma solução", escreve Calasso. Equilibrando humor e amor, o autor presentei quem lê com tiradas tão engraçadas quanto precisas: ""O essencial é comprar muitos livros que não são lidos na hora. Em seguida, depois de um ano, ou de dois anos, ou de cinco, dez, vinte, trinta, quarenta, poderá chegar o momento em que se pensará ter necessidade exatamente daquele livro - e quem sabe ele poderá ser encontrado numa prateleira pouco frequentada da própria biblioteca", lê-se na tradução de Patricia Peterle. Daí porque cada biblioteca é única e incivilizada aos olhos de fora, justo porque a disposição dos livros na biblioteca é um gesto de paixão. <br /><p></p>Leonardo Davinohttp://www.blogger.com/profile/12206174100555464620noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2082169988625763518.post-73029353502185823652023-11-12T10:00:00.001-03:002023-11-20T10:04:37.042-03:00Sem receita<p></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh3YjknPUcrILJHPR2TCGjFgl0KvfEFQjXB-4gTdgx-63yK2iuj6BxZqZJwMNt0Qx9bkaRV6VDlWwCiiCF-i2qbluRKoHsyERh-WlCncDA4KRPsMHphPigEJ9q_iXkB75tahuCmUzJfHXb8SkSaDD7t1SeiOSAWvhwTgr12jSCVIvUq-gLuGh_vPeyqpETa/s1512/45.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1512" data-original-width="1512" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh3YjknPUcrILJHPR2TCGjFgl0KvfEFQjXB-4gTdgx-63yK2iuj6BxZqZJwMNt0Qx9bkaRV6VDlWwCiiCF-i2qbluRKoHsyERh-WlCncDA4KRPsMHphPigEJ9q_iXkB75tahuCmUzJfHXb8SkSaDD7t1SeiOSAWvhwTgr12jSCVIvUq-gLuGh_vPeyqpETa/s320/45.jpg" width="320" /></a></div><br />O livro SEM RECEITA, de José Miguel Wisnik, valeria a leitura apenas por resgatar o icônico texto "Gaia ciência - literatura e música popular no Brasil", com seu diagnóstico preciso na virada do século XX para o XXI: "Podemos postular que se constitui no Brasil, efetivamente, uma nova forma de “gaia ciência”, isto é, um saber poético-musical que implica uma refinada educação sentimental. [...] Noutras palavras, o fato de que o pensamento mais “elaborado”, com seu lastro literário, possa ganhar vida nova nas mais elementares formas musicais e poéticas, e que essas, por sua vez não sejam mais pobres por serem “elementares”, tornou-se a matéria de uma experiência de profundas consequências na vida cultural brasileira das últimas décadas". Mas o livro SEM RECEITA vale também por outros diagnósticos, diversas metaforizações e várias iluminações que só o pensamento rigoroso e amoroso de José Miguel Wisnik consegue elaborar, sobre Machado e Maxixe, política e música, a transcendência da cajuína, o dom da ilusão, Zé Celso e Dioniso, etc. <br /><p></p>Leonardo Davinohttp://www.blogger.com/profile/12206174100555464620noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2082169988625763518.post-53392953788701994912023-11-05T09:24:00.001-03:002023-11-20T09:26:17.417-03:00Tropicália rex<p></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjQUAa8wpthCvo9rWqmdqeT7fJSl_YVwaLtHgoaCwtQUvM5nb21NuSx0qT7P0VsvT-t3c9gpW8eCRnK2gG3jgG1N6QJPZZjyS5F6J1yc7u4tMRKI2BtMw5hTxm_QqQw26uqMLj5wf5ovfIqVzUFtXl9pp9oHEi_UZI39lNC6XCu9oyicPGzlJJv16tVNiFt/s1512/44.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1512" data-original-width="1512" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjQUAa8wpthCvo9rWqmdqeT7fJSl_YVwaLtHgoaCwtQUvM5nb21NuSx0qT7P0VsvT-t3c9gpW8eCRnK2gG3jgG1N6QJPZZjyS5F6J1yc7u4tMRKI2BtMw5hTxm_QqQw26uqMLj5wf5ovfIqVzUFtXl9pp9oHEi_UZI39lNC6XCu9oyicPGzlJJv16tVNiFt/s320/44.jpg" width="320" /></a></div><br />O rap abriu o debate a cerca da perda do reconhecimento confortável daquilo que definimos culturalmente ao longo de todo o século XX como sendo "canção" - monumento do gaio saber brasileiro. Entre o "ela pensa em casamento / e uma canção me consola" do verso tropicalista, o rap performa o "papo reto" de identidades historicamente postas à margem, sem o consolo, nem o direito. "O rap não é apenas um gênero da música popular brasileira que faz um jogo político; ele ressalta o jogo político que está presente desde os primórdios da tradição musical popular brasileira", escreve Liv Sovik no livro TROPICÁLIA REX. Para a autora, que trata do "fim de certo consenso pacífico em torno das hierarquias sociais e raciais" no Brasil, "o rap assume, exacerba e deixa explícito o que o tropicalismo preconizava em suas referências à cultura popular", agora, "não mais como motivo de choque, mas como veículo da vida coletiva", uma vida imersa na violência gerada pelas desigualdades. Quando, diante da audição de um rap, estranhamos e perguntamos "isso é canção?", o rap já cumpriu sua missão, ou seja, desinstalou a certeza, nublou as verdades burguesas, cravou a dúvida, deu o nó na orelha da nossa educação sentimental. TROPICÁLIA REX trata disso e de outras questões de música popular e cultura brasileira, temas sobre os quais Liv Sovik sempre lança luzes desautomatizadas.<p></p>Leonardo Davinohttp://www.blogger.com/profile/12206174100555464620noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2082169988625763518.post-66773104136211151682023-10-29T10:31:00.001-03:002023-11-17T10:37:10.648-03:00Finas flores<p></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgjNCq_6RcBCGU10-toPrVmEyfTDAE8_Dzr6ZByCqs-vEUHkm9VaIhzgjH-xJqPmpfH7lt5MAe2WMv7nCDjNrLkKEMQIiA6omZ_oypn0ENHbVhrDqhnc-2XhDXcRKDZ73yXx8WBr-BovxDF-d1vY5KOzHAoSSLc257auoXwqclRRvukKKPOZbK8R-j16ZRf/s1512/43.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1512" data-original-width="1512" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgjNCq_6RcBCGU10-toPrVmEyfTDAE8_Dzr6ZByCqs-vEUHkm9VaIhzgjH-xJqPmpfH7lt5MAe2WMv7nCDjNrLkKEMQIiA6omZ_oypn0ENHbVhrDqhnc-2XhDXcRKDZ73yXx8WBr-BovxDF-d1vY5KOzHAoSSLc257auoXwqclRRvukKKPOZbK8R-j16ZRf/s320/43.jpg" width="320" /></a></div><br />O livro FINAS FLORES trata das mulheres letristas na canção brasileira. Jorge Marques elenca Adriana Calcanhotto, Fátima Guedes, Dolores Duran, Joyce, Maysa e Rita Lee, sem esquecer de citar Chiquinha Gonzaga, entre outras, e investiga a palavra e o acorde feitos por mulheres no Brasil, esse "país de cantoras", como diz o adágio popular. Porém, de "poucas letristas". "E pra que palavras / se eu não sei usá-las?", pergunta ironicamente uma canção de Adriana Calcanhotto. Se, "cada uma palavra é a minha vida / cada acorde é um pedaço de mim", como diz a canção de Joyce, coube ao autor de FINAS FLORES interpretar o que significou a tomada de voz dessas mulheres, historicamente silenciadas, ou, pior, destinadas à função de musas para/por homens. "Ser mulher é ter o poder de gerar vida", diz o primeiro verso do poema de Gilka Machado. E é essa vida gerada que o autor investigar, esse ser e estar mulher no mundo, na perspectiva que cada letrista poetiza em suas obras. "Mulher é desdobrável. Eu sou", diz outro poema, de Adélia Prado. Ao final da leitura do livro, percebemos o trabalho minucioso realizado por Jorge Marques: a singularização de variadas dobras, de diversas poéticas lidas/ouvidas. Quem lê FINAS FLORES ouvindo as canções, descobre novas frestas, faz descobertas. "O cânone se impõe porque seleciona: determina aqueles(as) que fazem parte e aqueles(as) que não fazem parte da fina flor. Relaciona, limita e, por conseguinte, exclui", conclui o autor, lançando luz sobre o que urge revelação. <br /><p></p>Leonardo Davinohttp://www.blogger.com/profile/12206174100555464620noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2082169988625763518.post-42787359776723270072023-10-22T10:47:00.002-03:002023-10-22T10:47:34.323-03:00O homem que amava rapazes e outros ensaios<p><span class="x193iq5w xeuugli x13faqbe x1vvkbs x1xmvt09 x1lliihq x1s928wv xhkezso x1gmr53x x1cpjm7i x1fgarty x1943h6x xudqn12 x3x7a5m x6prxxf xvq8zen xo1l8bm xzsf02u" dir="auto"></span></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjLbkmoL1j-5ZteHfXoKEygUz8yLdSHjbBOSsuJ9QFY-3fosP-QH8jE9g4FUvJPNQzR6thIQlKYFlf_tNle9QZnzMcM1xiIyQDtnph432LlOWdFekrFSEPU8KOpRljP_fMP9rHNOXY9DqahlsrrJr_Vs_l_0RGYUa7fRqBypxZ8NV1-MbHLeZIArDUKZX71/s1440/42.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1440" data-original-width="1440" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjLbkmoL1j-5ZteHfXoKEygUz8yLdSHjbBOSsuJ9QFY-3fosP-QH8jE9g4FUvJPNQzR6thIQlKYFlf_tNle9QZnzMcM1xiIyQDtnph432LlOWdFekrFSEPU8KOpRljP_fMP9rHNOXY9DqahlsrrJr_Vs_l_0RGYUa7fRqBypxZ8NV1-MbHLeZIArDUKZX71/s320/42.jpg" width="320" /></a></div><br />Vira
e mexe releio, cito, indico o livro O HOMEM QUE AMAVA RAPAZES E OUTROS
ENSAIOS, de Denilson Lopes. Há nesse livro vários nós ainda hoje não
devidamente desatados no debate acadêmico, e que Denilson diagnostica e
faz encaminhamentos para lá de pertinentes. Talvez o mais importante: o
enfrentamento teórico, crítico e ensaístico da (tropical) melancolia. "O
indivíduo é uma construção e não dado inerente ao humano", lemos no
primeiro parágrafo do texto "Terceiro manifesto camp", em que trata do
desafio do sujeito contemporâneo para "articular suas máscaras em
constante troca, seu eu mutante, sem se deixar dissolver no puro
movimento, na velocidade, no mercado de imagens". É inspirador ver
Denilson, por exemplo, ensaiando uma tradução de "camp" para nós:
"Enquanto comportamento, o camp pode ser comparado à fechação, à atitude
exagerada de certos homossexuais, ou simplesmente à afetação. Já
enquanto questão estética, o camp estaria mais na esfera do brega
assumido, sem culpas, tão presente nos exageros de muitos dos ícones da
MPB, especialmente o culto a certas cantoras e seus fãs". Essa
formulação nos ajuda a entender a cultura popular midiatizada brasileira
desde, pelo menos, a Tropicália, no "influxo da contracultura nos anos
1960". Pensar a "fechação", a "estetização do social" enquanto categoria
ético-estética brasileira é desafiador e fascinante. Aqui a fechação
"aparece como uma estratégia corrosiva da ordem, no momento em que
políticas utópicas e transgressoras parecem ter se esvaziado de qualquer
apelo, e para os que não querem simplesmente aderir à nova velha ordem
global do consumismo, em que a diferença é oferecida a todo momento, em
cada esquina, em cada propaganda". São muitos os momentos luminosos de O
HOMEM QUE AMAVA RAPAZES E OUTROS ENSAIOS. Findo novamente citando
Denilson Lopes: "Por mais que a solidão, a melancolia, a violência e o
desamparo persistam, não é tarde demais. Não estamos também no começo.
Este nós de que participo mas não represento".<p></p>Leonardo Davinohttp://www.blogger.com/profile/12206174100555464620noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2082169988625763518.post-87947096286513323202023-10-15T07:47:00.001-03:002023-11-01T07:53:23.869-03:00O filho da mãe<p></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg6RkLavWEcEKwQK10wuIFqWU_QR5yvraKmMs6946Cdjqb0nJWbe2LeZb81EhYDSktByHgRb-ZlMdEMUyWZHk06qEa2Zby0TcIhuprCa-el3wrlpCw_30XmWT26ypMOtWsuj1Yp7rkYUf65l_lW4VI4kwsZP7CBzvfRGMtU2evuTPbciz1fO77RnXSZqkjD/s1512/o%20filho%20da%20m%C3%A3e.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1512" data-original-width="1512" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg6RkLavWEcEKwQK10wuIFqWU_QR5yvraKmMs6946Cdjqb0nJWbe2LeZb81EhYDSktByHgRb-ZlMdEMUyWZHk06qEa2Zby0TcIhuprCa-el3wrlpCw_30XmWT26ypMOtWsuj1Yp7rkYUf65l_lW4VI4kwsZP7CBzvfRGMtU2evuTPbciz1fO77RnXSZqkjD/s320/o%20filho%20da%20m%C3%A3e.jpg" width="320" /></a></div><br />"O prazer do outro pode ser insuportável, ainda mais quando não há um labor [procriação] aí, quando o prazer é ostensivamente um fim em si mesmo", diz Bernardo Carvalho numa entrevista. Daí porque um trecho como “Qualquer tchetcheno a quem se fizer a pergunta dirá que não há homossexuais na Tchetchênia. E talvez por isso Ruslan e Akif não tenham sido vistos durante os meses em que encontraram nas ruínas do prédio da escola de medicina. Porque eram invisíveis" valha o livro O FILHO DA MÃE por inteiro; isto é, por conter a ambivalência que as vidas das personagens impõe: num contexto de guerra e patrulha ideológica, quais corpos importam? Se, em entrevista de 1982, Foucault afirmou: "o melhor momento, no amor [entre homens], é quando o amante se distancia no táxi", no livro de Carvalho, "Andrei se aproxima e desabotoa as calças do batedor de carteiras. Quatro horas depois, quando abrir os olhos, ele já não estará mais ao seu lado". As histórias se repetem noutros lugares, noutros corpos, noutras subjetividades afetadas pela guerra: "Ruslan passou a associar o amor ao risco e à guerra, porque não conhecia outra coisa. Associou o sexo à trégua (o desejo deixava a realidade em suspenso) e o amor à iminência da perda. E daí em diante só conseguiu amar entre ruínas”. O livro enfrenta isso com delicadeza e crueza singulares. "O sexo e a guerra são o que todo homem tem em comum, rico ou pobre, educado ou não", lemos mais adiante. Se "histórias de amor podem não ter futuro, mas têm sempre passado", O FILHO DA MÃE articula os escombros dessas subjetividades marcadas pelo horror do outro, da alteridade, da diferença que, em alguma medida, fascina o desejo, posto "que sempre haverá alguém pronto para reconhecer e atacar a vulnerabilidade onde quer que ela se manifeste". <br /><p></p>Leonardo Davinohttp://www.blogger.com/profile/12206174100555464620noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2082169988625763518.post-12269034161569755782023-10-08T10:19:00.001-03:002023-10-08T10:19:47.641-03:00Polipoesia<p></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjH-Yui_9sRajXeJJ7P00qnN1JsLX8cIii65-Ij5l7rJ7O0WUIUY5U2qhjjS58FtrDTZeCZK2PU0VfyyRgT8HvEzW2HfFGM3xtnH1xFqSstcNA_N4nTd8vcAUeTnYVyrl06xC563Zom9LV4ndxZ4RwCeOEh0IhgSKPT5fQ10gl0LhSEWDxbfPRfIvXQFk9J/s1440/40.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1440" data-original-width="1440" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjH-Yui_9sRajXeJJ7P00qnN1JsLX8cIii65-Ij5l7rJ7O0WUIUY5U2qhjjS58FtrDTZeCZK2PU0VfyyRgT8HvEzW2HfFGM3xtnH1xFqSstcNA_N4nTd8vcAUeTnYVyrl06xC563Zom9LV4ndxZ4RwCeOEh0IhgSKPT5fQ10gl0LhSEWDxbfPRfIvXQFk9J/s320/40.jpg" width="320" /></a></div><br />POLIPOESIA é livro que ilumina o que não tem governo, nem nunca terá: a performance poética. Exatamente por isso, pela insubmissão da singularidade (alguém - perigosamente - fala) que a performance vocal realiza, e isso diz muito da história da literatura, há uma dificuldade de análise, de apreciação, de entendimento, de instrumentalização do que seja "performance". Enzo Minarelli enfrenta o problema da poesia fora do livro, "em sua força plena e absoluta", investigando interpretações, promovendo audições (o livro vem com um CD, esse objeto já em desuso). Para Enzo Minarelli, "a voz em performance é a essência de muitas vozes: é a voz autêntica, arquétipo, xamã oriundo das profundezas do corpo, de um corpo além, voz metafísica, ontológica, uma voz sempre dialética, uma voz crítica em sua entidade social, eletrônica em sua intermidialidade, natural e artificial, sopro bucal regenerador e deformador, voz aleijada, fluxo fonético como fala divina, aceita sem contestação, voz régia, voz superior, em sua singularidade, voz vital, força utópica". Como lidar com essa potência, com essa multidão que alguém falando engendra? Poeta que experimenta o que pensa, Minarelli se une a um coro dissonante que vem a longo tempo abrindo o ouvido, revocalizando o logos sistematicamente emudecido em nossa cultura grafocêntrica: Paul Zumthor, Mikhail Bakhtin, Luiz Tatit, Philadelpho Menezes, Adriana Cavarero, Ruth Finnegan, Ricardo Aleixo. Com tradução, comentários e posfácio de Frederico Fernandes, POLIPOESIA é um convite à tensão entre presença (pathos) e memória (ethos) na era da reprodutibilidade técnica de poemas, entre as poéticas da voz no século XX. <br /><p></p>Leonardo Davinohttp://www.blogger.com/profile/12206174100555464620noreply@blogger.com0