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25 agosto 2024

Rebeldes e marginais


O subtítulo do livro REBELDES E MARGINAIS dá conta de apresentar aquilo que é tratado, ou seja, a "cultura nos anos de chumbo (1960-1970)". "Durante um grande período, estudei a fundo nossa produção cultural brasileira sob a mão pesada ditadura militar e da censura", escreve Heloisa Teixeira na Apresentação do livro que reúne fontes e reorganiza o material que a autora produziu sobre esta "época mágica, quando a cultura enfrentou estruturas, ditaduras e soube sonhar novos futuros". Equilibrando diagnóstico e terapêutica, a autora se reafirma como intérprete incontornável do período. E em REBELDES E MARGINAIS a parceria de trabalho entre Heloisa Teixeira e Marcos Augusto Gonçalves merece destaque. Com Marcos, a professora desenvolveu projetos fundamentais - "Cultura e participação nos anos 1960", "Impressões de viagem", etc. Por exemplo, em depoimento a ele, lemos Caetano Veloso afirmando sobre o Tropicalismo: "a gente fez essa coisa com grandeza, colocando em xeque a pequenez dessa elite colonial que é a sociedade brasileira, uma nação que não é ainda inteiriça, que não acontece, onde as coisas não rolam e onde as pessoas não têm acesso a quase nada". REBELDES E MARGINAIS traz códigos para acesso a entrevistas e documentos audiovisuais raros de Heloisa Teixeira, tornando a leitura "viva" e estimulando quem lê a pesquisar também.

18 agosto 2024

A guerra invisível de Oswald de Andrade


A GUERRA INVISÍVEL DE OSWALD DE ANDRADE é um livro notável. A sensibilidade com que Mariano Marovatto reconstrói as intempéries vividas pelo controverso modernista dá conta de traduzir em perfil ensaístico aquilo que de mais complexo há na obra e na vida de Oswald: seu impulso de universalização da arte brasileira com foco na nossa distintiva "antropofagia", e no "tropicalismo literário", como registrou Roger Bastide, e no "tumultuoso aglomerado de raças", nas palavras do próprio Oswald. Isso porque Mariano apresenta um Oswald com olhos e ouvidos livres, mesmo que por vezes, devido ao contexto crítico de guerra, assombrado com os encaminhamentos de ideias e ideais de "progresso". "Oswald escrevia na mesma velocidade em que o mundo girava. Convencia-se de que, ao experimentar o Zeitgeist, pudesse talvez mudar o curso dos acontecimentos", escreve Marovatto. A GUERRA INVISÍVEL DE OSWALD DE ANDRADE é resultado de pesquisa, levantamento de dados e, repito, sensibilidade, naquilo que o momento ainda hoje guarda de difuso e pouco conhecido: a viagem de Oswald e Julieta Barbara a Europa e a urgência de retorno ao Brasil na eclosão do nazismo. Mariano defende que essa viagem frustrada (esse trauma) repercutiria para sempre (como um totem) nas intuições e perspectivas críticas oswaldianas. "Levando em consideração que a autoficcionalização de sua biografia foi notável e constante", Marovatto lança luz sobre esse transe do autor de Marco zero que, defendendo a autonomia cultural e social brasileira, afirmara: "as catacumbas líricas ou se esgotam ou desembocam nas catacumbas políticas".

11 agosto 2024

Haroldo de Campos Transcriação


Entre os incontornáveis textos de Haroldo de Campos que Marcelo Tápias e Thelma Médici Nóbrega reuniram em HAROLDO DE CAMPOS TRANSCRIAÇÃO destaco "tradição, transcriação, transculturação". Nele Haroldo pensa "o ponto de vista do ex-cêntrico", afirmando que "a literatura brasileira nasceu sob o signo barroco" da "expropriação, reversão, desierarquização" e marcada por "complicado quimismo em que já não é possível distinguir o organismo assimilador das matérias assimiladas". Isso se espraia ao longo dos tempos e de várias formas. Por exemplo, "Machado de Assis não representa um momento de aboutissement, mas sim um momento de ruptura. Seu nacionalismo não é mais o nacionalismo ingênuo de certos românticos de aspirações ontológicas, mas um nacionalismo 'crítico', 'em crise', dilacerado, em constante diálogo com o universal". Haroldo está interessado naquilo que também interessava Hélio Oiticica (em entrevista a Ivan Cardoso), a saber: "O artista só pode ser inventor, senão ele não é artista". Inventar é devorar criticamente suas referências. Daí o conceito de transcriação haroldiano estar na mesma clave semântica da antropofagia crítica de Oswald de Andrade, no que se refere ao trato da língua e da linguagem polilíngue do Brasil. "A politópica e polífônica civilização planetária está, a meu ver, sob o signo devorativo da tradução lato sensu. A tradução criadora - "a transcriação" - é a maneira mais fecunda de repensar a mímesis aristotélica, que marcou tão fundamente a poética do Ocidente", escreve Haroldo. E nisso o Brasil pode oferecer experiência e prática.

04 agosto 2024

Introdução à poesia oral


"Além de um saber-fazer e de um saber-dizer, a performance manifesta um saber-ser no tempo e espaço. O que quer que, por meios linguísticos, o texto dito ou cantado evoque, a performance lhe impõe um referente global que é da ordem do corpo. É pelo corpo que nós somos tempo e lugar: a voz o proclama, emanação do nosso ser. (...) tudo se colore na língua, nada mais nela é neutro, as palavras escorrem, carregadas de intenções, de odores, elas cheiram ao homem e à terra (ou aquilo com que o homem os representa). A poesia não mais se liga às categorias do fazer, mas às do processo: o objeto a ser fabricado não basta mais, trata-se de suscitar um sujeito outro, externo, observando e julgando aquele que age aqui e agora. É por isso que a performance é também instância de simbolização: de integração de nossa relatividade corporal na harmonia cósmica significada pela voz; de integração da multiplicidade das trocas semânticas na unicidade de uma presença". Bastaria Paul Zumthor ter feito essa anotação e toda a sua teorização se desdobraria. Mas ele fez muitas outras, tão luminosas quanto. INTRODUÇÃO À POESIA ORAL é livro de cabeceira de quem pensa a performance enquanto produção de presença, recusa à privatização da linguagem, elaboração coletiva de pertencimento, compreensão da ontologia da voz.