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08 maio 2020

RESENHA: Nalgum lugar entre o experimentalismo e a canção popular


Resenha escrita via whatsapp pelo grupo de pesquisa POESIA E TRANSDISCIPLINARIDADE: A VOCOPERFORMANCE para o texto “Nalgum lugar entre o experimentalismo e a canção popular: as cartas de Paulo Leminski a Régis”, de Marcelo Sandmann.

            Marcelo Sandmann lê criticamente as cartas de Paulo Leminski e Regis Bonvincino, entre 1976 e 1981, e reflete sobre a trajetória de Leminski neste momento politicamente conturbado do país. O poeta vanguardista, músico, letrista e admirador de Torquato Neto começou a publicação de seus poemas em diversas revistas numa época difícil. Sandmann aborda também o livro de prosa experimental de Paulo Leminski Catatau, publicado em 1975.
As cartas documentam preocupações artísticas e o dia-a-dia do escritor que percorreu o complexo caminho que leva da vanguarda experimental à canção popular. Enfatiza-se Caetano Veloso e Chico Buarque como os grandes de sua era. Fala-se também do uso indistinto de "poeta" e também de "cancionista". A diferença não se refere apenas pelo "suporte", mas sim tem a ver com a articulação entre texto e música; isso ocorre quando tratamos de canção. Destaque-se a canção de Leminski “Verdura” cantada por Caetano no disco Outras palavras.
Fica sugerido que a aproximação de Paulo Leminski com a contracultura, que o distinguia de outros poetas experimentalistas, foi que o instigou a pensar além do concretismo. O legado concretista é um problema para os poetas mais novos. Nas cartas Leminski avalia o Catatau, submerso no movimento de seu mestre Décio Pignatari. Leminski passa a querer outro tipo de experimentação da palavra/ linguagem. Uma experiência ligada à paixão pelo novo que não precisa se justificar. A "originalidade" e a "novidade" são postas a prova.
            É interessante ver como Leminski se descola da vanguarda para dar novos caminhos a sua poesia. Sobre isso, "a comunicação surge portanto como um critério importante: ‘quero fazer uma poesia que as pessoas entenda,. / q não precise dar de brinde um tratado sobre Gestalt ou uma tese de Jakobson sobre as estruturas subliminares dos anagramas paronomásticos’ É com ironia que o poeta vai se referir ao aparato teórico-crítico que costuma acompanhar a práxis poética concretista, fazendo de sua fruição algo restrito aos iniciados" (p. 131). É a partir dessa crítica à uma poesia que julga ser para poucos, e a procura de uma comunicação mais abrangente que Leminski acrescenta dois novos ingredientes à sua poética, somando-se à experiência com o concretismo e a prosa experimental: a publicidade e a canção popular. Não que houvesse aí uma disjunção, uma escolha em detrimento de outra, mas, como Sandmann frisa, "a publicidade vai surgir como uma opção profissional para Leminski antes de tudo. Portanto, é com um passo atrás que se deve ler a equação que aproxima canção e publicidade e as confronta com poesia, como se tratasse simplesmente de uma opção desinteressada por esta ou aquela linguagem" (p. 133).
            Leminski flertava com uma poesia que aproximasse, de uma forma radical, arte e vida. Ele tinha no mundo da canção uma paixão. Leminski cita Vinicius de Morais que ganha prestígio com suas poesias publicadas em livros e migra, logo depois, para o campo da canção. Leminski queria cruzar fronteiras do livro e do disco, e chegou a fazer canções, além de ter muitos poemas cantados.
É importante destacar que Leminski estava “reagindo contra o controle racional excessivo, o construtivismo, o anti-subjetivismo, o decoro intelectual e erudito, entrevistos como elementos capitais da atitude concretista”. Em outra carta, incitava o “desregramento contracultural” (p. 128).
O texto de Sandmann é uma boa introdução à obra de Paulo Leminski enquanto figura pós-moderna e "dilemática", conciliação das esferas antípodas do pop e do erudito, grosso modo. Leminski apresenta uma espécie de rebeldia que o rejuvenesce. Neste sentido, o corpo de sua obra emite uma aura muito parecida com aquela que envolvia os poetas beatniks ou a trajetória de um Bob Dylan ou Lou Reed. Porém, o trabalho de linguagem de Leminski, interessantemente, passou por transformações que partem da participação em uma vanguarda formalista, da publicação de um joyceano romance que atordoou mesmo os mais sofisticados críticos de sua época, passando pelo questionamento da linguagem hermética de iniciados, da tendência prescritiva e do enclausuramento burguês das vanguardas poéticas, até chegar ao lirismo e à ironia que os mais desatentos poderiam chamar de diluição e massificação.

SANDMANN, Marcelo. “Nalgum lugar entre o experimentalismo e a canção popular: as cartas de Paulo Leminski a Régis”. In: Revista Letras, Curitiba, n. 52, p. 121-141, jul-dez, 1999, Editora da UFPR.

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