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26 maio 2024

Oração para desaparecer


"Os lenços eram objetos preciosos porque continham um pequeno poema que declarava o amor. Levavam meses bordando à luz de velas, escolhendo os desenhos e os versos, quase sempre em galaico-português, porque ali já era quase outro país, o Norte de Portugal já faz fronteira com a Espanha e por isso a mistura de idiomas na poesia dos lencinhos". Esse parágrafo de ORAÇÃO PARA DESAPARECER diz muito da delicadeza com que Socorro Acioli cria a textura lírica e trágica de seu livro. Identidade e memória são reconstruídas com rigor e prazer. Acompanhamos o trajetória de Cida, a busca pelo seu duplo (seu passado?) animados por uma narrativa que faz da própria narração-de-si o mote ideal. O tempo narrativo é solapado a serviço do narrado. Isso é tão raro de se alcançar sem arestas. É bonito perceber quando isso acontece. E em ORAÇÃO PARA DESAPARECER acontece. As vozes em primeira pessoa se sobrepõem no tom correto de criar o palimpsesto da história. "A vida é feita de palavras, elas explicam e fazem nascer e morrer. (...) Estar vivo é ser palavra na boca de alguém", lemos no final do primeira parte do livro, quando Cida nos conta como foi desenterrada. É no jogo das palavras-que-falam-de-si que as personagens vivem enquanto enredo no mundo. E a língua, o cruzo das línguas é fundamental nesse processo. Assim, como várias manifestações da fé. ORAÇÃO PARA DESAPARECER resgata um episódio histórico esquecido, convocando os leitores a refletir sobre a tensão entre os povos originários e a Igreja Católica.

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