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28 abril 2011

Música

O processo de perceber que o local da cultura é fortemente deslizante e móvel exige dispositivos também líquidos e instáveis. "Antena da raça" - bela expressão de Pound - o artista condensa em sua obra aquilo que captura no universo ao redor. Daí, de viés, podermos entender quando Bakhtin diz que o "signo é cultural".
Ou seja, as linguagens artísticas são interpenetráveis e mutantes. A moda influencia a dança, que influencia a canção, que influencia o filme, que influencia as artes plásticas, que influencia o teatro e assim por diante: uma cíclica e enriquecedora promiscuidade estética (sensória).
Deste modo, dizer "nós somos a música", como faz o sujeito da canção "Música", de Blubell, é o mesmo que dizer que somos o início, o fim e o meio de tudo que nos constitui e é constituído por nós.
Carregado de referências de certa atitude vintage e/ou retrô, tomada de empréstimo do design e da moda, o disco Eu sou do tempo em que a gente se telefonava (2011) - desde o título - investe na recuperação do passado, presentificando-o através da mistura sonora pop/rock/jazz, entre outros estratos.
Um delirante museu de grandes novidades e seus segredos de liquidificador: para ser ouvido na lanchonete enquanto tomamos um milkshake, "Música", uma canção auto-referente (canção que fala de canção), condensa as impurezas sonoras que fazem da nossa canção popular algo tão complexo quanto sedutor (porque simples).
Um clima burlesco e cosmopolita - para além da letra bilíngue -, marcado na performance vocal gostosamente afetada da cantora Isabel Garcia (Blubell), que, principalmente, nas partes cantadas em inglês, remete o ouvinte ao gesto entoativo da Marilyn Monroe cantando "My heart belongs to daddy" atravessa e faz a graça da canção.
A referência a Marilyn não é à toa: há um clima de luxúria e inocência - "Eu só quero te agradar", diz o sujeito" - que de fato marca todo o disco.
Aliás, a dicção de Blubell merece destaque, posto que cambiante e adaptável à vontade intrínseca dos vários sujeitos cancionais que interpreta. O que, por sua vez, intensifica os contatos culturais através da popização das sonoridades postas na roda: descentrando o local da cultura, sem falsos purismos.
Do som filtrado - via telefone? -, do início de "Música", até a limpidez sonora da canção: tudo tenciona as transições dos modos de cantar: os usos das tecnologias e suas implicações na feitura das canções, no tempo. Tudo lento, sem sobressaltos, mas seguindo os cursos da vida cancional.
"Saia do sofá e se toca / Porque nós somos a música", diz o sujeito: convite para a afirmação da vida; canto do encontro erótico-afetivo. Tudo embalado na nostalgia que impulssiona o sujeito a seguir cantando sem o receio das perdas. Pelo contrário, absorvendo todos os sons que a vida lhe oferece.

***

Música
(Blubell)

Eu só quero te agradar
Você reclama pra parar
Você fica em suas lamúrias

Eu
Eu dispenso a fúria

Então
Saia do sofá e se toca
Porque nós somos a música

I do all the things I do to you
You complain and it's dejavú

What, what did I, did I do?
Is it me, or is it just you?

So get off the couch and please
Cut off the crap
'Cause we have music, and we're not deaf

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