Desde o Projeto 365 Canções (2010), o desafio é ser e estar à escuta dos cancionistas do Brasil, suas vocoperformances; e mergulhar nas experiências poéticas de seus sujeitos cancionais sirênicos.
Pesquisar canções e/ou artistas
06 julho 2025
Canções não
"CANÇÕES NÃO é uma obra composta por um livro, disco e espetáculo". A nota na Ficha catalográfica dá conta das inquietações e inquietudes artísticas de Carlos Gomes. Poeta, pesquisador, cantor, performer, crítico, produtor cultural, um importante interlocutor do debate sobre as relações entre a palavra poética escrita e cantada e que, infelizmente, nos deixou muito precocemente. CANÇÕES NÃO é livro síntese dos interesses de Carlos Gomes. O som das aliterações em /s/ atravessa e une poemas que intentam "riscar o sulco mole da pele sonora o veio o vulto a voz de todos nós". Esse "nós" habita e transita a cidade palimpsesta de Recife - aldeia e mundo. Não é à toa, portanto, a dedicatória do livro: "para j. omard m. muniz de b. britto" - o nome assim, quebrado, como um som de maracatu, como a história contada nas pedras do Recife Antigo, onde "turistas nem imaginam / a cidade soterrada sob seus pés". CANÇÕES NÃO é para lerouvir os "ossosossosossosossosossosossosossosossosossos", como lemos numa página inteira - "sos ossos" é uma das leituras possíveis, quando o poema é lido em voz alta. "O mercado em ruínas abriga sob a sua enorme sombra / uma variedade incontrolável de vozes", lemos também. A voz poética de Carlos Gomes afirma que "a eletricidade dos corpos incorpora braços e instrumentos acústicos". Tem gente sob o asfalto, por trás dos escombros - e gente é outra alegria, diferente. CANÇÕES NÃO coloca essas vozes de gente para cantar em coro dissonante "a música da poesia / a poesia da música / cercados. circulações / fins do mundo / galáxias". Registre-se aqui o poema que mais me toca, por sua objetividade complexa, por seu desejo simples: "mãe inha / tá tudo escuro aqui / a lama derrubou a tevê da sala / quebrou, mãe / inha / chore não / ai, pai inho / o lobo derrubou a porta e as paredes de casa / quarto, sala, cozinha, banheiro / tá tudo espalhado em cima de mim / ai, / inha, inho / se encontrar as velas nessa bagunça / acende uma estória / tá quase escuro dentro de mim". No dia da notícia de sua morte, corri para reler esse poema. Voa, Carlos!
Assinar:
Postagens (Atom)