29 janeiro 2023

O som do rugido da onça


 Nesses dias em que a violência contra o povo Yanomami voltou à tona revelando nossa miséria, reli O SOM DO RUGIGO DA ONÇA, de Micheliny Verunschk, e voltou com força a sensação que tive nas primeiras leituras: a sensação da presença de uma voz para a qual nossos ouvidos estão tapados. O que Verunschk realiza, através da autorrepresentação artificial (porque escrita) da linguagem, que, sendo brasileira, se amalgama com a língua dos nossos povos originários, é a presentificação das crianças assassinadas Iñe-e e Juri. Mortas pela ciência, pelo progresso, pela religião. "Onça é toda amor e dente no cangote", lemos em O SOM DO RUGIDO DA ONÇA, livro que nos coloca na encruzilhada em que acontece a metamorfose de Iñe-e em Uaara-Iñe-e. Esse processo que deveria ser ~natural~ parece antecipado, abrupto, violentado em suas etapas, como a história de todo povo indígena. Iñe-e é esse "todo" que de algum modo insiste em existir, estar e ser. Para tanto, Micheliny Verunschk articula dobras temporais e contextuais e joga com as categorias caça e caçador, eu e nós, afinal, o tu (o outro) é uma reconfortante invenção do branco.

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