05 fevereiro 2023

O navio negreiro

 

Sabemos que "O navio negreiro" de Castro Alves é uma reelaboração de "Das Sclavenschiff", do poeta Heinrich Heine - apropriação feita de segunda ordem, pois, provavelmente, o brasileiro compôs seu poema a partir da tradução francesa feita por Gerárd de Neval: "Le négrie". (Note-se: é significativo usar "reelaboração", "apropriação", "tradução" e "brasileiro" numa mesma frase, ao tratar de um texto canônico). E, sim, sabemos também que o moralismo condoreiro, embebido de "espírito cristão", que impelia a vítima a heroicizar-se, a resistir, a superar (e outras balelas liberal-capitalistas), desculpabilizando o sistema por "tanto horror perante o céu", está autorizado nos versos de Castro Alves. Porém, a edição de "O navio negreiro" publicada pela Antofágica reapresenta o drama romântico cantado no poema em conjunto com a obra de Mulambö e Oga Mendonça, o que, em si, oferece uma revisão (reparação, autorrepresentação) imagética daquilo que o poema teatraliza. O volume traz ainda uma seleção de poemas com a mesma tópica, além de textos críticos. "Castro Alves jamais elidiu o recorte racial de sua visão sociológica. Sua notável coragem de, com o verbo, cortar a própria carne até hoje causa espanto", escreve Elisa Lucinda, em um dos textos. "Castro falava para as massas, incluindo o povo preto, certamente", escreve Tom Farias, em outro texto. Antes, para ser lido em voz alta, agora, a editora Antofagia oferece um livro verbivocovisual que nos coloca num baque em pleno mar (crítico).

 

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