22 maio 2020

RESENHA: Da voz à letra


Resenha escrita via whatsapp pelo grupo de pesquisa POESIA E TRANSDISCIPLINARIDADE: A VOCOPERFORMANCE para o texto “Da voz à letra”, de Eduardo Sterzi. 

Eduardo Sterzi aborda o momento em que a poesia predominantemente oral transita à poesia predominantemente escrita. A transição se dá a partir do século XIII, na Itália, com o surgimento do soneto e a produção poética de Dante. “O soneto tem papel fundamental na superação do forçoso nexo música-poesia característico do trovadorismo e, portanto, na emergência de uma nova noção de lírica” (p. 165). Ainda oscilando entre a oralidade e a escritura, esta nova forma inaugura uma nova concepção de lírica: exclusivamente literária, interiorizada e reflexiva, em que não mais a música, o corpo e seu movimento são referências. Deste modo, a lírica moderna não revela o fim da voz, mas sua sobrevida na escritura. Fato é que, a despeito dessa sobrevida, é a poesia escrita, e não a poesia cantada, que se impõe. Importante para a superação do modelo característico do trovadorismo, rompendo com a relação música e poesia, o sonetto (isto é, pequeno som) carrega em sua designação que “a música, afinal, persistirá como arte secreta a pulsar por baixo – ou mesmo no cerne – de toda a lírica moderna (nesta revolução poética que o soneto pontua, a poesia, como bem disse Segismundo Spina, “deixa de ser cantada para se tornar cantável”).” (p. 166). Eco de um paradoxo anterior, impresso na denominação do gênero lírico, nascido do canto e a ele subordinado muitas vezes. Assim, a lírica moderna, cada vez mais autônoma, ainda é nostálgica por sua relação com a música. Para Sterzi, “pode-se mesmo suge¬rir que o típico poema lírico moderno é sempre uma espécie de alegoria formal da passagem da poesia musical-vocal para a poesia escrita, e, sendo assim, carrega sempre em si a tensão entre um código musical e um código gráfico” (p. 167). 
Na “tensão entre um código musical e um código gráfico” (p. 167), o corpo ausente do poeta faz com que se reivindique uma coincidência entre poesia e vida (p. 172). Isso gera um “movimento rumo a uma crescente autonomia do texto poético” (idem). Sterzi destaca a questão da leitura, feita de forma diferente da que se faz hoje. No séc. XIV, a leitura era “a ruminação de uma sabedoria”, segundo Zumthor, era lenta, separada, devido aos recursos de escrita precários, e, até o séc. XVI, a leitura em voz alta acontecia. Com o surgimento das universidades, a partir do séc. XV, a leitura silenciosa passou a ser uma exigência.
É importante destacar como os contextos sócio-históricos, político-filosóficos fazem a literatura de sua época e influenciam para mudanças, superações e uma nova forma de fazer arte. Foi o que contribuiu relevantemente para a necessidade de superação do trovadorismo e gerou a poesia escrita.Se Dante priorizava as palavras na música, mas ressaltava a importância da harmonização musical delas. Sterzi destaca a diferença entre canção e modulação no que diz respeito a “fabricação de palavras harmonicamente dispostas”. Ou seja, discute-se se melodias se configuram canções ou não, e conclui: “a canção não é nada senão uma ação em si completa de quem diz palavras harmonizadas por modulações”.
O texto de Sterzi reflete sobre o papel de Dante na transição de uma tradição de poesia provençal cantada (a poesia cortês registrada em cancioneiros, a poética de trovadores e jograis) para uma poesia “escrita”, isto é, uma poesia que levaria em conta este novo suporte, suporte da solitude mental e da potência (o vir-a-ser) de voz, que existiria independentemente do corpo e da música. Essa transição da voz à letra marcaria uma elevação filosófica da poesia, um passo adiante das convenções para explorações do pensamento subjetivo e coletivo. Não parte mais da repetição do lugar-comum, do entendimento cristalizado do lugar-comum, mas de retomadas das explorações e investigações temáticas. Outro ponto importante a ser destacado é a experiência na obra, “do indivíduo humano é súbito transportada ao homem em geral” (p. 176). Essa experiência conduz o eu, como homem delimitado de sua ação ao como o homem universalmente considerado. A partir disso, cria-se um processo de personificação que leva a simbolismos presentes em sua obra.

STERZI, Eduardo. “Da voz a letra”. Revista ALEA. Rio de Janeiro, vol. 14/2, p. 165-179. jul-dez 2012.

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