Sons de 2017. MENÇÃO HONROSA. Se for para regravar e não reassinar,
recriar, reinventar a canção, melhor nem cantar. Maria Alcina e o
produtor Thiago Marques Luiz
sabem disso e assinaram - tornaram inéditas - canções em que a
antropofagia de Caetano Veloso se revela mais evidente. Exemplo disso é
"A voz do morto", paródia tropicalista caetânica de "A voz do morro", de
Zé Keti. Composta para Aracy de Almeida cantar, "A voz do morto"
dispara: "Eles querem salvar as glórias nacionais
/ Coitados / Ninguém me salva / Ninguém me engana / Eu sou alegre / Eu
sou contente / Eu sou cigana / Eu sou terrível / Eu sou o samba". Estes
versos são apropriados por Maria Alcina naquilo que eles guardam da raiz
difusa do samba, que no Brasil pode unir, na voz de Aracy, Paulinho da
Viola (Viva!) e Roberto Carlos ("Eu sou terrível"). Rainha dos
terreiros, a voz singular de Maria Alcina canta do lado de fora, à
margem, mas na glória de quem compreende as contradições do país -
"feito de ouro e prata e filó de nylon" - que tem o samba (margem da
margem) como ícone. E faz isso com um arranjo de rock pesado, além das
vozes incidentais de Chacrinha, Dercy Gonçalves, Elke Maravilha, Grande
Otelo e Aracy de Almeida - símbolos de carnavalização, de autoironia, de
deboche crítico. Portanto, ninguém melhor do que Maria Alcina, esse
espírito de tudo, para comer - o filme "Terra em transe", o livro
"PanAmérica", a peça "O rei da vela" e a instalação "Tropicália" - e
cuspir na cara dos caretas neste ano do meio século da Tropicália - "a
vez do louco / a vez de tudo".
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