No livro Performance, recepção, leitura, Paul Zumthor anota que poesia é “uma arte humana, independente de seus modos de concretização e fundamentada nas estruturas antropológicas mais profundas”.
A partir disso, podemos lembrar – para além da definição aristotélica - que a poesia antecede à literatura e à escrita e nasce junto com a música nos rituais da antiguidade. Desde sempre, portanto, poesia e música se equilibram, dialogam: engendram canções de manutenção da vida do humano na terra.
"Minha música vem da música da poesia de um poeta João que não gosta de música / Minha poesia vem da poesia da música de um João músico que Não gosta de poesia", diria o sujeito dividido de "Outro retrato", de Caetano Veloso.
Já a canção "Duas namoradas", de Itamar Assumpção e Alice Ruiz, guardada no disco Pelo sabor do gesto em cena (2011), tematiza tais questões ao apresentar um sujeito (poeta/músico: cantor) às voltas com o desassossego que as duas formas de linguagem criam nele.
É no refrão - "Tenho duas namoradas / A música e a poesia / Que ocupam minhas noites / Que acabam com meus dias" - que Zélia Duncan compatibiliza melodia e letra. Seja no modo "natural" de entoar os versos a fim de destacá-los da fala, seja no modo de equilibrar na canção o namoro com as duas musas: valor nas durações vocálicas sobre um sambinha enviesado.
Dito de outro modo: Zélia só "canta" (impõe controle às entoações, distinguido-as das da fala cotidiana) na hora do refrão. Isso marca um contraponto com as outras partes da canção, quando Zelia Duncan investe no canto falado.
Nestes momentos a melodia natural da letra curva-se sobre a intenção do sujeito em ser claro, objetivo: dizer (mais do que cantar) de seu caso com a música e a poesia. Há um investimento na mudança (na permuta) das modulações entoativas. O que torna significativa cada parte da canção. Aquilo que é dito casa com o modo de dizer.
Ou seja, no modo de dizer das estrofes, Zélia investe na entoação da linguagem oral com o intuito de melhor presentificar o desejo do sujeito. Isso sem que o acompanhamento melódico sofra nenhuma mudança radical no andamento: plasmando uma cama sonora onde a voz (fala) do sujeito da canção se apoia e mantem a empatia passional com o ouvinte.
Na performance de Zelia, narrativa e canto dialogam: condensam e agradam às duas namoradas. Texto e música tornam-se inseparáveis na canção (na tensão) que o sujeito compõe para as duas. "Uma fala sem parar / A outra nunca desliga", diz o sujeito.
Zélia percebe que o elo está canção, evoca as características intrínsecas a cada uma e traduz a fusão em seu modo de assinar a canção: na voz. Em "Duas namoradas" a forma entoativa (poesia) e a forma musical (música) se mantem suspensas no ar que a canção (poesia e música) realiza.
No meio, ou melhor, equilibrando as duas formas está a voz. Dividido entre as duas, unido pelas duas, é na canção que o sujeito encontra a harmonia necessária para o fato de que elas em "nenhum segundo me largam / também eu não largo delas". Afinal, "cantar é saber juntar", como diz o sujeito.
Intérprete do amor, é na voz de Zélia - no instante-já da emissão - que as duas namoradas encontram a sereia que lhes canta a vida. "Vida que não é menos minha que da canção", diria outro sujeito.
"Minha música vem da música da poesia de um poeta João que não gosta de música / Minha poesia vem da poesia da música de um João músico que Não gosta de poesia", diria o sujeito dividido de "Outro retrato", de Caetano Veloso.
Já a canção "Duas namoradas", de Itamar Assumpção e Alice Ruiz, guardada no disco Pelo sabor do gesto em cena (2011), tematiza tais questões ao apresentar um sujeito (poeta/músico: cantor) às voltas com o desassossego que as duas formas de linguagem criam nele.
É no refrão - "Tenho duas namoradas / A música e a poesia / Que ocupam minhas noites / Que acabam com meus dias" - que Zélia Duncan compatibiliza melodia e letra. Seja no modo "natural" de entoar os versos a fim de destacá-los da fala, seja no modo de equilibrar na canção o namoro com as duas musas: valor nas durações vocálicas sobre um sambinha enviesado.
Dito de outro modo: Zélia só "canta" (impõe controle às entoações, distinguido-as das da fala cotidiana) na hora do refrão. Isso marca um contraponto com as outras partes da canção, quando Zelia Duncan investe no canto falado.
Nestes momentos a melodia natural da letra curva-se sobre a intenção do sujeito em ser claro, objetivo: dizer (mais do que cantar) de seu caso com a música e a poesia. Há um investimento na mudança (na permuta) das modulações entoativas. O que torna significativa cada parte da canção. Aquilo que é dito casa com o modo de dizer.
Ou seja, no modo de dizer das estrofes, Zélia investe na entoação da linguagem oral com o intuito de melhor presentificar o desejo do sujeito. Isso sem que o acompanhamento melódico sofra nenhuma mudança radical no andamento: plasmando uma cama sonora onde a voz (fala) do sujeito da canção se apoia e mantem a empatia passional com o ouvinte.
Na performance de Zelia, narrativa e canto dialogam: condensam e agradam às duas namoradas. Texto e música tornam-se inseparáveis na canção (na tensão) que o sujeito compõe para as duas. "Uma fala sem parar / A outra nunca desliga", diz o sujeito.
Zélia percebe que o elo está canção, evoca as características intrínsecas a cada uma e traduz a fusão em seu modo de assinar a canção: na voz. Em "Duas namoradas" a forma entoativa (poesia) e a forma musical (música) se mantem suspensas no ar que a canção (poesia e música) realiza.
No meio, ou melhor, equilibrando as duas formas está a voz. Dividido entre as duas, unido pelas duas, é na canção que o sujeito encontra a harmonia necessária para o fato de que elas em "nenhum segundo me largam / também eu não largo delas". Afinal, "cantar é saber juntar", como diz o sujeito.
Intérprete do amor, é na voz de Zélia - no instante-já da emissão - que as duas namoradas encontram a sereia que lhes canta a vida. "Vida que não é menos minha que da canção", diria outro sujeito.
***
Duas namoradas
(Itamar Assumpção / Alice Ruiz)
Tenho duas namoradas
A música e a poesia
Que ocupam minhas noites
Que acabam com meus dias
Uma fala sem parar
A outra nunca desliga
Não consigo separar
Duvido d o dó que alguém consiga
Cantar é saber juntar
Melodia, ritmo e harmonia
Se eu tivesse que optar
Não sei qual eu escolheria
Tem vez que o caso é comigo
Tem vez que sou só sentinela
Xifópagas, caso antigo,
Tem vez que é só entre elas
Nenhum instante se deixam
Grudadas pelas costelas
Nenhum segundo me largam
Também eu não largo delas
(Itamar Assumpção / Alice Ruiz)
Tenho duas namoradas
A música e a poesia
Que ocupam minhas noites
Que acabam com meus dias
Uma fala sem parar
A outra nunca desliga
Não consigo separar
Duvido d o dó que alguém consiga
Cantar é saber juntar
Melodia, ritmo e harmonia
Se eu tivesse que optar
Não sei qual eu escolheria
Tem vez que o caso é comigo
Tem vez que sou só sentinela
Xifópagas, caso antigo,
Tem vez que é só entre elas
Nenhum instante se deixam
Grudadas pelas costelas
Nenhum segundo me largam
Também eu não largo delas
Leio no momento Rousseau defendendo a potência criativa da melodia em detrimento da harmonia e teu texto faz todo sentido.
ResponderExcluir