10 março 2024

Mangue


Em certo momento do filme "Moisés Alves: o fogo que antecede as cinzas" o autor do livro MANGUE diz que a escrita precisa estar na frequência da vida. É essa frequência que Alberto Pucheu traduz e monta em imagem e som, equilibrando intimidade e coletividade, poética e política, pois é esse ponto equidistante o que anima a obra/vida de Moisés Alves, autor de um de meus poemas de predileção, "Oferenda": "minha mãe disse / a partir de agora eu sigo / você fica", começa; "a partir de agora / faça sua ultrapassagem / ultrapássaro", termina e segue aceso em quem lê. MANGUE é composto por muitos versos que funcionam como mantras, orikis, aforismos de elogio ao ato de escrever/viver: "escreve-se / comigo tudo / que por algum motivo / bem justo não pode ter acontecido / estamos livres / apesar de não sairmos / dessa festa muito vivos", lê-se num veio de metalinguagem tradutora da verdade poética, transcriadora da vida. "É por revolta que faço / da alegria / arma pesadíssima / nunca fui a favor de morrer com vida", esses versos, distribuídos na estrofe com esses cortes, singularizando "revolta", "alegria", "arma" e "vida" dão o ritmo da pulsação dos poemas de MANGUE. "Dizer o isso da vida é o a que a poesia se dedica", observa Pucheu na apresentação do livro. Assim como Moisés Alves, que nasceu no Mangue, na rua Maciel do Baixo, a voz poética transita no Pelourinho, no Centro Histórico, biografemando sua história, que se desdobra na história de muitos do lugar, do mundo. Se "amor é quando químicas não impedem / nossa paixão" e "poema é aquilo / que atinge à queima- / roupa / então dói", o livro de Moisés Alves ama por tanto doer (tem corpo) e dói por tanto amar (tem alma). Sua poesia pulsa da fricção entre alma e corpo.

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