Desde o Projeto 365 Canções (2010), o desafio é ser e estar à escuta dos cancionistas do Brasil, suas vocoperformances; e mergulhar nas experiências poéticas de seus sujeitos cancionais sirênicos.
31 dezembro 2023
A campa é outro berço
No poema “A lição de poesia”, João Cabral de Melo Neto encena a “luta branca sobre o papel” e manipula “as vinte palavras recolhidas/ nas águas salgadas do poeta”, a fim de, com o uso da metalinguagem, indicar o “funcionamento” da “máquina” de escrituração. “Densidade” e “evaporação” são palavras usadas por Melo Neto, e que recolho aqui para ler o livro de contos A CAMPA É OUTRO BERÇO, de Bruno Lima. Se para o dicionário “densidade” é uma propriedade física que relaciona a massa de um material ao volume que ele ocupa, Bruno Lima justapõe e sobrepõe uma profusão de autores, leituras e conhecimentos da vida literária e do trabalho com a literatura em seu conjunto de contos. Mas essa densidade do saber individual só se realiza no procedimento de “evaporação” desse saber, ou seja, no trabalho de tragar e traduzir leitura em escrita, quando aquilo que seria do “iniciado” é apresentado (e presenteado) ao “leigo”. E é isso que Lima entrega ao seu leitor. Esse, por sua vez, é o tempo todo cobrado e instigado a ler mais, saber mais, para além daquilo que está presente (em presença) nos contos: Guimarães Rosa, José Lins do Rego, Graciliano Ramos, Lima Barreto, Iessiênin, Kafka, Rubem Fonseca, Marcelino Freire, Sérgio Sant’Anna e, o mais presente, Machado de Assis, entre outros, transitam pelos 16 textos, irrigando a sabedoria do autor e a imaginação do leitor. Imaginar ainda é uma competência da literatura? Essa pergunta atravessa A CAMPA É OUTRO BERÇO. Seja nos exercícios de formas e tipos de escrita – carta, notícia jornalística, diário, testemunho, autoficção; seja no conteúdo e nas reflexões dos narradores.
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