23 julho 2023

Nós somos muitas


"Já que sou brasileiro / E que o som do pandeiro é certeiro e tem direção / Já que subi nesse ringue / E o país do suingue é o país da contradição", canta Lenine em "Jack soul brasileiro". Pensar o Brasil do lugar desse ringue, entre suingue e contradição requer rigor e humor, mirada e visagem, acionando sim a fundamental personificação mítica do país. É daí que falam os textos do livro NÓS SOMOS MUITAS, que reúne "ensaios sobre crise, cultura e esperança". De fato, é equilibrando diagnóstico, metáfora e terapêutica que Pedro Meira Monteiro pensa o Brasil. Pensa porque experimenta, pois cada texto é o desdobramento de um trânsito, de uma transição - Bahia, Lisboa, Princeton. Não posta, mas sugerida, há uma pergunta que atravessa e amarra os textos: por que o Brasil tarda a ser o que é? A pergunta, como sabemos, mobilizou modernistas e tropicalistas. E é a reverberação dos gestos éticos e estéticos desses o que anina o pensamento de Pedro - "a dança, a muganga, o dengo". Daí porque cruzar Nietzsche, Piglia, Hatoum, Caetano, Wisnik, Zé Celso, Candido, Strauss, entre outros criadores-pensadores que enfrentam o "nós" que somos com sensíveis e firmes gestos e jeitos de corpo. E nós somos muitas, diz o título do livro. Título vindo da conversa entre o autor e Rosi, uma cabo-verdiana trabalhando em Lisboa. Para quem e por quem escrever-pensar? Eis outra pergunta que o autor de NÓS SOMOS MUITAS sugere, enfrentando, do ringue, a quebra de idealizações intelectuais do outro, da outra. "Quando ao 'outro' cabe simplesmente responder ao meu desejo, o limite político que se estabelece é o da morte, o da completa anulação daquele sujeito cujo corpo deve ser preenchido com todos os objetos da minha fantasia", escreve Pedro num dos textos que, por motivos de pesquisa, mais me falou diretamente. Ao fim, o livro convida a pensar com e a cantar para quem faz do coco um cocar. Quem se dispõe?

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