Para Antonio Candido, "Gonçalves Dias se destaca no medíocre panorama da primeira fase romântica pelas qualidades superiores de inspiração e consciência artística" (in: Formação da literatura brasileira, 2007, p. 401). O professor aponta ainda o "intuito nacional", a "ausência de pessimismo", a "deliberada resistência à intemperança sentimental" e a "fuga ao adjetivo" como características que levaram Gonçalves Dias a consolidar o Romantismo entre nós. Ou seja, a ser o "revelador do Brasil aos brasileiros".
A sua "Canção do exílio" (1847), que, ainda segundo Candido, foi "banalizada a ponto de perder a magia que no entanto a percorre de ponta a ponta" (idem), é um de nossos poemas mais conhecidos. Logo, bastante parodiado, relido, revisto, reinterpretado. Os versos de Cassimiro de Abreu ("Se eu tenho de morrer na flor dos anos, / Meu Deus! não seja já; / Eu quero ouvir na laranjeira, à tarde, / A voz do sabiá!"), Oswald de Andrade ("Minha terra tem palmares / Onde gorjeia o mar"), Murilo Mendes ("Minha terra tem macieiras da Califórnia / onde cantam gaturanos de Veneza"), Mário Quintana ("Minha terra não tem palmeiras... / E em vez de um mero sabiá, / Cantam aves invisíveis / Nas palmeiras que não há"), Carlos Drummond de Andrade ("Um sabiá / na palmeira, longe. / Estas aves cantam / um outro canto"), Ferreira Gullar ("Minha amada tem palmeiras / Onde cantam passarinhos"), Taiguara ("Sonhada terra das palmeiras / Onde andará teu sabiá? / Terá ferido alguma asa? / Terá parado de cantar? / são alguns exemplos"), Chico Buarque ("Vou voltar / Sei que ainda vou voltar / Vou deitar à sombra / De uma palmeira / Que já não há"), Cacaso ("Minha terra tem palmeiras / onde canta o tico-tico / Enquanto isso o sabiá / vive comendo o meu fubá"), Beu Machado e Moraes Moreira ("Minha terra tem pauleira / Desencanta e faz chorar") e Torquato Neto ("Minha terra tem palmeiras / Onde sopra o vento forte / Da fome, do medo e muito / Principalmente da morte") são alguns exemplos de como o poema foi incorporado e problematizado no processo ad infinitum de construção da identidade nacional.
Composta em julho de 1843 quando o autor se encontrava em Coimbra, após a independência do Brasil, "Canção do exílio" descreve e exalta a terra natal, mais pungente do que a do colonizador. "Aqui" (Portugal), "lá" (Brasil). A "tristeza digna" de quem está longe de seu país é ressaltada na forma e no conteúdo do poema. A melopeia das redondilhas, os usos da aliteração e da assonância e as imagens abundantemente paradisíacas ajudam a cantar o lugar onde "Nosso céu tem mais estrelas, / Nossas várzeas têm mais flores, / Nossos bosques têm mais vida, / Nossa vida mais amores".
Importante perceber que estes versos são a dobra imagética nacionalista entre "Águas são muitas; infindas. E em tal maneira é graciosa que, querendo-a aproveitar, dar-se-á nela tudo, por bem das águas que tem", da Carta de Pero Vaz de Caminha, marco escritural da chegada dos colonizadores portugueses aqui, e "Teus risonhos, lindos campos têm mais flores / 'Nossos bosques têm mais vida' / 'Nossa vida' no teu seio 'mais amores'", do Hino Nacional com letra (e apropriação) de Joaquim Osório Duque-Estrada. Percebe-se que o tom idílico se mantém como herança (maldita) do colonizador. E irá se unir ao sentido heróico da vida romântica, servindo de cartão-de-visita aos estrangeiros que ainda hoje buscam aqui o Novo Éden. Seria isso um sintoma da "interiorização do espírito colonial" comentado pelo professor Flávio Kothe no livro O cânone imperial?
Se, para Candido, Gonçalves Dias "contribui ao lado de José de Alencar para dar à literatura, no Brasil, uma categoria perdida desde os árcades maiores" (2007, p.401), nada nos impede de especular que a voz do eu-lírico do poema é a voz de Moacir, o primeiro brasileiro, filho de Iracema e Martim. Lembremos: Moacir não fica no Brasil, parte com o pai branco, cristão, colonizador, após a morte da mãe. "O primeiro cearense, ainda no berço, emigrava da terra da pátria. Havia aí a predestinação de uma raça?", pergunta o narrador de Alencar no último capítulo do livro. Moacir não tem escolha, bebê, é forçado ao exílio. E, óbvio, não tem a consciência para cantar o que o eu-lírico de Gonçalves Dias canta. A não ser que, por uma torção estética do tempo, aceitemos ele adulto impregnado pela leitura da famosa Carta cantando a terra natal distante. O eu-lírico seria, assim, um brasileiro que canta o Brasil atravessado pelo olhar de fora. Algo incomum na nossa história?
Especulações à parte, afinal Gonçalves Dias estava fora do Brasil ao escrever o poema, e o Romantismo é também a afirmação de si, do eu, da autoria, é no mínimo curioso perceber como dois textos fundadores do proclamado espírito nacional, da representação da pátria trabalham com a imagem do sujeito exilado. Talvez quem melhor tenha trabalhado com esta perspectiva da desterritorialização do eu seja Sousândrade com o seu Guesa.
Para Flávio Kothe, Gonçalves Dias "não era um exilado, mas um privilegiado, pois tinha a rara felicidade de poder estudar na Europa, vindo mais tarde a ser até mesmo um enviado do imperador" (O cânone imperial, 2000, p. 150). Kothe chama atenção para a epígrafe do poema de Gonçalves Dias. "Kennst du das Land, wo die Citronen blühn, / Im Dunkeln die Gold-Oragen glühen, / Kennst du es wohl? - Dahin, dahin! / Möcht' ich... ziehen" ["Conheces a terra onde o limoeiro floresce / a laranja dourada brasa na folha escura parece, / Um vento suave sopra do céu azul, / Quieto o mirto está, e alta a folha de louro, / Tu conheces sim?" (tradução de Kothe)]. Trata-se de uma citação da "Canção de Mignon", de Goethe. "Enquanto Mignon quer ir para um paraíso terrestre, onde espera ser feliz, na 'Canção do exílio' não há a figura de uma determinada pessoa amada: a pátria é tudo, ela é a própria amada, paraíso onde nada mais é necessário, pois se tem palmeiras e sabiás" (KOTHE, 2000, p. 156). A "Canção do (pseudo-)exílio", para Kothe, não enfrenta o trauma colonial. Segundo o professor, "exaltar o exótico revela a dependência que se declara não ter" (p. 157).
Ainda para Kothe, "mais que uma não-adaptação, não elaboração como tal, mais que a falta de uma crítica fundada à europeidade, o que se tem aí [na "Canção do exílio"] é um perigoso passo que, pretensamente marchando à esquerda com o nacionalismo, logo se encaminhou à direita com o militarismo e o fascismo" (p. 158). Falta ao poema de Gonçalves Dias o impulso da utopia. Impulso vivido por quem deseja sair de onde está sitiado, não por escolha, mas por imposição sócio-política. "O nativismo brasileiro (...) foi incapaz de ao menos elaborar as cosmovisões indígenas como distanciamento do cristianismo", escreve Kothe (p. 161). "Não permita Deus que eu morra, / Sem que eu volte para lá", canta o eu-lírico cristão desejoso do consolo dominical.
O fato de Gonçalves Dias ter sido filho ilegítimo de pai português com mãe cafusa imprime legitimidade ao canto do eu poemático? Como absorver a real experiência de exílio na história brasileira? Estas perguntas reverberam durante a audição de "Canção do exílio" na interpretação de Sérgio Britto (PuraBossaNova, 2013), pois o componente biográfico do cancionista sugere verdade na mensagem do sujeito cancional criado. Filho do deputado Almino Afonso, ex-ministro do trabalho do governo de João Goulart, Sérgio Britto deixou o país aos cinco anos para acompanhar o pai no exílio imposto pela ditadura militar do Brasil (1964-1985). Foram nove anos de exílio forçado no Chile até o retorno ao Brasil, depois do golpe militar chileno comandado por Augusto Pinochet.
"Canção do exílio" não é o primeiro poema musicado por Sérgio Britto. Já em 1984 o cancionista pop-rock canta "Go back", poema do tropicalista Torquato Neto, no primeiro disco do grupo Titãs: "Só quero saber / Do que pode dar certo / Não tenho tempo a perder", diz o refrão. É a tropical melancolia o elo entre os dois poemas e as duas canções? Levando em conta a tradição das formas fixas, Britto faz uso do princípio da repetição da balada (o refrão criado em "Go back"), do teor melancólico autoacalantado da canção (o alongamento das vogais em "Canção do exílio") e do investimento nas redondilhas da madrigal (a divisão da respiração em "Canção do exílio"). Esta mistura sutil de formas dá o clima de "Canção do exílio": a abordagem lírico-subjetiva comum na canção popular mediatizada.
Sérgio Britto investe no binômio lírico flor/amor lá/Sabiá da Bossa Nova e na alienação sentimental para acalmar as frustrações do eu-lírico de Gonçalves Dias. Ele canta as três primeiras estrofes criando uma gradação de altura vocal a cada verso de cada estrofe; alonga bastante e com voz dobrada o "lá" do versos "Mais prazer eu encontro lá", tentando figurativizar a distância entre quem canta e o lugar cantado; declama com voz embevecida "Minha terra tem primores, / Que tais não encontro eu cá; / Em cismar sozinho, à noite / Mais prazer eu encontro lá; / Minha terra tem palmeiras, / Onde canta o Sabiá"; e volta a cantar o restante dos versos do poema.
Apresentador do programa Exílio e Canções (TV Brasil), Sergio Britto parece focar no canto consolador do sabiá, a fim de cauterizar o trauma do sujeito exilado. O sujeito cancional canta mais o desejo de tranquilidade do que o trauma de estar exilado. E, assim como não tem sentido para o poema, a não ser o de confirmar nossa dependência cultural, a epígrafe do poema é desprezada na canção.
"O eu poético está fora do lugar não tanto porque escreve em Portugal, mas porque escreva da perspectiva europeia e apenas faz de conta que a transcendeu", anota Kothe (2000, p. 168). Volta a pergunta: de onde o sujeito (do poema, da canção) está exilado? No caso do poema de Dias, nem exílio do autor, de fato, há; e no caso da canção de Britto, se levarmos em conta a história da canção brasileira, a tal "linha evolutiva" reclamada por Caetano Veloso, o exílio seria do sujeito urbano em relação a uma vida amena, figurativizada pelo acompanhamento bossanovista. Seja como for, a vontade de uma vida mítica-Sabiá impregna o poema e a canção, servindo mais ao conforto dos ânimos do que ao enfrentamento do exotismo hiperbólico nacional.
A sua "Canção do exílio" (1847), que, ainda segundo Candido, foi "banalizada a ponto de perder a magia que no entanto a percorre de ponta a ponta" (idem), é um de nossos poemas mais conhecidos. Logo, bastante parodiado, relido, revisto, reinterpretado. Os versos de Cassimiro de Abreu ("Se eu tenho de morrer na flor dos anos, / Meu Deus! não seja já; / Eu quero ouvir na laranjeira, à tarde, / A voz do sabiá!"), Oswald de Andrade ("Minha terra tem palmares / Onde gorjeia o mar"), Murilo Mendes ("Minha terra tem macieiras da Califórnia / onde cantam gaturanos de Veneza"), Mário Quintana ("Minha terra não tem palmeiras... / E em vez de um mero sabiá, / Cantam aves invisíveis / Nas palmeiras que não há"), Carlos Drummond de Andrade ("Um sabiá / na palmeira, longe. / Estas aves cantam / um outro canto"), Ferreira Gullar ("Minha amada tem palmeiras / Onde cantam passarinhos"), Taiguara ("Sonhada terra das palmeiras / Onde andará teu sabiá? / Terá ferido alguma asa? / Terá parado de cantar? / são alguns exemplos"), Chico Buarque ("Vou voltar / Sei que ainda vou voltar / Vou deitar à sombra / De uma palmeira / Que já não há"), Cacaso ("Minha terra tem palmeiras / onde canta o tico-tico / Enquanto isso o sabiá / vive comendo o meu fubá"), Beu Machado e Moraes Moreira ("Minha terra tem pauleira / Desencanta e faz chorar") e Torquato Neto ("Minha terra tem palmeiras / Onde sopra o vento forte / Da fome, do medo e muito / Principalmente da morte") são alguns exemplos de como o poema foi incorporado e problematizado no processo ad infinitum de construção da identidade nacional.
Composta em julho de 1843 quando o autor se encontrava em Coimbra, após a independência do Brasil, "Canção do exílio" descreve e exalta a terra natal, mais pungente do que a do colonizador. "Aqui" (Portugal), "lá" (Brasil). A "tristeza digna" de quem está longe de seu país é ressaltada na forma e no conteúdo do poema. A melopeia das redondilhas, os usos da aliteração e da assonância e as imagens abundantemente paradisíacas ajudam a cantar o lugar onde "Nosso céu tem mais estrelas, / Nossas várzeas têm mais flores, / Nossos bosques têm mais vida, / Nossa vida mais amores".
Importante perceber que estes versos são a dobra imagética nacionalista entre "Águas são muitas; infindas. E em tal maneira é graciosa que, querendo-a aproveitar, dar-se-á nela tudo, por bem das águas que tem", da Carta de Pero Vaz de Caminha, marco escritural da chegada dos colonizadores portugueses aqui, e "Teus risonhos, lindos campos têm mais flores / 'Nossos bosques têm mais vida' / 'Nossa vida' no teu seio 'mais amores'", do Hino Nacional com letra (e apropriação) de Joaquim Osório Duque-Estrada. Percebe-se que o tom idílico se mantém como herança (maldita) do colonizador. E irá se unir ao sentido heróico da vida romântica, servindo de cartão-de-visita aos estrangeiros que ainda hoje buscam aqui o Novo Éden. Seria isso um sintoma da "interiorização do espírito colonial" comentado pelo professor Flávio Kothe no livro O cânone imperial?
Se, para Candido, Gonçalves Dias "contribui ao lado de José de Alencar para dar à literatura, no Brasil, uma categoria perdida desde os árcades maiores" (2007, p.401), nada nos impede de especular que a voz do eu-lírico do poema é a voz de Moacir, o primeiro brasileiro, filho de Iracema e Martim. Lembremos: Moacir não fica no Brasil, parte com o pai branco, cristão, colonizador, após a morte da mãe. "O primeiro cearense, ainda no berço, emigrava da terra da pátria. Havia aí a predestinação de uma raça?", pergunta o narrador de Alencar no último capítulo do livro. Moacir não tem escolha, bebê, é forçado ao exílio. E, óbvio, não tem a consciência para cantar o que o eu-lírico de Gonçalves Dias canta. A não ser que, por uma torção estética do tempo, aceitemos ele adulto impregnado pela leitura da famosa Carta cantando a terra natal distante. O eu-lírico seria, assim, um brasileiro que canta o Brasil atravessado pelo olhar de fora. Algo incomum na nossa história?
Especulações à parte, afinal Gonçalves Dias estava fora do Brasil ao escrever o poema, e o Romantismo é também a afirmação de si, do eu, da autoria, é no mínimo curioso perceber como dois textos fundadores do proclamado espírito nacional, da representação da pátria trabalham com a imagem do sujeito exilado. Talvez quem melhor tenha trabalhado com esta perspectiva da desterritorialização do eu seja Sousândrade com o seu Guesa.
Para Flávio Kothe, Gonçalves Dias "não era um exilado, mas um privilegiado, pois tinha a rara felicidade de poder estudar na Europa, vindo mais tarde a ser até mesmo um enviado do imperador" (O cânone imperial, 2000, p. 150). Kothe chama atenção para a epígrafe do poema de Gonçalves Dias. "Kennst du das Land, wo die Citronen blühn, / Im Dunkeln die Gold-Oragen glühen, / Kennst du es wohl? - Dahin, dahin! / Möcht' ich... ziehen" ["Conheces a terra onde o limoeiro floresce / a laranja dourada brasa na folha escura parece, / Um vento suave sopra do céu azul, / Quieto o mirto está, e alta a folha de louro, / Tu conheces sim?" (tradução de Kothe)]. Trata-se de uma citação da "Canção de Mignon", de Goethe. "Enquanto Mignon quer ir para um paraíso terrestre, onde espera ser feliz, na 'Canção do exílio' não há a figura de uma determinada pessoa amada: a pátria é tudo, ela é a própria amada, paraíso onde nada mais é necessário, pois se tem palmeiras e sabiás" (KOTHE, 2000, p. 156). A "Canção do (pseudo-)exílio", para Kothe, não enfrenta o trauma colonial. Segundo o professor, "exaltar o exótico revela a dependência que se declara não ter" (p. 157).
Ainda para Kothe, "mais que uma não-adaptação, não elaboração como tal, mais que a falta de uma crítica fundada à europeidade, o que se tem aí [na "Canção do exílio"] é um perigoso passo que, pretensamente marchando à esquerda com o nacionalismo, logo se encaminhou à direita com o militarismo e o fascismo" (p. 158). Falta ao poema de Gonçalves Dias o impulso da utopia. Impulso vivido por quem deseja sair de onde está sitiado, não por escolha, mas por imposição sócio-política. "O nativismo brasileiro (...) foi incapaz de ao menos elaborar as cosmovisões indígenas como distanciamento do cristianismo", escreve Kothe (p. 161). "Não permita Deus que eu morra, / Sem que eu volte para lá", canta o eu-lírico cristão desejoso do consolo dominical.
O fato de Gonçalves Dias ter sido filho ilegítimo de pai português com mãe cafusa imprime legitimidade ao canto do eu poemático? Como absorver a real experiência de exílio na história brasileira? Estas perguntas reverberam durante a audição de "Canção do exílio" na interpretação de Sérgio Britto (PuraBossaNova, 2013), pois o componente biográfico do cancionista sugere verdade na mensagem do sujeito cancional criado. Filho do deputado Almino Afonso, ex-ministro do trabalho do governo de João Goulart, Sérgio Britto deixou o país aos cinco anos para acompanhar o pai no exílio imposto pela ditadura militar do Brasil (1964-1985). Foram nove anos de exílio forçado no Chile até o retorno ao Brasil, depois do golpe militar chileno comandado por Augusto Pinochet.
"Canção do exílio" não é o primeiro poema musicado por Sérgio Britto. Já em 1984 o cancionista pop-rock canta "Go back", poema do tropicalista Torquato Neto, no primeiro disco do grupo Titãs: "Só quero saber / Do que pode dar certo / Não tenho tempo a perder", diz o refrão. É a tropical melancolia o elo entre os dois poemas e as duas canções? Levando em conta a tradição das formas fixas, Britto faz uso do princípio da repetição da balada (o refrão criado em "Go back"), do teor melancólico autoacalantado da canção (o alongamento das vogais em "Canção do exílio") e do investimento nas redondilhas da madrigal (a divisão da respiração em "Canção do exílio"). Esta mistura sutil de formas dá o clima de "Canção do exílio": a abordagem lírico-subjetiva comum na canção popular mediatizada.
Sérgio Britto investe no binômio lírico flor/amor lá/Sabiá da Bossa Nova e na alienação sentimental para acalmar as frustrações do eu-lírico de Gonçalves Dias. Ele canta as três primeiras estrofes criando uma gradação de altura vocal a cada verso de cada estrofe; alonga bastante e com voz dobrada o "lá" do versos "Mais prazer eu encontro lá", tentando figurativizar a distância entre quem canta e o lugar cantado; declama com voz embevecida "Minha terra tem primores, / Que tais não encontro eu cá; / Em cismar sozinho, à noite / Mais prazer eu encontro lá; / Minha terra tem palmeiras, / Onde canta o Sabiá"; e volta a cantar o restante dos versos do poema.
Apresentador do programa Exílio e Canções (TV Brasil), Sergio Britto parece focar no canto consolador do sabiá, a fim de cauterizar o trauma do sujeito exilado. O sujeito cancional canta mais o desejo de tranquilidade do que o trauma de estar exilado. E, assim como não tem sentido para o poema, a não ser o de confirmar nossa dependência cultural, a epígrafe do poema é desprezada na canção.
"O eu poético está fora do lugar não tanto porque escreve em Portugal, mas porque escreva da perspectiva europeia e apenas faz de conta que a transcendeu", anota Kothe (2000, p. 168). Volta a pergunta: de onde o sujeito (do poema, da canção) está exilado? No caso do poema de Dias, nem exílio do autor, de fato, há; e no caso da canção de Britto, se levarmos em conta a história da canção brasileira, a tal "linha evolutiva" reclamada por Caetano Veloso, o exílio seria do sujeito urbano em relação a uma vida amena, figurativizada pelo acompanhamento bossanovista. Seja como for, a vontade de uma vida mítica-Sabiá impregna o poema e a canção, servindo mais ao conforto dos ânimos do que ao enfrentamento do exotismo hiperbólico nacional.
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Canção do exílio
(Gonçalves Dias / Sérgio Britto)
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá;
As aves, que aqui gorjeiam,
Não gorjeiam como lá.
Nosso céu tem mais estrelas,
Nossas várzeas têm mais flores,
Nossos bosques têm mais vida,
Nossa vida mais amores.
Em cismar, sozinho, à noite,
Mais prazer eu encontro lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.
Minha terra tem primores,
Que tais não encontro eu cá;
Em cismar sozinho, à noite
Mais prazer eu encontro lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.
Não permita Deus que eu morra,
Sem que eu volte para lá;
Sem que desfrute os primores
Que não encontro por cá;
Sem qu'inda aviste as palmeiras,
Onde canta o Sabiá.
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