"Sorver-te", de Kassin, promove o extravasamento da vontade, festa do desejo. Guardada no disco Sonhando devagar (2011), "Sorver-te" plasma o instante sexual - quando os corpos dizem mais do que as palavras. Focando o discurso no pré-durante-pós ato em si, o sujeito da canção revela as delícias que o outro (ouvinte) lhe proporciona no encontro homoerótico: urgente, clandestino.
Isso fica reiterado quando, na canção "Calça de ginástica", do mesmo disco, o sujeito diz querer "fazer sexo com você no banheiro de paraplégicos", apontando a urgência - tesão de realizar - e a subcultura do sexo gay - a pegação. O que oferece à Kassin elementos para construir uma subcategoria sonora: o tecnogay.
Vale dizer que os "subs" usados aqui estão mais na ordem do desdobramento (outra a partir de uma já existente) do que a assinatura de uma inferioridade, tanto do sexo, quanto da categoria. O camp é observado no "grau de artifício, de estetização", na "arte decorativa que enfatiza a textura, a superfície sensual e o estilo em detrimento do conteúdo", como anota Susan Sontag em "Notas sobre o camp", para concluir: "o camp é um solvente da moralidade".
De melodia híbrida, com um som anos 1980 misturado aos ares 2010, mixando tecnologias analógicas e eletrônicas, o sujeito de "Sorver-te" não deixa dúvidas: quer sensualizar. E destaca-se exatamente isso na canção: o desejo de fisicalidade ("calda quente") vindo de uma voz eletronicamente mexida - afetada.
Nesse ponto engendra-se a competência de Kassin em chamar atenção para as formas de cantar. Produzida, a voz que sai é ou não é do cantor? Ou melhor, que cantor é esse? Tais questões imbricam-se à perspectiva do sexo anônimo, rápido, forte/frágil: onde o que mais importa é o sexo - o som. "Cada momento com você presente / fico esperando com ansiedade / os fluidos corporais que você vai deixar", diz o sujeito.
Sugere-se a mistura entre a espontaneidade do primeiro take (velocidade na captura do acontecimento) e a racionalidade (os mecanismos de artificialização citados por Sontag). Como há de supor todo ouvinte atento à malícia da canção, o "sorvete" é uma substituição neobarroca, apropriação e deslocamento semântico latino-americanos para o "falo".
Eis a configuração de um dicionário próprio criado pelos indivíduos homoeroticamente inclinados a fim de comunicação entre si - paralelos ao vocabulário normatizado pela sociedade onde é permitido proibir.
Tropicalmente,"Sorver-te" recupera a canção "Sorvete", de Caetano Veloso, quando o sujeito diz que ela - "burra, sábia, deusa, mulher, menino e mandarim" - não quis [meu] sorvete. E "Manjar de reis", de Jorge Mautner e Nelson Jacobina, e a vontade que o outro, sem timidez, chupe picolés. E ainda "História de fogo", de Otto e Alessandra Negrini: "Esse amor me derreteu / ajoelha-te esquece / me chupa e agradece / a quem te machuca". Signos espalhados que, condensados na canção de Kassin, servem à imagética da mitologia homoerótica.
Estética e existência misturam-se. As máscaras necessariamente usadas no dia-a-dia perdem todo sentido durante o sexo. Aqui, na bolha deliberadamente construída para si, o sujeito, depois de ver o outro derreter - provavelmente em ginástica, e aqui forja-se mais um diálogo com a canção "Calça de ginástica", permite-se à calda quente do outro: esfriando a alma do cotidiano moralista. "Eu fico triste quando evapora / o suor que você condensou", revela o sujeito.
Corpos suados, ardentes e apaixonados - cantantes. Tudo em silêncio, sem alarde, humanidades crescidas e bocas caladas, afinal a bolha protetora pode ser facilmente descoberta e estourada por algum passante.
Vale dizer que os "subs" usados aqui estão mais na ordem do desdobramento (outra a partir de uma já existente) do que a assinatura de uma inferioridade, tanto do sexo, quanto da categoria. O camp é observado no "grau de artifício, de estetização", na "arte decorativa que enfatiza a textura, a superfície sensual e o estilo em detrimento do conteúdo", como anota Susan Sontag em "Notas sobre o camp", para concluir: "o camp é um solvente da moralidade".
De melodia híbrida, com um som anos 1980 misturado aos ares 2010, mixando tecnologias analógicas e eletrônicas, o sujeito de "Sorver-te" não deixa dúvidas: quer sensualizar. E destaca-se exatamente isso na canção: o desejo de fisicalidade ("calda quente") vindo de uma voz eletronicamente mexida - afetada.
Nesse ponto engendra-se a competência de Kassin em chamar atenção para as formas de cantar. Produzida, a voz que sai é ou não é do cantor? Ou melhor, que cantor é esse? Tais questões imbricam-se à perspectiva do sexo anônimo, rápido, forte/frágil: onde o que mais importa é o sexo - o som. "Cada momento com você presente / fico esperando com ansiedade / os fluidos corporais que você vai deixar", diz o sujeito.
Sugere-se a mistura entre a espontaneidade do primeiro take (velocidade na captura do acontecimento) e a racionalidade (os mecanismos de artificialização citados por Sontag). Como há de supor todo ouvinte atento à malícia da canção, o "sorvete" é uma substituição neobarroca, apropriação e deslocamento semântico latino-americanos para o "falo".
Eis a configuração de um dicionário próprio criado pelos indivíduos homoeroticamente inclinados a fim de comunicação entre si - paralelos ao vocabulário normatizado pela sociedade onde é permitido proibir.
Tropicalmente,"Sorver-te" recupera a canção "Sorvete", de Caetano Veloso, quando o sujeito diz que ela - "burra, sábia, deusa, mulher, menino e mandarim" - não quis [meu] sorvete. E "Manjar de reis", de Jorge Mautner e Nelson Jacobina, e a vontade que o outro, sem timidez, chupe picolés. E ainda "História de fogo", de Otto e Alessandra Negrini: "Esse amor me derreteu / ajoelha-te esquece / me chupa e agradece / a quem te machuca". Signos espalhados que, condensados na canção de Kassin, servem à imagética da mitologia homoerótica.
Estética e existência misturam-se. As máscaras necessariamente usadas no dia-a-dia perdem todo sentido durante o sexo. Aqui, na bolha deliberadamente construída para si, o sujeito, depois de ver o outro derreter - provavelmente em ginástica, e aqui forja-se mais um diálogo com a canção "Calça de ginástica", permite-se à calda quente do outro: esfriando a alma do cotidiano moralista. "Eu fico triste quando evapora / o suor que você condensou", revela o sujeito.
Corpos suados, ardentes e apaixonados - cantantes. Tudo em silêncio, sem alarde, humanidades crescidas e bocas caladas, afinal a bolha protetora pode ser facilmente descoberta e estourada por algum passante.
***
Sorver-te
(Kassin)
gosto de ver-te derreter-te
para depois sorver-te
como um sorvete
de creme
a sua calda esfria a alma
mesmo ainda quente
quero absorver-te
deleite
a roupa cala
o seu corpo fala
cada incerteza uma confirmação
eu fico triste quando evapora
o suor que você condensou
cada momento com você presente
fico esperando com ansiedade
os fluidos corporais que você vai deixar
(Kassin)
gosto de ver-te derreter-te
para depois sorver-te
como um sorvete
de creme
a sua calda esfria a alma
mesmo ainda quente
quero absorver-te
deleite
a roupa cala
o seu corpo fala
cada incerteza uma confirmação
eu fico triste quando evapora
o suor que você condensou
cada momento com você presente
fico esperando com ansiedade
os fluidos corporais que você vai deixar
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