13 maio 2011

Aumenta o volume

No livro Produção de presença, Hans Ulrich Gumbrecht, sugere que devemos estar atentos para o impacto que os objetos "presentes" exercem sobre nossos corpos. Mas vai além quando observa que as novas tecnologias avançam no objetivo de satisfazer nosso desejo (humano) de presença.
O que são, portanto, Orkut, E-mail, Skype, Messenger... senão tentativas de burlar o processo gradual de abandono e esquecimento da presença no mundo contemporâneo e, de viés, presentificar o(s) outros(s): a alteridade-espelho?
Noutra perspectiva, presentificar algo, ou alguém, é poesia: produções de sentido - tornar presente o que jamais esteve ausente de nós, mas que pelo automatismo cotidiano perdeu a graça e a intensidade. Presentificar é dar cor ao óbvio: o tal óbvio ululante.
Ainda para Gumbrecht, "a poesia talvez seja o exemplo mais forte da simultaneidade dos efeitos de presença e dos efeitos de sentido". Ou seja, ao tentar buscar um sentido único à poesia, com instauração de repertórios, o crítico destrói a poesia: não deixa a canção cantar.
Penso nisso enquanto ouço o sujeito da canção "Aumenta o volume", de Felipe S. e Chiquinho, dizendo: "Aumenta o volume e vai / tão certo de ir / desafeto não faz bem / e porém / espero ser muito mais". Há aqui um desejo metapoético: pré-pensamento; pré-produção de sentidos. Ou pós tudo isso. Um impulso afirmativo da existência.
Claro está que as tecnologias tem ajudado sobremaneira às nossas necessidades de canto. Hoje podemos carregar nossas neosereias na palma da mão. Equipamentos e técnicas de reprodução novas tendem a facilitar isso.
Exemplos simples, mas definidores do contexto atual: Se antes era preciso parar tudo para virar o lado do LP (com sua capacidade limitada de canções), hoje o espaço digital acumula uma quantidade imensa (e muitas vezes impossíveis de serem, de fato, ouvidas) de sensações e sentidos sonoros.
A voz exerce uma força material tamanha sobre nós. Quantas vezes ouvimos alguém dizer que a primeira coisa que faz quando chega em casa é ligar a TV ou o rádio para assim ter a sensação de não estar sozinho em casa?
"Aumenta o volume" (Amigo do tempo, 2010) é convite para que a presença da voz se intensifique e invada nosso corpo de ouvinte: para que o corpo de quem canta possa tocar nossos sentidos: para além da pele. "Esquece o impossível / desperte o infinito / em seu olhar", diz o sujeito brincando sinestesicamente com o ouvinte destinatário da mensagem da canção: todos nós.
Para o sujeito, mais difícil que explicar é ouvir: estar atento e forte às presenças todas que se manifestam na voz mecanicamente reproduzida pelo aparelho. Maior o volume, maior a imersão nas ondas sonoras (naquilo que não pode ser descrito, mas cantado): eis a experiência de sentir a vida pelo corpo todo - tal e qual como sentíamos no útero materno: nossa primeira e paradisíaca (porque infinitamente cantante: abundante) caixa acústica.
As experiências estéticas tentam restituir tal paisagem. E assim como a Eucaristia promete para os cristãos católicos a reprodução infinita da presença do mesmo Cristo, as tecnologias tem nos oferecido a oportunidade de ouvir (presentificar), cada vez mais customizada e individualmente, as vozes necessárias à nossa afirmação no mundo: os cantos de reconhecimento: tão diversos e mutantes quanto nossos desejos, humores e vontades.
A certa altura Gumbrecht pergunta: "Como é possível que ansiemos por esses momentos de intensidade, se eles não nos dão conteúdos nem efeitos edificantes?" Eis o mistério da fé, na vida.



***

Aumenta o volume
(Felipe S. / Chiquinho)

Aumenta o volume e vai
Tão certo de ir
Desafeto não faz bem
E porém
Espero ser muito mais

Sem ter que pisar em ninguém
Em ninguém

Esquece o impossível
Desperte o infinito
Em seu olhar

O mais difícil seja ouvir
E ainda mais que explicar

Um comentário:

  1. Quando li para minha dissertação, achei difícil apreender todo o significado da produção de presença que o Gumbrecht coloca.
    Por isso, gostei muito como vc dialogou com seu tema, muita leveza e sensibilidade.

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